Depois da ressaca da pandemia, o retorno em massa dos trabalhadores brasileiros aos escritórios já se traduz em números. Dados da consultoria imobiliária CBRE mostram que a absorção bruta de escritórios na cidade de São Paulo atingiu 873 mil m², o segundo maior volume da história.
Nesta volta, as companhias estão repensando o espaço de trabalho. Segundo empresários e arquitetos ouvidos pelo Estadão Imóveis, a tendência é de ambientes com mais áreas verdes, a expansão de grandes complexos empresariais e uma transformação nos layouts.
Mais espaço
Em contraste ao movimento de devolução ou encolhimento dos escritórios observado durante a quarentena, a tendência do segmento agora é adotar espaços mais amplos. Segundo a CBRE, 38% das companhias tinham planos de expandir seus espaços locados em 2024, quase o dobro em relação aos 20% registrados no ano anterior.
“No Brasil, o padrão era que cada estação de trabalho tivesse cerca de sete metros. Os trabalhadores conviviam em espaços adensados. Depois da pandemia, estamos vendo os espaços se tornarem mais convidativos, com as estações subindo para 10 a 14 metros – quase dobrando de tamanho”, exemplifica Felipe Giuliano, diretor de Locação e Pesquisa da CBRE.
Áreas verdes
Em meio a um processo de readaptação aos escritórios, o principal objetivo a ser alcançado pelas empresas é oferecer aos funcionários um espaço tão agradável quanto eles possuem em seus próprios lares. Para o arquiteto Hugo Ferri, a produtividade no trabalho está ligada ao bem-estar dos funcionários, e a arquitetura tem papel importante nisso.
“O tamanho das janelas, a presença de jardins, o tipo de iluminação, a textura e cores dos revestimentos e a luz solar são capazes de impactar a qualidade de vida e o tempo no trabalho”, pontua.
De elementos da fachada do edifício à inclusão de plantas nos escritórios, os green buildings devem assumir um posto de protagonista neste novo momento dos prédios corporativos.
“Nota-se uma transformação no aproveitamento dos terrenos, com a integração entre arquitetura corporativa e áreas verdes”, aponta Paula Casarini, CEO da consultoria imobiliária Colliers.
Casarini observa que os edifícios corporativos modernos passaram a buscar conforto, eficiência energética e menor impacto ambiental. Esta perspectiva se reflete na busca dos edifícios por selos ambientais e de sustentabilidade, como o LEED, certificação ambiental mais reconhecida no mundo, e o Carbon Zero, que indica que um prédio neutraliza as emissões de carbono.
Fernando Vidal, líder da área de interiores corporativos da Perkins&Will, corrobora esta perspectiva. “Espaços verdes, jardins verticais e a incorporação de materiais naturais estão sendo cada vez mais valorizados por seus reflexos positivos para a saúde e o bem-estar das pessoas”, comenta.
Mobilidade urbana
Não adianta, porém, encher os escritórios de plantas se a maior queixa dos trabalhadores em relação à volta ao trabalho presencial não for resolvida. São horas perdidas em congestionamentos, transporte público lotado e rotas desconfortáveis.
Uma das soluções defendidas por Luiz Felipe Aflalo Herman, sócio-diretor do escritório aflalo/gasperini arquitetos, é a centralização dos prédios corporativos.
“Os polos empresariais de São Paulo saíram do Centro para a Avenida Paulista, seguida pela Faria Lima, Juscelino Kubitschek e, mais recentemente, pelo eixo da Berrini e da Marginal Pinheiros. Enquanto o centro da cidade e a Paulista possuem amplas opções de transporte público, como metrô, trem, ciclovias e corredores de ônibus, as áreas mais recentes ainda enfrentam desafios”, contextualiza.
Ele critica que a Marginal Pinheiros, por exemplo, conta com a linha de trem, mas não possui a mesma diversidade de transporte das outras centralidades. “Essa descentralização gerou impactos na mobilidade urbana, aumentando os deslocamentos diários e a pressão sobre o trânsito”, indica Herman. Para ele, a revitalização e reocupação das regiões centrais representam avanços importantes.
Complexos empresariais
A busca por centralidades não deve ser prioritária apenas do ponto de vista geográfico. No lugar de prédios comerciais, especialistas antecipam o desenvolvimento de cada vez mais super complexos empresariais que vão ofertar aos trabalhadores uma infinidade de serviços incluindo lavanderias, farmácia, restaurantes, academias e spas.
“Desta forma, o funcionário vai conseguir fazer tudo ali, sem precisar pegar um carro e percorrer longas distâncias”, sugere Giuliano, da CBRE. Um representante desta tendência é o E-business Park, um complexo corporativo, localizado na zona oeste de São Paulo, que possui área de alimentação com restaurantes e uma praça de serviços com bancos, farmácias e lotéricas.
Novas tecnologias
Se o mercado de trabalho já precisou se adaptar às inovações impulsionadas por novas tecnologias, os escritórios não ficarão muito atrás. “A incorporação de inteligência artificial, da internet das coisas e de espaços verdes autossustentáveis cria um ambiente mais eficiente e alinhado às novas exigências corporativas”, defende Casarini, da Colliers.
Assim como ela, a expectativa de Herman, da aflalo/gasperini, é que a tecnologia direcione a arquitetura dos empreendimentos.
“Os edifícios precisam estar adaptados para receber novas infraestruturas, com espaços reservados para cabeamento e conectividade. Soluções sustentáveis, como vidros fotovoltaicos, sistemas de economia de água e fachadas ventiladas, tornam-se cada vez mais comuns, visando eficiência energética e redução de custos operacionais”, exemplifica.
Espaços abertos e adaptáveis
E o uso da tecnologia também deve fomentar uma mudança no layout dos escritórios. “Com a consolidação do trabalho híbrido, o ambiente presencial precisa oferecer mais do que apenas estações de trabalho”, comenta Fernando Forte, arquiteto da FGMF Arquitetos. Neste sentido, áreas abertas, rooftops e espaços de integração podem se tornar diferenciais.
“Ao contrário do antigo modelo baseado em baias fixas, o escritório do futuro funciona como um ponto de troca e interação, onde criatividade e colaboração ganham protagonismo. Essa mudança se fortalece com a automação e o avanço da inteligência artificial, que reduzem a necessidade de grandes áreas ocupadas exclusivamente por estações individuais”, prevê o arquiteto.
Layout coletivista
Carlos Andrigo, Senior Project Designer da Perkins&Will, entende que a forma como os escritórios são vistos vai impulsionar mudanças estruturais. “O escritório começa a ser substituído por Campus, Colab, Hub e Community Center. O ambiente de trabalho está ganhando novas configurações”, entende.
“Vale a inserção de paisagismo, massas verdes, comunicação visual sugerindo incentivos à saúde, além de estratégias de layout que forcem as pessoas a se movimentar em busca de alimentos e bebidas e serviços internos. Se isso for bem pensado, promove encontros casuais, que são, em si, o grande motivo da atração de pessoas ao espaço de trabalho coletivo”.