Na quinta-feira (23), a prefeitura de São Paulo anunciou, enfim, quais são as 38,9 mil unidades habitacionais que o programa Pode Entrar vai comprar, por um total de R$ 6 bilhões. O tema mobilizou analistas e executivos de incorporadoras de baixa renda na temporada de balanços do quarto trimestre, que termina nesta semana.
Somadas, as quatro incorporadoras de capital aberto que se inscreveram vão vender 15 mil apartamentos. O teto para cada um era de R$ 210 mil.
A Plano&Plano teve pouco mais de 7 mil unidades aprovadas pela prefeitura, por R$ 1,33 bilhão. Em seguida veio a MRV, com quase 6,3 mil unidades selecionadas, a um custo de R$ 1,13 bilhão. A Direcional conquistou 1,6 mil unidades, por R$ 341 milhões. Já a Tenda obteve apenas 871 unidades, por R$ 181 milhões. A companhia havia oferecido 7,5 mil moradias.
Em teleconferência com analistas no último dia 10, o presidente da incorporadora, Rodrigo Osmo, havia dito que análises internas da companhia sobre o programa trabalhavam com a hipótese de levar 40% das unidades, o que resultaria em um valor geral de venda (VGV) de R$ 600 milhões.
Diferentemente do Minha Casa, Minha Vida, o programa vai usar conta caucionada para pagamentos
“A expectativa para a Tenda estava gigantesca, então acabou sendo frustrante”, diz Ygor Altero, analista- chefe de real estate da XP.
Além da certeza da venda de muitas unidades, sem custos com corretagem e marketing, chamou a atenção das incorporadoras que participaram do edital do programa o fato do valor do empreendimento ir para uma conta caucionada, o que não ocorre no federal Minha Casa, Minha Vida.
“O Pode Entrar conseguiu blindar as principais inseguranças que existem em programas desse tipo, onde pagamentos são feitos com recursos dos orçamentos”, disse Ricardo Gontijo, presidente da Direcional, também em teleconferência com analistas para falar do balanço do quarto trimestre.
O programa vai liberar 15% do valor do projeto para o início da construção e o restante será pago conforme o andamento da obra.
Há, no entanto, dúvida sobre quando o valor depositado na conta poderá ser reconhecido pelas companhias. “As empresas mais alavancadas estão na briga para reconhecer tudo como caixa, mas há empresas mais conservadoras que estão com a ideia de reconhecer só os 15%, e o restante conforme a obra evolui”, afirma Altero.
Tenda e MRV, que estão com alavancagem maior, possuíam o primeiro entendimento. “Se existe ideia de que o dinheiro vai entrar todo de uma vez e salvar o endividamento de alguém, não é isso”, ponderou João Hopp, diretor-financeiro da Plano&Plano, em teleconferência sobre o último balanço da companhia.
Sua empresa foi a que obteve a melhor reação do mercado após o anúncio da distribuição dos projetos. As ações da Plano subiram 5,86% na quinta-feira. A empresa superou estimativas dos analistas. O resultado foi 126% maior do que o esperado pela XP, por exemplo.
A MRV também superou as expectativas - na XP, em 161% - mas não viu o mesmo benefício nas ações, que recuaram 6,8% no dia do anúncio.
Para Altero, o motivo é a apreensão com a proximidade da prévia operacional do primeiro trimestre. “Muita gente está com medo do que vai ser, principalmente na dinâmica de caixa”, diz. A MRV teve queima de R$ 535 milhões no quarto trimestre.
A Tenda recorreu da seleção da prefeitura. No “Diário Oficial” do município, do dia 23, é citado que projetos da empresa não se enquadravam nas distâncias exigidas pelo programa.
Não foi, porém, a única companhia a ter problemas com isso. A prefeitura selecionou quase 39 mil unidades, mas recebeu 104 mil inscrições. “As incorporadoras enquadraram na categoria A, de eixo estruturado, projetos que estavam na categoria B, de fora do eixo”, afirma o secretário municipal de habitação, João Farias. “Como as tabelas de preços das categorias são diferentes, é o tipo de erro que não dá para ser sanado”.
A prefeitura já anunciou que fará um segundo chamamento, para mais 20 mil unidades. “É para que empresas possam voltar a apresentar suas propostas da forma correta”, explica Farias.
Com essa segunda etapa, o orçamento do programa deve chegar a R$ 10 bilhões. A secretaria tem a expectativa de que essas quase 60 mil unidades zerem a fila do auxílio-aluguel municipal, que, segundo Farias, consome R$ 110 milhões ao ano. Também espera entregar a maior parte das moradias ainda na gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB), até o fim de 2024.
Altero ressalta que o programa não é livre de riscos. “A instituição financeira que vai operar tem que ser a Caixa, porque a Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (Cohab) não tem capacidade para a execução de 40 mil unidades”, diz.
Preocupação similar tem o urbanista Nabil Bonduki, relator do último Plano Diretor da cidade. “É um número grande de unidades, a Cohab vai ter capacidade de fiscalizar e acompanhar?”, questiona. Ele diz ser importante que a prefeitura faça habitação, mas que é preciso cuidado com a qualidade dos projetos e a vida dos moradores após a entrega. “A população que ganha auxílio-aluguel é muito pobre, vai ter condições de pagar condomínio de prédio com elevador?”
A dúvida sobre a capacidade de operação do projeto foi um dos motivos para outra grande incorporadora, a Cury, ficar de fora do primeiro chamamento. “É um programa municipal, vamos ver se vai andar redondo e aí, em um segundo chamamento, a Cury entraria”, disse o presidente Fábio Cury, em entrevista ao Valor, na divulgação do balanço da empresa. Procurada na última sexta, a empresa afirmou que “mantém sua posição de analisar as oportunidades do programa”.