Quem tem um imóvel na planta provavelmente levou um susto nos últimos meses: as parcelas devem ter apresentado uma grande correção. Isso porque o Índice Nacional da Construção Civil (INCC) tem crescido acima da média vista nos últimos anos.
Em novembro deste ano, o INCC cresceu 1,29%. A inflação foi menor do que a vista no mês anterior, quando o INCC apresentou uma alta de 1,69% e registrou a maior alta mensal desde julho de 2015, mas segue alta. Em janeiro deste ano, por exemplo, a expansão havia sido de apenas 0,26%. De janeiro a outubro de 2020, o índice acumula aumento de 7,71%. Nos últimos 12 meses, a alta bateu 7,86%.
O InfoMoney conversou com especialistas para entender quais áreas são afetadas pela alta do INCC; se há alguma previsão de desaceleração no crescimento do índice; e qual a melhor opção atualmente entre comprar um imóvel na planta ou optar pelo financiamento.
O que é e para que serve o INCC?
O Índice Nacional da Construção Civil (INCC) tem como objetivo medir a evolução dos custos de construções habitacionais. O indicador tem três grandes componentes: materiais e equipamentos, serviços e mão de obra.
Alguns exemplos de materiais e equipamentos são: areia, cimento, esquadrias, impermeabilizantes, instalações elétricas e hidráulicas, ladrilhos e vergalhão. Serviços podem ser carreto para entulho e despesas com projetos arquitetônicos, por exemplo. Já a mão de obra diz respeito à contratação de profissionais como engenheiros, pedreiros, pintores e serventes.
Os aumentos de custos em cada área são coletados mensalmente pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) em seis capitais brasileiras: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Porto Alegre e Brasília.
O INCC tem três desdobramentos: o INCC-DI, o INCC-M e o INCC-10. A única diferença é o período de coleta e divulgação dos dados. O INCC-DI é pesquisado entre o 1º e o último dia do mês de referência. O INCC-M, entre os dias 21 do mês anterior e 20 do mês de referência. Por fim, INCC-10 é coletado entre os dias 11 do mês anterior e 10 do mês de referência.
Geralmente, construtoras e incorporadoras usam o INCC-DI e o INCC-M em seus contratos. O índice é indexador das parcelas de imóveis em construção.
Mas ele não serve apenas para propriedades não entregues: o INCC-M também compõe 10% do Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M), usado no reajuste de contratos de aluguel. Em novembro deste ano, o IGP-M chegou a uma valorização de 24,25% em 12 meses.
Ana Maria Castelo, economista da FGV e responsável pela divulgação do INCC-M, afirma que a alta refletiu o aumento significativo no grupo de materiais e equipamentos, especialmente no mês passado. Em outubro, apenas a cesta de materiais e equipamentos teve alta de 4,12%. “Não víamos essa expansão desde 2002”, diz.
A economista afirma que a pressão costumava vir mais da mão de obra. O começo da pandemia trouxe uma paralisação nas atividades de construção, fazendo com que os profissionais deixassem de pressionar os custos do segmento.
Ao mesmo tempo, houve um desarranjo na produção dos materiais de construção. “Olhando para uma situação geral ruim na economia, a indústria que fornece insumo para a construção civil cancelou investimentos de longo prazo e reduziu sua produção. Mas o mercado imobiliário voltou rápido”, analisa Rodger Campos, economista do DataZAP.
“A taxa básica de juros baixa deixou o financiamento atrativo, assim como investidores viram nos imóveis uma opção de aplicação mais estável do que a bolsa de valores neste cenário de incerteza. Outros setores também pedem os mesmos materiais, como infraestrutura e saneamento. Esse descasamento entre oferta e demanda levou ao aumento de preços”, diz Campos.
“Houve uma projeção errada de que a demanda cairia fortemente. Mas as pessoas de quarentena decidiram fazer reformas em casa e a procura por materiais no varejo se recuperou fortemente, chegando a um patamar inclusive superior ao visto antes da pandemia. As construtoras também viram demanda por imóveis novos e retomaram obras, gerando uma pressão dupla sobre um segmento que passou a ter falta de insumos”, completa Ana.
Outra razão para o aumento nos preços de materiais e equipamentos é a alta do dólar. No ano, a moeda subiu 40%. Commodities são negociadas em dólar, incluindo alguns materiais usados na construção. “O minério de ferro, por exemplo, tem sua cotação definida em mercados internacionais. Ficou mais caro para nós, o que o tornou mais escasso no país. Essa falta de oferta só aumenta ainda mais seu preço nacional”, diz Campos.
Demanda e câmbio fizeram os materiais começarem a rivalizar com a mão de obra na pressão exercida sobre o INCC – até finalmente superá-la nos últimos meses.
O INCC vai continuar subindo?
A aceleração ou desaceleração do INCC depende de diversas condições macroeconômicas e microeconômicas, na visão de Campos, do DataZAP. “As indústrias deverão voltar a acomodar a demanda por materiais. A grande questão é quanto tempo teremos de incerteza e se as construtoras e incorporadoras permanecerão com tanta procura”.
As indústrias estariam olhando para aspectos que jogam contra o investimento de longo prazo em expansão das fábricas. Algumas possibilidades são fim do auxílio emergencial, segunda onda da pandemia, permanência de um mercado de trabalho difícil e juros maiores para 2021 (que seriam repassados aos financiamentos imobiliários).
