Com margens ainda sob pressão, resultado da alta nos custos e um ambiente de juros em inacreditáveis dois dígitos, a indústria da construção tem encontrado fôlego nos projetos de média, alta e altíssima renda. As recentes parcerias e aquisições no segmento, principalmente envolvendo empresas que não estão listadas na bolsa, mostram ser um bom caminho para atravessar o momento.
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A recente parceria anunciada entre EZTec e Construtora Adolpho Lindenberg, com a criação da EZCAL, é um bom exemplo da efervescência no mercado de alta renda paulista. A dupla planeja desenvolver projetos com um valor geral de vendas (VGV) de R$ 1,7 bilhão nos próximos seis anos. A Gafisa, por sua vez, apresentou recentemente proposta para aquisição da Bait, no Rio, e assinou um memorando para a aquisição da São José, incorporadora de luxo de São Paulo. Ambas estão em processo de aprovação pelo Cade.
“Essas movimentações, somadas as recentes aquisições de terrenos nas regiões do Itaim e Jardins, reforçam nosso posicionamento no mercado de alto luxo, especialmente em São Paulo, maior praça desse segmento no país”, diz Guilherme Benevides, CEO da Gafisa Incorporadora e Construtora São Paulo, em entrevista ao Valor. A estratégia tem acelerado o processo de consolidação no segmento.
Segundo analistas do setor, a falta de perspectivas de melhora na economia e a forte polarização na cena eleitoral tem tornado o ambiente impraticável para lançamentos na ponta menor da baixa renda. Entre 2020 e 2021, em meio a pandemia com estandes fechados, Mitre Realty, que atua na média e alta renda, e Riva, subsidiária da Direcional para o segmento de média renda, já detectavam essa oportunidade ao fecharem parcerias com a incorporadora Lucio, dona de projetos de altíssima renda na capital paulista - tanto no residencial quanto comercial.
Lucio Junior, presidente da incorporadora, conta que no momento todos os projetos da companhia apresentam desempenho dentro do esperado e de acordo com a estratégia traçada. “Temos um lançamento previsto para este ano com ticket de R$ 25 milhões no Itaim em parceria com a Bolsa de Imóveis. A estratégia varia muito. Em especial, no de altíssima renda teve um empreendimento com preço médio de quase R$ 50 mil o metro quadrado que esperamos ficar pronto para iniciar a estratégia de venda e deu muito certo. Isso está muito ligado ao perfil do cliente, mais exigente e que não depende de financiamento”, revela o executivo
Na parceria com a Riva, o executivo lembra que se tratam de imóveis com valores que vão de R$ 300 mil a R$ 700 mil. “São oito projetos em desenvolvimento, sendo que três já foram anunciados e outros cinco devem ser lançados em 2022”. Esses projetos representam um VGV de R$ 1,1 bilhão, com a entrega de 3.500 unidades.
No acordo com a Mitre, firmado no ano passado, os lançamentos estão posicionados um degrau acima dessa categoria, diz o executivo, com unidades de valores acima de R$ 700 mil. “A previsão é de lançar um empreendimento no segmento de média alta ainda no segundo semestre (o primeiro dessa parceria), no Brooklin. Com VGV de R$ 180 milhões, a demora no primeiro lançamento é atribuída aos procedimentos de aprovação do projeto, observa Rodrigo Cagali, diretor financeiro da Mitre.
Ao longo do ano passado a Mitre reportou a aquisição de R$ 1,9 bilhão em terrenos em pontos estratégicos de São Paulo. O executivo recorda que as duas empresas se conhecem de longa data e a aproximação foi natural. “A Lucio tem know-how e estava procurando parceiros para desenvolver essa linha de média alta e temos essa expertise. Tem funcionado muito bem porque temos a mesma cultura de negócios. Estamos empolgados”, afirmou.
Para André Mazini e Hugo Grassia, analistas do Citi que acompanham o setor, a palavra de ordem do momento é ‘seletividade’. “Como via de regra, as incorporadoras estão lançando menos na ponta inicial da média renda. Vemos uma migração para a alta renda, um exemplo disso é a parceria da Riva e da Mitre com a Lucio, e da EZTec com a Lindenberg. São parcerias com empresas não listadas e do setor em que não estão habituados a atuar”, observa.
A maior resiliência do segmento de alta renda, na visão de Ygor Altero, analista da XP, tem estimulado esse movimento. “Vejo a Even se posicionando bem nesse segmento, ao se aproximar de empresas que tem uma boa execução. Fica claro o interesse”, aponta, ao ressaltar que se trata de um segmento em que o cliente não depende de financiamentos.
Marcelo Motta, analista do J.P. Morgan, diz que as parcerias têm aproximado em geral quem tem capital disponível, mas não tem banco de terrenos de qualidade, de concorrentes com bons pontos de venda para negociar, mas pouco capital para tocar o projeto. “É uma forma de crescer com qualidade e tem potencial para acelerar o crescimento de ambas.”
Entre os potenciais candidatos a novas parcerias Motta cita BRZ e Vitacon, que ainda não abriram capital. “Selo de grife também aumenta o preço do metro quadrado”, diz ao lembrar dos acordos firmados ao longo do ano passado pela Cyrela e Gafisa com famosos estúdios internacionais de design - Yoo Studio e o italiano Tonino Lamborghini, respectivamente.
Para Luiz França, presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), unir forças para atuar em nichos específicos do mercado pode ser útil para limitar perdas. Segundo ele, a cidade de São Paulo ainda reúne alguns ‘bolsões de alto desejo” como os arredores da Faria Lima, Parque do Povo e do Clube Pinheiros. “A escassez de terreno para esse perfil de empreendimento também acaba levando a união de forças”. E França reforça que o custo do metro quadrado no Brasil ainda é muito baixo em relação ao resto do mundo.
Benevides, da Gafisa, concorda e acena com a continuidade dessa estratégia. “O cliente com alto poder aquisitivo, já tem percepção de que um apartamento de R$ 40 mil/m2, com todos os atributos de luxo, ainda está barato comparado a grandes metrópoles do mundo, onde chegam a custar mais de US$ 100 mil/m2”. Segundo o executivo, a expectativa é continuar expandindo as parcerias com grandes marcas de luxo, “agregando valor em cada detalhe”.
Dados recentes confirmam que o setor segue em ritmo de retomada, apesar do constante impacto da inflação de custo. De acordo com sondagem divulgada nesta semana pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), a construção civil registrou o melhor nível de atividade e emprego do quadrimestre desde 2012.
Matéria publicada em 24/05/2022