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23/03/2016

Construção chega ao fundo do poço com paralisação de obras

O grande número de demissões nos canteiros de obras e forte queda nas vendas de imóveis residenciais sinalizavam que 2015 seria o pior ano para a construção nas últimas duas décadas. No entanto, com o avanço da crise enevoando o futuro do País, a perspectiva agora é que o setor atinja o fundo do poço em 2016.

Paula Cristina 

O grande número de demissões nos canteiros de obras e forte queda nas vendas de imóveis residenciais sinalizavam que 2015 seria o pior ano para a construção nas últimas duas décadas. No entanto, com o avanço da crise enevoando o futuro do País, a perspectiva agora é que o setor atinja o fundo do poço em 2016.

"No final das contas, apesar da retração do mercado residencial, os investimentos públicos na Olimpíada e obras viárias conseguiram manter os aportes em construção em uma crescente", resumiu o diretor-geral da construtora carioca HTD, Flávio Mascarenhas. O executivo, que abocanhou no último ano quatro contratos com o governo do Estado do Rio de Janeiro, revela que o fundo do poço não foi ano passado, não para ele. "Conseguimos crescer quase 15% ano passado em faturamento, em conta de contratos temporários para obras adjacentes à Olimpíada", resumiu.

A posição do empresário tem embasamento: segundo um estudo da consultoria ITC, revelado com exclusividade ao DCI, os aportes em canteiros de obras ano passado subiu 6,7%, indo a US$ 519,34 bilhões.

O montante foi puxado pelas obras comerciais - entre elas obras de infraestrutura - que apresentaram um avanço de 13,3%, contabilizando US$ 325,60 bilhões de janeiro a dezembro do ano passado.

O destaque no período foi a construção de obras públicas, como reforma de estradas, e aportes privados em rodovias concedidas a empresas, que movimentaram US$ 233,16 bilhões, ou 71% de todo o investimento no setor.

"O que vamos ver este ano é uma redução brusca nas obras comerciais. Primeiro porque o governo não deve realizar licitações públicas que tragam investimento imediato, segundo porque as obras da Olimpíada já estão em fase final", afirmou o consultor da Plus Strategy, Rafael Andrade Mendes.

Pedra no sapato - Para o construtor Ângelo Ramos, fundador da Ramos Participações, a atual condução política e econômica do País deverá postergar qualquer chance de retomada do mercado residencial. "É preciso que haja uma condução mais severa da gestão econômica para que tenhamos segurança dos caminhos do País", cravou. Ano passado, a construtora lançou dois empreendimentos na região de Hortolândia, no interior de São Paulo, e os estoques remanescentes serão vendidos este ano. "Não ouso pegar dinheiro emprestado com banco agora. Primeiro porque não vende [os imóveis], segundo porque os juros são absurdos", resumiu.

Do pequeno ao grande construtor residencial, a palavra de ordem tem sido cautela. Segundo o diretor de estratégia e de relação com investidores da construtora Even, Vinicius Mastrorosa, o foco da empresa é avaliar os ativos e pensar antes de realizar lançamentos.

"O volume de lançamentos do ano dependerá diretamente da nossa curva de vendas de remanescentes [principalmente de prontos e entregas deste ano] e da performance dos empreendimentos previamente lançados no ano", destaca, comentando que não há expectativa de lançar nenhum empreendimento em São Paulo e no Rio de Janeiro no primeiro trimestre do ano.

Residencial fraco - Ano passado, segundo o levantamento da consultoria ITC, as obras residenciais receberam aportes de US$ 39,42 bilhões, retração de 19,6% na comparação com os US$ 49,06 bilhões verificados em 2014. Ao todo foram 5,2 mil canteiros de obras pelo País, sendo que US$ 36 bilhões foram empregados à condomínios residenciais e US$ 2,7 bilhões para condomínios de casas. "O setor somou mais de 66,2 milhões de metros quadrados construídos", detalhava o estudo da consultoria.

