Perto de bater o recorde de contratações e com dificuldades de atrair novos trabalhadores, as construtoras estão formulando uma proposta a ser apresentada ao governo para estimular a população atendida por programas sociais, como o Bolsa Família, a se apresentar para trabalhar nos canteiros de obras. Na visão dos empresários, os programas sociais se tornaram “concorrentes” uma vez que a maior parte das pessoas que recebe auxílio fica de fora do mercado de trabalho formal.
“Precisamos dos programas sociais no Brasil, mas eles são nossos concorrentes”, afirmou Rubens Menin, fundador da MRV. “Estamos fazendo a nossa parte em capacitar e melhorar a produtividade, bem como melhorar a qualidade das vagas. A construção civil não é mais aquela de antigamente. Temos bons empregos e com boa remuneração”, argumentou.
“Temos de levar uma proposta oficial ao presidente Lula para essas pessoas resgatarem a possibilidade de entrar no mercado de trabalho e melhorar as suas condições de vida”, defendeu o presidente do Sindicato da Habitação (Secovi-SP) e sócio da Plano & Plano, Rodrigo Luna. “Somos um país pobre e que precisa cuidar do lado social. Mas também precisamos criar políticas que resgatem a dignidade das pessoas e proporcionem oportunidades para que se tornem autossuficientes”.
Por enquanto, a proposta do setor está em gestação. Ela envolve uma possível campanha das vantagens de se trabalhar nas obras até sugerir parâmetros mais flexíveis que os atuais para o público trabalhar sem perder a bolsa.
O pano de fundo é que as construtoras estão com dificuldade de encontrar mão de obra qualificada, o que as obriga a pagar salários mais altos para atrair candidatos. O setor está aquecido e atingiu a marca de 2,9 milhões de empregos formais, puxado por obras comerciais e residenciais, especialmente do Minha Casa, Minha Vida. Este é o maior nível de emprego em uma década, chegando perto do recorde histórico, que foi de 3,1 milhões em 2014.
O salário médio de admissão (primeiro emprego) na construção está em R$ 2.315, o terceiro mais alto, atrás apenas de finanças, com R$ 2.324; e administração e serviços públicos, com R$ 2.455, segundo o Ministério do Trabalho. “Um bom oficial de carpintaria ganha mais de R$ 10 mil em obra”, citou Luna. Por sua vez, Menin alertou que a falta de trabalhadores gera inflação e pode atrapalhar a produção. “Já tivemos dificuldade com mão de obra no passado e, se não fizermos nada, teremos alguma dificuldade na indústria, especialmente nos grandes centros”, apontou.
A professora do Insper e especialista em políticas públicas, Laura Muller Machado, defendeu o papel do Bolsa Família. “As pessoas não se sujeitam a trabalhar por menos do que já recebem no programa. A meu ver, isso é bom. Como sociedade, não queremos que as pessoas trabalhem por tão pouco. O programa foi um mecanismo de combate à miséria e ao trabalho escravo, por exemplo”, disse. Por outro lado, ressalta a importância de aprimoramentos. “É preciso que empresários ofereçam salários e condições de emprego mais atrativos. E do lado do governo, mecanismos de saída do benefício rumo ao mercado de trabalho”, defendeu.
Emprego no Bolsa Família
Criado há 21 anos, o Bolsa Família atende 20,7 milhões de famílias com um valor médio de R$ 684 por mês. Para ter direito ao benefício, a renda de cada pessoa da família deve ser de até R$ 218 por mês.
Não é verdade que essa população não trabalha. Ao menos 2,8 milhões de famílias (13,5%) têm um membro com carteira assinada, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social. Neste ano, os beneficiários ficaram com 56% de 1,5 milhão de vagas formais geradas. Além disso, há muitos beneficiários em postos informais, como faxineiras, jardineiros, feirantes, pedreiros, motoristas, entregadores, entre outros, cuja quantidade exata não é bem conhecida.