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31/10/2023

Construção civil: concreto agora é biorreceptivo

Do projeto à execução, inovações tecnológicas combinadas a novos materiais produzem obras sustentáveis e mais eficientes

Por Vladimir Goitia

Tecnologia BIM (Building Information Modeling), realidade virtual, gestão de projetos e drones, por um lado, e materiais como hidrocerâmica, concreto biorreceptivo, madeira transparente, grafeno, bioconcreto, espuma de alumínio e telhas solares, por outro, vêm conseguindo uma transformação sem precedentes na construção civil, na avaliação de representantes do setor.

Apontada como importante atividade econômica, além de ser grande empregadora, a construção civil é também um dos setores que mais consomem recursos naturais (30%) e energia (40%). Também contribui com 30% das emissões de gases de efeito estufa no mundo, segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).

Nesse cenário um tanto preocupante, o desenvolvimento de tecnologias e a adoção de materiais de baixo impacto ambiental estão permitindo à indústria da construção melhorar seus impactos em relação ao meio ambiente e reduzir custos e tempo, além de apresentar obras cada vez mais sustentáveis e eficientes.

A Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic) diz que investir em inovação, em tecnologia e em novos materiais é uma estratégia inteligente, sustentável e importante para agregar valor aos projetos, reduzir custos operacionais e garantir vantagens competitivas. “Há um maior comprometimento da indústria da construção com a agenda ambiental”, aponta Renato Correia, presidente da Cbic.

Para ele, a adoção das práticas ESG (ambientais, sociais e de governança) é um caminho sem volta. “O setor aposta na eficiência energética dos empreendimentos, incentiva construções verdes e o uso sustentável de materiais, de energia e de água, além da gestão de resíduos para garantir canteiros de obras mais limpos e eficientes”, explica.

Correia diz que o setor está voltado para a descarbonização e, por isso, tem buscado ferramentas de medição da emissão de gases de efeito estufa. “Hoje, contamos com uma calculadora de consumo energético e emissões de carbono, o CECarbon, conduzida pelo SindusCon-SP, entidade associada à Cbic. O recurso permite mensurar o impacto desses indicadores e a forma de reduzi-los.”

Já a indústria brasileira de materiais de construção, segundo Laura Marcellini, diretora técnica da Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção (Abramat), vem inovando continuamente para reduzir impactos ambientais de seus processos produtivos, com medidas como a implantação de sistemas de reúso de água, substituição de fontes de energia por outras renováveis e otimização do consumo de água e energia, entre outras.

“As empresas têm divulgado metas e ações individuais e setoriais voltadas à redução das emissões de gases de efeito estufa e objetivos de neutralidade de carbono, com destaque nos segmentos de cimento e aço”, acrescenta Marcellini. Ela destaca também elementos inovadores em vedações, revestimentos, esquadrias, vidros e coberturas com comportamento térmico mais eficiente que diminuem o consumo de energia, seja para resfriar ou aquecer ambientes.

“Se compararmos as soluções em produtos que temos hoje com as que tínhamos dez anos atrás, fica nítida a evolução da oferta no que diz respeito à incorporação de [alta] tecnologia e sustentabilidade”, afirma a executiva da Abramat.

A Plaenge, construtora voltada para obras de alto padrão e maior valor agregado, informa que adotou em grande escala a tecnologia BIM em sua forma mais avançada (BIM 5D), que inclui modelagem, planejamento e controle de custos de todos os seus empreendimentos. “Nosso propósito é ampliar eficiência, reduzir o desperdício e mudar a percepção do nosso segmento, que é visto como consumidor de recursos naturais”, diz Marcelo Resquetti, diretor da empresa.

O investimento anual da Plaenge em inovação é de pouco mais de R$ 44 milhões, além de parcerias estratégicas como a estabelecida com a Porsche Consulting para otimizar seus processos comerciais e a personalização. Iniciativas como a lean construction (reduz desperdícios e aumenta a produtividade das obras) e o uso de inteligência artificial (IA) para impulsionar a eficiência e sustentabilidade também foram adotadas.

Resquetti destaca os resultados significativos obtidos, como a cadeia de suprimentos integrada digitalmente, permitindo aos principais fornecedores acompanhar a data exata de entrega de insumos em seus mais de 70 canteiros em execução. Se uma obra antecipa seu cronograma em 15 dias, o fornecedor de piso cerâmico, de elevador ou de aço reprograma sua entrega automaticamente, já que consegue acompanhar esse processo digitalmente.

“Essa operação em escala resulta em redução de estoque, produtividade com mais espaço e organização no canteiro, além de maior assertividade no investimento em suprimentos”, afirma o diretor da Plaenge.

O BIM também foi adotado pela MRV&CO, que, na avaliação de Reinaldo Sima, diretor de tecnologia da informação e de inovação da empresa, exerce papel central para criação de produtos com mais qualidade, menor custo e melhor experiência para os clientes. Segundo ele, a inovação na execução de obras da companhia ocorre tanto no âmbito dos processos, com a adoção do método lean construccion, quanto na digitalização das ordens de produção e qualidade.

“Hoje, possuímos diferentes produtos digitais para cada etapa de execução, o que garante integração, qualidade e produtividade. E estamos caminhando rapidamente para ter uma jornada de produção totalmente digital, com características de processos e gestão que se assemelham muito aos de uma indústria”, afirma.

Sobre os processos construtivos da MRV&CO, Sima explica que a empresa aplica a tecnologia de parede de concreto, que trouxe inovação ao canteiro e aumento de produtividade. Ele destaca ainda a inovação com os kits pré-montados para as obras, a estratégia de modularização e, mais recentemente, o movimento, do off-site (fora do canteiro de obra).

“O portfólio de inovação, por ser priorizado pelos vetores estratégicos da companhia, tem impacto direto na geração de resultado de negócio nos indicadores-chave de mercado. Neste ano essas iniciativas trouxeram recuperação no volume de vendas, recuperação da margem bruta de novas vendas e a geração de caixa”, afirma Sima, sem citar números.

FONTE: VALOR ECONôMICO