Os escritórios de arquitetura já começam a receber pedidos feitos pelas incorporadoras de mudanças em projetos residenciais, principalmente nos de médio e alto padrão. Com o fim da pandemia de covid-19, espera-se que muitas das pessoas que agora estão trabalhando no sistema de home office continuem a cumprir, de casa, sua jornada profissional, seja integral ou parcialmente. A aposta é que o longo período em casa devido ao isolamento social tem levado os moradores a ter outra relação com seus lares, demandando mais espaço, privacidade para trabalhar e, até mesmo, área verde para espairecer.
Para o arquiteto Arthur Casas, as residências se tornaram lugar de mais permanência, tendência irreversível. “As pessoas vão se deslocar menos entre a casa e o trabalho e viajar menos. A casa tende a ser um pouco maior e a ter um lugar de uns dez metros quadrados onde as pessoas consigam ficar de forma mais segregada, trabalhar com mais serenidade”, diz o fundador do Studio Arthur Casas.
José Ricardo Basiches, do Basiches Arquitetos Associados, conta que se surpreendeu ao ser solicitado a fazer mudanças em projeto de médio-alto padrão pré-aprovado na Prefeitura de São Paulo. Com o aumento do sistema de home office, foi pedida substituição de um andar de apartamentos por área comum em que as pessoas possam trabalhar. “Outra possibilidade em pauta é que cada apartamento tenha uma área para isso”, diz Basiches. Mesmo os studios, ressalta, precisam ter um espaço separado para o trabalho.
Ainda é cedo para reformular os projetos, de acordo com Casas, mas as incorporadoras querem uma “resposta para este novo momento”. Duas construtoras com quem seu escritório teve contato, após o início da pandemia, avaliam a possibilidade de aumentar o tamanho de unidades. Outra mudança que pode ocorrer é que as áreas comuns passem, segundo ele, a ser utilizadas pelos moradores, em vez de ser “elemento de marketing no folder de vendas”. A criação de horta comunitária também é vista como possibilidade.
Luiz Eduardo Oliveira, sócio-diretor do escritório LE Arquitetos, conta que recebeu a demanda de reformular um projeto de alto padrão, incluindo a possibilidade de dois espaços para home office nas unidades. Foi feito também pedido em relação a um empreendimento de médio padrão que uma área de coworking (espaços compartilhados de trabalho) substitua o salão de jogos.
Embora não haja consenso sobre as modificações a serem adotadas pelo setor, espera-se que, em empreendimentos de médio-alto e alto padrão, possa haver transformações no desenho dos apartamentos e em áreas comuns. Nos projetos para as rendas baixa e média, é provável que sejam feitas alterações apenas fora das unidades.
Na avaliação de Saulo Suassuna Fernandes Filho, fundador da startup Molegolar, que desenvolve projetos de apartamentos modulares, uma das tendências que farão parte do chamado “novo normal” será a inclusão de área para “home office” nas varandas gourmet. É possível, segundo ele, separar área de 1,5 metro quadrado por 2 metros quadrados da sacada, por uma porta, que permitirá integração com a varanda, quando aberta. Essa área seria suficiente, de acordo com o empresário, para duas pessoas trabalharem de casa.
Outra tendência, no entendimento do fundador da Molegolar, será a criação de área de higienização, nos apartamentos de médio-alto e alto padrão, em que as pessoas deixem os sapatos, antes de circular pela casa, e onde seja possível higienizar compras. Com a disseminação do coronavírus, muitos brasileiros adquiriram o hábito de separar os calçados e higienizar os produtos levados para casa. Em empreendimentos destinados às rendas média e baixa, poderá ser criado, de acordo com Fernandes, espaço de higienização nas áreas comuns do edifício.