Por outro lado, a chegada das vacinas joga a favor do reaquecimento da economia e da recuperação sustentável da construção civil. “De qualquer jeito, teremos alguns meses para a reação da indústria efetivamente virar produção dos materiais”, diz Campos.
Mesmo com tantas variáveis, Ana diz que a tendência é um crescimento alto, mas desacelerado, do INCC nos próximos meses. “Não vejo esse ritmo de aumento como sustentável”, diz. “Não dá ainda para afirmar que há uma tendência de normalização, pois a taxa está alta, mas parece que o pico das altas já aconteceu.”
Ana projeta que a oferta de materiais e equipamentos possa se estabilizar e que a mão de obra volte a ser o componente que mais pressiona o INCC. Em novembro, materiais e equipamentos registraram inflação de 2,85%, abaixo dos 4,12% vistos em outubro. Por outro lado, serviços e a mão de obra tiveram alta na sua taxa de inflação em comparação com outubro. Mas isso não quer dizer que a tendência prevista pela economista já começa a acontecer. “A alta de mão de obra em novembro reflete acordos de reajuste salarial em Brasília e Porto Alegre”, diz Ana.
Como ficam os preços dos imóveis?
Dentro de materiais e equipamentos, alguns itens sofreram uma alta especial nos últimos meses: cerâmica, cimento, condutores elétricos, conexões e tubos de PVC, esquadrias de aço, telhas e tijolos. Todos são materiais de base, que oneram obras em estágio inicial.
Imóveis que estão na planta poderiam, portanto, embutir esses custos no valor anunciado aos potenciais compradores. Mas os preços das propriedades não vivem só de materiais e equipamentos.
“O valor de venda de um imóvel tem muitos componentes. Custos de construção se unem ao valor do terreno, aos gastos de comercialização e à demanda de mercado”, ressalta Ana, da FGV. “As construtoras sempre entram com um preço competitivo, o que varia de região para região. Se aquela área absorve o custo dos materiais de construção, então a construtora pode repassá-lo no valor final”, completa Campos, do DataZAP.
Nos últimos meses, a alta de valores de venda foi visível – especialmente nas capitais. Um índice que mede a evolução dos preços totais dos imóveis residenciais é o IGMI-R, feito pela Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip). A alta de janeiro a outubro de 2020 ficou em 8,84%. Considerando apenas a cidade de São Paulo, a expansão é de 13,56%.
Imóvel na planta ou financiamento?
O consumidor que dá entrada em um imóvel na planta tem as parcelas restantes ajustadas pelo INCC, incluindo a referente ao futuro financiamento. A correção pelo índice é uma espécie de troca pela construtora assumir boa parte dos custos no período de construção, que pode ser de até três anos. O comprador parcela sua entrada em pagamentos mensais e intermediários, deixando o valor restante para o financiamento, após entrega das chaves. Já quem compra um imóvel pronto dá a entrada na hora e parte logo para o financiamento.
No momento atual, vale mais a pena comprar um imóvel na planta ou financiá-lo? Veja a comparação entre o crescimento do INCC acumulado nos últimos 12 meses; a última taxa média regulada de financiamento imobiliário divulgada pelo Banco Central; e as taxas reguladas de financiamentos imobiliários divulgadas neste mês pelas maiores instituições no segmento ao BC.
As taxas reguladas dizem respeito aos financiamentos inclusos no Sistema Financeiro de Habitação (SFH), geralmente voltados a imóveis de menor valor.
Segundo Campos, cada comprador de imóvel deve levar em conta as particularidades do seu pagamento. Na planta, o comprador costuma fazer um cálculo misto. Nos meses de construção, vê a incidência do INCC. Após a entrega das chaves, vê taxas de financiamento. Caso o comprador quite tudo durante a construção, precisa olhar apenas ao INCC. Caso compre o imóvel pronto, precisa olhar apenas para as taxas de financiamento.
É possível que o imóvel na planta se valorize acima do indicador de correção, assim como esses mesmos ganhos podem não ocorrer. Aí entram estudos sobre as melhores regiões e propriedades para adquirir pensando em investimento. Vale lembrar também que o risco de adquirir um imóvel ainda em construção costuma ser recompensado por descontos. Segundo o DataZAP, esses descontos costumam ir de 10% a 40% sobre o valor final da propriedade.
Há ainda quem use o período até a entrega das chaves para investir em outras aplicações. Para quem tem alguma reserva financeira, quitar o valor restante do imóvel na planta é uma forma de obter um retorno superior ao da maioria das aplicações conservadoras. “A taxa básica de juros, baixa como está, não vai repor o aumento de custo causado neste ano pelo INCC. Nem mesmo os salários estão tendo reajustes dessa magnitude”, diz Ana.
Campos recomenda olhar o rendimento com ativos alternativos ao imóvel. “Você precisaria encontrar uma aplicação com rentabilidade superior ao reajuste percentual do INCC. Mas os riscos associados devem ser similares. Está difícil obter um retorno acima de 6% ao ano sem um risco maior do que o da classe de imóveis. Uma opção são fundos imobiliários que se indexem pelo IGP-M”, diz Campos.
A preferência de especialistas da XP, por exemplo, está em fundos imobiliários com “ativos sólidos e bem localizados, com grande concentração de contratos atípicos, carteira de inquilinos com empresas consolidadas e de grande porte”. Esses fundos “tendem a se beneficiar do aumento da inflação IGP-M dos últimos meses.”