Este ano a perspectiva continua ruim. Segundo dados da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), que reúne as maiores empresas deste ramo, o mercado imobiliário brasileiro lançou 1,3 mil unidades entre novembro de 2015 e janeiro deste ano, o que representa um recuo de 14,8% na comparação anual.

As vendas somaram 24.293 unidades, uma forte queda de 16,6% sobre um ano antes . Esse patamar representa também diminuição de 21,8% frente ao que foi vendido no mesmo período de 2015.

Entre novembro de 2015 e janeiro 2016 foram entregues 27.869 unidades, recuo de 39,2% frente ao número de unidades entregues no mesmo período do ano anterior. No que se refere ao acumulado do mês de janeiro, as entregas somaram 7.366 unidades e tiveram recuo de 25,2% ao observado na mesma base de 2015.

Para o vice-presidente executivo da Associação, Renato Ventura, o acréscimo no número de unidades lançadas se concentra mais no segmento de moradias de baixa renda. "Ainda assim, todo o estudo mostra um cenário em que a instabilidade política tem atrapalhado muito o País, e como consequência, o mercado imobiliário, que necessita da confiança das pessoas na economia para tomar a decisão de compra", afirma ele.

Outra questão levantada são os distratos no segmento. Em janeiro, o total de unidades com contratos rompidos foi 26% menor que o visto em janeiro de 2014, somando 2,8 mil unidades. Apesar da queda, Ventura explica, que ela se dá em função da forte queda no número de imóveis vendidos. Assim, se considerados os distratos como proporção das vendas por safra de lançamento, a taxa de distratos das unidades vendidas no primeiro trimestre de 2014 apresenta o índice mais elevado da série histórica: 15,7%.

Entre novembro de 2015 e janeiro deste ano, foram distratadas 11.854 unidades, aumento de 6,9% frente ao número absoluto de distratos no mesmo trimestre do ano anterior.

Industrial - No segmento industrial, o avanço dos aportes em canteiros de obras foi de 2,7% em 2015, somando US$ 154,32 bilhões. Em 2015, a cifra foi de US$ 150,17 bilhões. Para este ano, a perspectiva é que haja uma estabilidade, já que o movimento de aportes em novas fábricas deve perder força com a baixa produção dos pátios.

"No entanto, pode haver a chegada de concorrentes estrangeiros, que podem aproveitar o baixo custo para investimento no Brasil [em função da desvalorização cambial]", afirma Mendes, da Plus Strategy.

Em 2015, o destaque dos investimentos foram as obras de energia, que somaram US$ 40 bilhões, seguido pelo setor de ferrosos e não ferrosos que receberam empenhos de US$ 36,4 bilhões. "O segmento industrial avaliou 1,4 mil obras, sendo que as de energia somaram 538 inserções, seguida por saneamento básico, com 257 e consumo com 164", dizia o relatório do ITC.

Desafios - Para o presidente do SindusCon-SP, José Romeu Ferraz Neto, em 2015 o setor enfrentou grandes problemas, mas 2016 tende a ser ainda mais desafiador. Os resultados do PIB e as perspectivas de mercado não sugerem nenhum indício de recuperação no horizonte visível, indicando que a recessão atual ainda não encontrou seu "fundo do poço", pontua.

Para este ano, a entidade estima que o PIB da construção recue 5%, apesar do leve acrescimento no resultado verificado no último trimestre de 2015.

Apesar de registrar pequeno crescimento no último trimestre do ano (0,4%), o setor da construção fechou com queda de 7,6%, a segunda maior desde 2003 quando a retração setorial alcançou 8,9%. "Na comparação com outras atividades, a retração anual da construção só não foi superior à redução da indústria de transformação [-9,7%] e do comércio [-8,9%]", resume o executivo. Na comparação com o último trimestre de 2014, o PIB da construção teve redução de 5,2%.

FONTE: DCI - SãO PAULO/SP