A Tecnisa, uma das referências em inovação entre as incorporadoras, está revisando projetos para incluir, nos próximos lançamentos, mais estrutura para os moradores trabalharem em “home office”. “Nos apartamentos maiores, é possível oferecer ambientes para ‘home office’ com comodidade. Nos edifícios com unidades menores, pode haver baias fechadas a serem utilizadas, individualmente, nas áreas comuns”, diz o presidente da Tecnisa, Joseph Nigri.
Para o diretor financeiro e de relações com investidores da EZTec, Emilio Fugazza, o desafio em relação a espaços para teletrabalho, nos imóveis residenciais, está nos naqueles destinados à média renda, segmento em que a incorporadora pretende apostar no próximo ano. “A reflexão ainda não está consolidada, mas a EZTec está bastante atenta a isso”, diz Fugazza.
O executivo da EZTec questiona em que grau haverá continuidade do “home office” após o fim da quarentena. Há funções em que o empregado se torna mais produtivo ao trabalhar de forma isolada. “Mas, para quem precisa de interação, a ausência do trabalho no escritório pode ser um ônus e não um bônus”, destaca Fugazza.
Segundo Raphael Horn, copresidente da Cyrela, ainda é muito cedo para saber qual será o impacto das atuais mudanças de comportamento no consumo dos compradores de imóveis e no tamanho das unidades. “Está tudo muito novo para saber o que o cliente vai querer lá na frente”, disse Horn, em teleconferência com o mercado.
O presidente da PDG Realty, Augusto Reis, compartilha da avaliação de que ainda não se sabe qual será o comportamento do consumidor de imóveis. “O setor vinha em uma linha de redução do tamanho das unidades, visando a mobilidade. O desejo do consumidor vai mudar, mas não acredito que seja algo muito drástico por causa do limite de renda”, diz Reis.
O que acontecerá com o segmento de imóveis compactos é, justamente, um dos questionamentos do mercado. “Em tese, haveria interesse por mais espaço, mas a demanda por compactos será maior do que nunca. As pessoas foram afetadas pela crise, e a confiança nunca foi tão baixa”, diz Alexandre Frankel, fundador da Vitacon, especializada no segmento.
Segundo Frankel, as áreas comuns dos empreendimentos da Vitacon estão sendo remodeladas para garantir isolamento dos moradores por estações individuais de trabalho e fitness, divisórias e higienização. Além disso, diz o empresário, o mobiliário inteligente utilizado nas unidades permite a transformação de ambientes versáteis. “Ninguém trabalha e dorme ao mesmo tempo”, diz Frankel.
Com atuação no programa Minha Casa, Minha Vida, a Tenda ainda não está buscando possibilidades de mudanças em seus projetos. “A baixa renda não tende a estar na vanguarda da inovação da tipologia de produtos” diz o diretor financeiro e de relações com investidores, Renan Sanches.
A RNI Negócios Imobiliários, que tem na baixa renda a principal atuação, avalia oferecer ambientes “mais aconchegantes” nas áreas comuns dos projetos do Minha Casa, Minha Vida. A intenção, segundo o presidente, Carlos Bianconi, é que os moradores tenham mais locais de “descompressão”, nas áreas comuns, e não, necessariamente, espaços de “coworking”). “Não vamos colocar escritórios, pois isso seria mudar o enclausuramento de lugar”, diz Bianconi.
As reflexões sobre mudanças não se restringem aos projetos. Nigri, da Tecnisa, ressalta que os compradores de imóveis costumam escolher entre maior metragem da unidade, com localização mais distante, ou área menor, mas em local mais próximo ao trabalho. “Quanto menos vezes por semana a pessoa tiver de ir ao trabalho, mais estará disposta a morar distante. Vários bairros tradicionais e mais periféricos podem se beneficiar disso”, diz o presidente.
Para discutir mudanças e tendências da “Era pós-covid19”, a Molegolar criou o PandeBuilding, composto por 23 lives com participantes multidisciplinares. Ao final do processo, será construído, virtualmente, um “edifício conceito” de uso misto com as principais tendências e novas demandas apontadas nas discussões.