Após sofrer um corte de 25% em seu salário por conta da crise do coronavírus, o economista Alex Agostini, da Austin Ratings, procurou a Eztec e pediu a postergação das parcelas de abril e de maio do apartamento de 90 metros quadrados que adquiriu da construtora, em Osasco (SP).
"A empresa onde trabalho reduziu os salários como forma de preservar empregos. O mercado financeiro está um caos, e as operações diminuíram", conta Agostini. "Então pedi uma revisão do contrato à Eztec. Não estou querendo me aproveitar da situação. É uma medida preventiva", explica. A resposta que recebeu por e-mail foi que o fluxo de pagamentos está mantido por enquanto, mas o caso será analisado.
O exemplo pode ser a faísca para reacender nos próximos meses um problema antigo para o mercado imobiliário: os distratos. Muitos consumidores que perderam renda já estão procurando as construtoras para renegociar condições de pagamento do imóvel adquirido na planta. Os pedidos de rescisão, de fato, são poucos até aqui. No entanto, as empresas admitem que, se a crise se prolongar, há potencial para os distratos crescerem.
"Até agora, o problema não se aprofundou. Mas quanto pior a crise, pior será esse problema", afirma o diretor de Relações com Investidores da Eztec, Emílio Fugazza. A companhia tem recebido demanda de consumidores para postergar parcelas e diluir as próximas faturas no saldo devedor, entre outras medidas para ganharem fôlego.
O plano da Eztec é atender essas demandas desde que o consumidor comprove que perdeu renda. Mas, com todas as equipes de atendimento em home office, a construtora não conseguiu responder aos pedidos recentes. "Ainda precisamos de um tempo para dar andamento a essas renegociações", disse Fugazza. "O mundo mudou numa velocidade espetacular. Há duas semanas estávamos lançando novos projetos e com vendas aquecidas", relembra.
O presidente da Trisul, Jorge Cury, diz que identificou duas vertentes até aqui. Clientes de imóveis de alto padrão (acima de R$ 650 mil) estão buscando renegociar os pagamentos, enquanto aqueles de médio padrão (entre R$ 250 mil e R$ 650 mil) começaram a pedir o distrato.
"A amostragem é pequena, pois a crise veio há apenas duas semanas, mas a tendência é que esses distratos se acentuem. A classe média vinha se recuperando, mas muita gente vai perder emprego e profissionais autônomos vão perder renda", estima. Em relação aos pedidos de flexibilização dos pagamentos, a intenção da Trisul é atender os consumidores. "Vamos buscar um rearranjo. E nós faremos sem multa e juros, porque temos interesse em manter a venda", promete Cury.
Na Setin, o volume de distratos ainda é irrelevante, mas os pedidos de renegociações já começaram. "Foi pequeno em março, mas para abril as renegociações podem chegar da 10% da carteira de clientes", conta o dono da construtora, Antônio Setin. "Se essa crise durar até maio, muita gente vai sentir isso no bolso. Aí todos nós vamos pagar caro. Não adianta o setor de construção produzir se o cliente não tem receita. Aí vai ser dramático."
Ele afirma ainda que há uma preocupação em identificar demandas legítimas, de consumidores que de fato foram afetados pela crise, daqueles que considera "oportunistas". "Desta vez, entendemos que as pessoas serão afetadas de verdade. Vamos dar um espaço para que elas ajeitem sua situação. Já na crise iniciada em 2014, 80% dos distratos da Setin eram de especuladores que compraram até cinco apartamentos e decidiram desfazer o negócio quando não tiveram o retorno esperado, relembra.