Um dos principais setores da economia, a construção civil é responsável por movimentar cerca de 7% do Produto Interno Bruto (PIB), desde a indústria, passando pelo comércio, até os projetos em si. Em uma área de tamanha relevância, o fator inovação deixa de ser diferencial para ser fundamental na disputa pelo mercado. Entre os maiores desafios estão melhorar o aproveitamento dos materiais e evitar o desperdício nos canteiros de obras. Aspectos que estão no centro da estratégia de Dexco, Ciser, Saint-Gobain, Tigre e Votorantim Cimentos, as cinco empresas mais inovadoras na categoria de materiais de construção, de acordo com o ranking Valor Inovação Brasil.
A projeção de crescimento do setor para o ano de 2024 é de 3%, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção (Abramat), que constatou alta de 1,2% no faturamento até maio deste ano. Para o presidente da entidade, Rodrigo Navarro, a expectativa é sustentada pela retomada de obras em infraestrutura, além de políticas públicas de moradia.
A Dexco (antiga Duratex), eleita a terceira empresa mais inovadora do país e a primeira do setor de materiais de construção, trata a inovação como pilar de sua cultura organizacional. A fabricante de painéis de madeira, louças sanitárias e revestimentos cerâmicos incentiva os seus 12 mil colaboradores a participar de programas de inovação, além de trabalhar com parceiros externos, como startups.
A estratégia é adotada também pela Ciser, de Joinville (SC), maior fabricante de fixadores da América Latina, como parafusos, rebites, arruelas e chumbadores. Além das iniciativas internas, a empresa se integrou ao ecossistema de inovação da região para buscar soluções externas aos seus desafios. De acordo com o head de inovação, Aluísio Goulart, nos últimos quatro anos, o investimento em pesquisa e desenvolvimento cresceu e foi criado um hub com 20 startups, universidades e instituições de fomento.
“Destinamos 2% da receita para inovação”, afirma Goulart, citando programas para os mais de dois mil funcionários. “Mas como fazemos para inovar na fabricação de fixadores?”, foi a pergunta que o executivo se fez ao ser convidado para liderar o setor da Ciser, há quatro anos. Pensando nisso, foram criados cinco programas abertos. Do Desafix, que já acelerou 20 startups, trabalhando em conjunto com o departamento interno, resultou o Nanotec K. Trata-se de um revestimento desenvolvido a partir de uma combinação de nanopartículas que evita a corrosão por chuva ácida e a ferrugem de parafusos e fixadores externos, em um único produto, que será lançado em agosto.
“Geralmente o mercado entrega uma ou outra [proteção], o nosso produto entrega as duas. É uma espécie de verniz ultrafino que, além de proteger, tem um aspecto estético muito bom”, aponta. Segundo ele, a durabilidade de um fixador com Nanotec K é 45 vezes maior do que a de um fixador sem nenhum revestimento.
Entre outros programas, além do Desafix, está o Café com Inovação, no qual todas as áreas são convidadas a conversar com o setor de inovação para apontar seus desafios. O HackaCiser é um hackaton também criado para solucionar problemas internos. “O café indica as dores e o HackaCiser busca soluções”, diz Goulart.
Outra iniciativa é o painel com corporates, em que a Ciser convida outras empresas para discutir problemas comuns e trocar ideias. “Já recebemos praticamente todas da região, como a WEG, Tupy, Tigre e Whirpool”, conta. “A ideia é a troca de experiência e aprendizado. Já encontramos muitas sinergias, fizemos parcerias. Quando se fala em inovação, é um valor diferente, não é uma disputa comercial pelo melhor preço, então as portas estão mais abertas”, completa Goulart.
Estabelecida para fabricar os vidros e espelhos do Palácio de Versailles, nos arredores de Paris, em 1665, pelo rei Luís XIV, a Saint-Gobain, terceira empresa mais inovadora do setor em 2024, está há quase cem anos no Brasil e tem mais de 200 mil colaboradores em todo o mundo. A companhia mira o equilíbrio em carbono até 2050, e trabalha com essa meta nas mais de mil fábricas ao redor do mundo.
O CEO para a América Latina, Javier Gimeno, diz que a inovação é a base da longevidade da companhia. “A empresa já se reinventou mais de 20 vezes em sua história.” O Brasil representa uma fatia muito relevante na companhia, sendo aqui o centro de inovação para a América Latina e um dos seis centros de P&D ao redor do mundo.
