Bancos e incorporadoras discutem um modelo alternativo para que a liberação de recursos de financiamento habitacional seja mantida durante a crise do coronavírus mesmo se os cartórios não tiverem atendimento presencial. Quando um imóvel é vendido, o repasse do crédito só é feito para o cliente depois que o registro da transação é feito em um cartório. A proposta agora é que os bancos possam apresentar uma versão em PDF dos contratos para que eles sejam protocolados de forma eletrônica pelos cartórios, apurou o Valor.
Um primeiro passo foi dado no domingo, quando a Corregedoria Nacional de Justiça emitiu provimento dizendo que os cartórios terão de funcionar em regime de plantão ou oferecer atendimento à distância. A expectativa é que prevaleça o funcionamento virtual e, nesse caso, o caminho alternativo para liberação dos recursos será acionado.
A proposta que vem sendo discutida pela Abecip (associação das instituições financeiras que atuam no crédito imobiliário) com empresas do setor e pela Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo (Arisp) prevê que, a partir da documentação eletrônica, seja repassada parte dos recursos relativa a uma transação. O registro físico tem de ser apresentado em 90 dias para que o restante seja liberado - esse é o prazo estimado para que a situação se normalize, segundo um diretor de um banco.
De acordo com esse interlocutor, o objetivo é manter as operações em andamento, contribuindo com o funcionamento do setor imobiliário, que vinha se recuperando de sua crise mais grave. Em janeiro, os financiamentos com recursos da poupança para aquisição e construção de imóveis somaram R$ 7,27 bilhões, o melhor resultado para o mês desde 2016. Houve crescimento de 42,7% em relação ao mesmo período do ano passado, de acordo com informações da Abecip. Os dados de fevereiro ainda não foram divulgados.
Procurada pelo Valor, a Abecip não comentou a proposta de mudança na liberação de recursos.
Segundo o presidente da Arisp, Flaviano Galhardo, é possível que, a partir do fim da tarde de hoje, a primeira versão de programa para digitalização de contratos pelos bancos para envio aos cartórios e de devolução dos documentos para as instituições financeiras esteja disponível no Estado de São Paulo. “Estamos construindo uma esteira eletrônica para envio direto dos contratos de financiamento dos bancos para os cartórios pela central eletrônica de registro de imóveis”, afirma. Ele diz que o modelo pode ser seguido em outros estados.
Há intenção, de acordo com o presidente da Arisp, que haja uma plataforma digital entre os registradores de imóveis e toda a cadeia produtiva imobiliária.
Com o provimento publicado no domingo, os prazos para registros imobiliários pelos cartórios foram suspensos, segundo Galhardo. Mas, segundo o vice-presidente de incorporação imobiliária do Secovi-SP, Emilio Kallas, o setor vai solicitar ao presidente da Arisp que o registro aos mutuários seja liberado em, no máximo, três dias.
O risco de atrasos dos repasses dos recebíveis dos clientes para os bancos é uma das preocupações de incorporadoras neste momento de pandemia do coronavírus. Em um ambiente de muitas incertezas e em que as vendas de imóveis já apresentam retração, a maior parte das empresas optou por colocar o pé no freio das aquisições de terrenos na capital paulista, maior mercado imobiliário do país.
Lançamentos saíram do radar das incorporadoras, no curto prazo, tanto pela falta de clareza das dimensões da desaceleração econômica quanto pela freada da Prefeitura de São Paulo na concessão de licenças. Empresas estão apostando no reforço de suas equipes online para tentar compensar parte da comercialização que deixará de ser realizada com a crise.