Enquanto torce para a continuidade do fim do ciclo de taxas de juros nas alturas, o mercado imobiliário discute outros grandes entraves à expansão do negócio no país. A busca de uma maior estabilidade jurídica está entre os maiores desejos do setor. São frequentes por aqui prejuízos inesperados com decisões relacionadas a licenciamentos ambientais e mudanças de interpretação nas regras urbanísticas. “Antes, quando comprávamos um terreno, abríamos um champanhe para comemorar. Hoje, ficamos pensando no que pode acontecer”, afirmou Rodrigo Luna, presidente do SECOVI-SP num evento recente realizado em São Paulo pelo Lide, o grupo criado pelo ex-governador João Doria e hoje presidido pelo seu filho, João Doria Neto, que promove periodicamente encontros com lideranças empresarias sobre temas relevantes do país.
Rodrigo Luna foi um dos participantes da reunião realizada no último dia 10 na Casa Lide, espaço recém inaugurado do grupo Doria no coração da Faria Lima. O evento contou também com a presença de nomes como o prefeito da cidade de São Paulo, Ricardo Nunes, do incorporador Bueno Neto e do advogado Marcelo Terra. Os convidados abordaram o novo Plano Diretor da capital paulista, os marcos jurídicos e a expansão das cidades com mais estrutura, planejamento e preocupação com o atendimento ao bem estar das pessoas.
A instabilidade jurídica como problema que impacta diretamente o setor não foi apenas abordada pelo discurso de Rodrigo Luna. Por meio de relatos pessoais e de considerações contundentes baseadas nas experiência e conhecimento técnico, a turma dos palestrantes presentes colocou o Ministério Público e a legislação como fatores responsáveis por atrasos e prejuízos para o mercado.
O advogado Marcelo Terra, especialista em Direito Imobiliario, abriu o painel trazendo uma célebre frase de um professor seu que dizia que “feita a lei, encontra-se o imbróglio”. Foi a deixa para ele falar dos problemas de interpretação de uma norma. Segundo ele, o que deveria acontecer era a unificação de entendimento das regras em vez de uma múltipla interpretação da norma legislativa. Na opinião dele, isso abre espaço para causar diversos problemas e, com isso, prejuízos e atrasos que afetam toda a cadeia do mercado imobiliário.
Uma grande questão levantada pelo advogado e que todos concordaram foi em relação ao Direito de protocolo, e o quanto o poder judiciário deveria ser mais duro com ele.
O direito de protocolo é quando pedidos de licenciamento de obras, edificações e atividades e os projetos de parcelamento do solo de construções sejam apreciados integralmente de acordo com a legislação em vigor à época do protocolo. Ou seja, quando se adquire , por exemplo, um terreno, o incorporador estuda o mercado e investe em um planejamento do que será feito naquele terreno. Na prática, porém, anos depois quando vai colocar em pé esse planejamento, as empresas são surpreendidas por mudanças nas leis que impedem que o que foi investido e desenhado possa ser realizado, mudando toda a estratégia comercial da empresa e alterando completamente a natureza daquela obra, causando inúmeros prejuízos e atrasos.
Um exemplo citado no evento a respeito do prejuízo por conta das travas e lentidão na esfera jurídica foi dado por Adalberto Bueno Netto, fundador da Bueno Netto, uma das maiores construtoras do Brasil. Em 2014, enquanto ele estava comercializando um dos maiores empreendimentos do Brasil, o Parque Global, junto com o grupo norte americano Related e já com 300 unidades residenciais vendidas, a obra foi embargada por uma ação judicial. Somente oito anos depois ficou claro que havia ocorrido um erro do Ministério Público na análise do caso. O resultado foi um prejuízo de milhões em valores devolvidos, processo judicial e encerramento de parte do contrato com a empresa estrangeira. Sem falar no prejuízo da marca, construída há mais de 40 anos. Se a esfera jurídica fosse mais rápida e sem espaço para muitas interpretações, tudo isso teria sido evitado.
Por essas e outras, parte do mercado enxerga o Ministério Público como o grande vilão da história, esquecendo-se que ele tem um papel importante na sociedade como fiscal da lei. O problema é quando algumas exceções aplicam a lei dentro de uma visão própria e particular. O MP acaba não sofrendo nenhuma penalidade quando cria situações como essas, uma vez que não tem bens para serem penhorados ou meios para pagar multa ou indenizações
Larissa Campagner, coordenadora do conselho de política urbana do instituto de arquitetos do Brasil (IAB) e única mulher presente entres os participantes do painel, fez o papel de mediadora e lembrou que a cidade deve atender as necessidades das pessoas e não apenas estar sujeita a economia. Segundo ela, é a sociedade que tem que orientar o caminho da sua cidade. Ao final, ele citou a frase da música de Chico Buarque para ilustrar a necessidade de coibir distorções e buscar soluções efetivas para a maioria da sociedade: “A cidade ideal para os cachorros tem um poste por metro quadrado ”.