Segundo Gimeno, o investimento anual em inovação passa dos US$ 600 milhões. “A inovação tem toda uma questão romântica, mas ela também é muito pragmática, pois é uma ferramenta para se atingir a rentabilidade.”
Recentemente a companhia apresentou um novo tipo de vidro eletrocromático. “O consumidor tem uma grande vantagem com esses vidros, pois eles promovem maior conforto acústico e térmico, ou seja, precisa de menos calefação no frio e menos ar condicionado no calor, gerando economia de energia e menos emissões”, explica Gimeno.
A Saint-Gobain trabalha mais com inovação aberta, em parceria com startups e até mesmo com clientes e fornecedores. A companhia também tem um fundo de venture capital para identificar empresas novatas que possam contribuir com soluções e novos produtos. “Estamos trabalhando com mais de 60 startups no Brasil, procurando oportunidades, investindo e acompanhando seu crescimento”, afirma o executivo.
De olho na construção e no saneamento, a Tigre, líder em tubos e conexões, além de pioneira no uso do PVC em construções, também fomenta a inovação na companhia com programas internos e abertos. Luis Filipe Fonseca, diretor-executivo de negócios no Brasil, conta que a companhia investiu 1% de seu faturamento na área de inovação nos últimos anos, com ganhos recentes em aumento de capacidade e novas tecnologias.
Entre as iniciativas, ele menciona o Tigre Max, com a tecnologia do PVC orientado, que permite fabricar tubos utilizando menos matéria-prima. “É um produto mais leve, que aguenta pressões mais altas em redes pressurizadas e tem uma melhor performance, as moléculas do PVC são orientadas para ter esse tipo de resistência e melhorar a performance do produto”, diz Fonseca.
Efluentes (TAE). A tecnologia TAE entrega unidades de tratamento de esgoto compactas onde a rede convencional não chega. Segundo a companhia, o custo de ligação é até 60% menor que o da rede convencional, tem baixo consumo de energia, não produz lodo e possibilita o tratamento de biomassa para ser utilizada na geração de energia.
Quinta colocada no ranking de inovação do setor de materiais de construção em 2024, a Votorantim Cimentos é a sétima maior fabricante de cimentos do mundo e vem avançando para ganhar mercado em outros produtos, além do seu negócio principal. Marcio Yamachira, diretor global de planejamento e inovação, afirma que a companhia divide a estratégia de inovação em três grandes frentes: competitividade, descarbonização e crescimento.
Na competitividade, a empresa trabalha para ter uma logística mais eficiente — para se ter uma ideia, gasta anualmente mais de R$ 2 bilhões com transporte das fábricas para distribuidores e clientes —, P&D e integração digital. Na segunda frente, de descarbonização, foi criada a Verdera, para gerir resíduos do processo de fabricação de cimento, que vem substituindo gradualmente os combustíveis fósseis nos fornos por biomassa. “Estamos com um piloto de captura de carbono para testar a tecnologia”, diz Yamachira.
Na frente de crescimento, em 2020 foi criada a Motz, aplicativo que liga motoristas de caminhão a quem quer contratar o transporte. “É uma espécie de Uber desse serviço, que, além da Votorantim Cimentos, atende outras empresas”, afirma Yamachira. A plataforma já supera R$ 1 bilhão em receitas. Também foi criada a Viter, empresa que produz insumos agrícolas a partir do calcário utilizado na fabricação de cimento. “Uma parte dele não serve na produção, mas pode ser utilizada para correção de solo, especialmente o brasileiro, que é mais ácido. Então nós vendemos para o setor do agronegócio, que também ganha em produtividade”, explica.
A Votorantim Cimentos não divulga o valor total investido em inovação, mas Yamachira afirma que foram aplicados mais de R$ 500 milhões no desenvolvimento de produtos, além do cimento, fora os gastos na digitalização da companhia e outras frentes. Para os próximos cinco anos, a companhia vai investir R$ 5 bilhões no Brasil, desde a modernização de fábricas, descarbonização e também em inovação. “Há cinco anos, os negócios ‘ex-cimentos’ representavam 10% do faturamento, hoje já são 20%. Isso é fruto da inovação.”
Nas parcerias, a companhia investe em startups, como a Juntos Somos Mais, em sociedade com a Tigre e Gerdau, que nasceu como um programa de fidelidade de material de construção e tem avançado como um marketplace. Outro exemplo é a 333obra, um marketplace para o consumidor final, que está em estágio inicial e em testes em algumas regiões.