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21/01/2022

Consumo de poupança influenciará PIB

Retomada de gastos pode elevar crescimento da economia em até 1 ponto, diz estudo

Após o aumento da taxa de poupança observado durante a pandemia, a normalização dos gastos pode contribuir com até 1 ponto percentual adicional no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2022, aponta estudo do Mastercard Economics Institute, que analisou os fatores que moldarão a economia global no ano.

A análise destaca que o nível de poupança das famílias aumentou durante a crise gerada pela covid-19 e que a rapidez ou a lentidão com que os consumidores retomarem seus hábitos anteriores de consumo terá um efeito cascata sobre a economia. A evolução da pandemia está entre os principais fatores que ditarão esse ritmo.

O cenário mais otimista apresentado pelo instituto em termos de crescimento - de incremento de 1 ponto percentual - considera uma queda de 18,14% para 17,17% na taxa de poupança em 2022, que poderia levar a um aumento de 2 pontos percentuais no consumo. Isso faria com que a inflação ficasse 0,2 ponto percentual acima do estimado e a taxa de desemprego, 0,3 ponto percentual abaixo.

Essa hipótese pressupõe, no entanto, uma “completa reabertura da economia” e um “rápido aumento na confiança do consumidor”, que levaria a um retorno aos padrões anteriores de gastos em um ano. As condições apresentadas se mostram desafiadoras quando consideradas as incertezas sanitárias, políticas e econômicas que o país deve enfrentar neste ano.

O estudo apresenta ainda outros dois cenários: um de retomada dos hábitos de consumo pré-pandemia em dois anos (ritmo médio) e outro de retorno em três anos (ritmo lento). No cenário intermediário, a taxa de poupança cairia para 17,7% em 2022, resultando em um aumento de 1 ponto percentual no consumo e de 0,4 ponto percentual no PIB.

Já no cenário “lento”, considerado pessimista em relação à linha de base traçada para 2022, haveria uma desaceleração do crescimento. Nesse caso, a taxa de poupança subiria de 18,14% para 18,78%, acarretando em recuo de 1 ponto percentual no consumo e queda de 0,7 ponto percentual no PIB.

De acordo com o estudo, mundialmente, as taxas de poupança quase dobraram em relação ao período pré-pandemia. A previsão é a de que o gasto do “excesso” de reservas poderia contribuir com o aumento de pelo menos 3 pontos percentuais no PIB global em 2022, número que pode chegar a 4,5 pontos percentuais se a normalização for mais rápida. O estudo apresenta cenários para diferentes países. No caso dos EUA, por exemplo, o crescimento “extra” poderia ser de até 1,5 ponto percentual.

Ao Valor, o Mastercard Economics Institute afirma que a recente onda de covid-19, com o avanço mundial da variante ômicron, tem impacto sobre os mercados globalmente e que as previsões econômicas de consenso já enfraqueceram desde a elaboração do relatório. Os números, no entanto, indicam que o impacto será “bastante temporário, a ser compensado no resto do ano”, acrescenta o instituto.

No caso do Brasil, outro risco importante diz respeito à “reação da política monetária à inflação mais alta”. “Geralmente, quando a política monetária dos EUA aperta, as pressões sobre os mercados emergentes são exacerbadas e tendemos a ver uma maior aversão ao risco”, afirma o instituto, em nota, acrescentando que “o impacto potencial do aperto das políticas é relativamente mais pronunciado na América Latina”.

Economistas explicam que o aumento da poupança observado durante a pandemia se deu, principalmente, por causa da queda do consumo de serviços, especialmente entre as famílias mais ricas. Henrique Castro, economista da FGV EESP, acrescenta que, além disso, houve uma contribuição de parte da população de menor renda, sobretudo devido ao auxílio emergencial. Para ele, a trajetória da taxa de poupança dependerá diretamente da evolução da pandemia, e do consequente nível de reabertura da economia.

Além disso, é preciso observar que destino as famílias darão aos recursos eventualmente retirados das reservas. “Como as famílias estão muito endividadas, a expectativa é que parte não vá diretamente para consumo novo”, afirma.

Sérgio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados, tem uma visão semelhante. Para ele, a taxa de poupança deve cair neste ano devido a fatores como a normalização do consumo e a situação mais precária da renda de parte das famílias. “Mas, dada a situação de incerteza que a gente tem, não me parece que há volume suficiente para imaginar que haverá uma saída forte de poupança para o consumo neste ano de forma generalizada”, pondera. Ele cita o cenário de incertezas esperado para o ano e diz acreditar que o consumidor pode manter o comportamento mais “arredio”.

Economista e professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie Campinas, Leila Rocha Pellegrino também aponta a evolução da pandemia, o fraco desempenho da economia e as incertezas eleitorais como fatores de atenção e que devem influenciar o comportamento de poupança das famílias. “Em um cenário de maior confiança, é possível que a gente comece a ver uma retomada de alguns gastos, como de viagens, principalmente nas camadas de renda mais alta.”

Além do nível de poupança e gastos, o estudo elenca outros quatro fatores que devem guiar a economia mundial neste ano: cadeias de suprimentos; aceleração digital; viagens globais e os crescentes riscos econômicos.

Em relação às cadeias de suprimentos, o levantamento destaca que, após o aumento global nos gastos com bens observado durante a pandemia, é esperado que o equilíbrio seja retomado em 2022, à medida que as fronteiras sejam reabertas e os serviços se tornem mais “acessíveis e desejáveis”. No caso de Brasil, a demanda por serviços já está ultrapassando a demanda por bens, observa o instituto.

Da mesma forma, é esperada uma recuperação das viagens à lazer, inclusive internacionais. O crescimento contínuo, no entanto, novamente depende da evolução da pandemia. A análise também destaca que “o digital veio para ficar e mais consumidores estão gastando on-line em todos os setores”. “No Brasil, a participação on-line de gastos no setor de varejo é 1,2 ponto percentual maior do que a tendência pré-pandemia”, afirma o instituto. 

FONTE: VALOR ECONôMICO