Com distratos de R$ 2,3 bilhões em 2016 e de R$ 6,1 bilhões no acumulado dos últimos três anos, a Cyrela defende que o cliente perca todo o valor já pago em caso de rescisão da compra de um imóvel. "O certo é o comprador perder tudo. Se perder pouco, não resolve a nossa vida", diz o fundador da Cyrela e presidente do conselho de administração, Elie Horn, de 72 anos, e há 53 na companhia.
Maior problema do setor, os cancelamentos têm forte impacto na receita, no resultado líquido e na geração de caixa. "Você casa e não tem casamento. Tem filho, mas o filho não é seu. Só gasta tempo e saúde. Vende, mas não vende", compara "seu" Elie. Na avaliação do empresário, se os distratos não forem regulamentados, "o setor vai definhar". "Esperamos regras jurídicas para voltarmos a fazer o que sabemos e a ser o que éramos no passado."
Em caso de distratos, a totalidade do valor pago pelo consumidor não pode ser retida, mas não há regras prevendo quanto o cliente deve perder. Nos últimos anos, incorporadoras têm se queixado que o ganho de causa tende a ser do consumidor quando a questão é levada à Justiça. As companhias criticam que, em função disso, a aquisição dos imóveis tornou-se uma opção de compra. "Nós trabalhamos e não temos salário. A insegurança é brutal", ressalta o empresário.
O fundador da Cyrela questiona como o governo poderá pagar a despesa prevista para este ano de R$ 1,3 trilhão se os brasileiros tiverem a "opção" de pagar impostos. "Vou sugerir o imposto opcional", afirma. Para o empresário, dono da maior incorporadora brasileira, à medida que menos negócios são realizados no país o desemprego cresce, e o governo perde arrecadação.
No entendimento de Horn, o governo está "muito bem representado", mas falta conhecimento sobre o setor para tomar uma decisão em relação aos distratos. O fundador da Cyrela considera que a economia brasileira já passou pelo pior momento, com a queda da taxa de juros e "mudança no ânimo", mas avalia que a retomada do setor imobiliário só ocorrerá quando os distratos forem regulamentados.
"Sou otimista. As medidas tomadas pelo governo são corretas, o que falta é resolver a questão [dos distratos]", afirma.
Ainda não há acordo entre representantes do setor e órgãos de defesa do consumidor, depois de reuniões em Brasília, sobre qual deve ser a base de cobrança da multa quando ocorre rescisão de venda. "Se não se chegar a um acordo, está decretado o fim do setor imobiliário", diz o empresário, que defende que as regras sejam definidas nos próximos 30 dias.
"Seu" Elie afirma que a Cyrela só resiste, neste cenário de distratos elevados, porque tem musculatura, se preparou "para o pior" e não tem dívida elevada. "No fluxo de caixa considerado, nossa previsão de vendas é zero", afirma. O planejamento não considerava, porém, que o patamar alcançado pelas rescisões de vendas seria tão elevado. No ano passado, os distratos da Cyrela corresponderam a 45% das vendas brutas.
Neste cenário, a Cyrela estima lançamentos próximos aos do ano passado, com possibilidade de pequena variação para cima ou para baixo. Em 2016, seus lançamentos totais somaram R$ 2,94 bilhões. Considerando-se somente a parcela da incorporadora nos projetos, o Valor Geral de Vendas (VGV) lançado foi de R$ 2,2 bilhões. É esperada expansão para 2018 se a questão dos distratos for equacionada.
Relatório do banco BTG Pactual citado pela Cyrela compara que apenas o Brasil, de um grupo de países que abrange México, Argentina, Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, França, Itália, Espanha, Portugal e Austrália, não prevê perda do total já pago pelos compradores quando ocorre rescisão da compra.
O BTG cita que o Brasil está milhas atrás de outras nações quando à regulação dos distratos. Em alguns países, segundo o banco, pode haver penalidades adicionais, como a possibilidade de o cliente ser processado e forçado a comprar a unidade, caso do México, da Argentina, dos Estados Unidos, da França, Itália e Espanha.
A Abrainc, que uma associação das incorporadoras Imobiliárias brasileiras, da qual o diretor jurídico da Cyrela, Cláudio Carvalho, é vice-presidente, defende que as empresas fiquem com as fatias de 10% nos empreendimentos do Minha Casa, Minha Vida, de 14% nos imóveis com preço acima dos valores do programa até o teto do financiamento com recursos de poupança, e de 16% nas unidades com preço superior. Outra possibilidade apresentada pela Abrainc, segundo Carvalho, é a retenção de, respectivamente, 10%, 12% e 14%, nos três segmentos, fora a comissão.
Segundo o diretor jurídico da Cyrela, 70% das rescisões são feitas por "especuladores" que decidem rescindir a compra ao saber que unidades de prédios próximos estão sendo vendidas com descontos. Quem cancela a aquisição por perda ou desenquadramento de renda é minoria, segundo ele. "Os contratos têm de ser honrados. Não quero vender para quem quer distratar", diz Carvalho.
A Cyrela tenta evitar distratos por meio da oferta ao cliente de unidades mais baratas, da renegociação e de reparcelamento, de acordo com o fundador. "Em mais de 50 anos de mercado, nunca deixei de renegociar com compradores", diz o empresário.
O diretor jurídico ressalta que o aumento da restrição dos bancos, nos últimos anos, na concessão de crédito imobiliário também resulta dos distratos. "A liberação dos financiamentos é proporcional às vendas", acrescenta Horn. Carvalho afirma que os distratos são o assunto mais importante da história do mercado imobiliário e diz que os órgãos de defesa do consumidor não conhecem a realidade do setor.
Questionado sobre o que fará se o problema dos distratos não for equacionado, o dono da Cyrela respondeu que irá "chorar, tirar mais férias e trabalhar menos".