Com o corte de 0,75 ponto percentual na Selic acompanhado de uma comunicação mais incisiva em relação ao nível de estímulos que o momento exige, o Banco Central fez com que os analistas do mercado convergissem em bloco para um cenário de juro básico abaixo de 3%. O nível final ainda é uma questão em aberto, mas a maioria dos agentes espera outra redução de 0,75 ponto na taxa no próximo mês.
De 63 instituições financeiras e consultorias ouvidas pelo Valor em pesquisa realizada nesta quinta-feira, 36 esperam que a Selic vá a 2,25% em junho, enquanto outras 22 projetam o juro em 2,5% no mês que vem. Apenas duas casas veem um corte de apenas 0,25 ponto em junho e outras duas esperam que a Selic fique inalterada em 3%. Uma casa estima uma redução ainda mais forte, de 1 ponto percentual.
Os sinais emitidos pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do BC se refletiram no mercado de juros e fizeram com que as taxas de curto prazo exibissem queda expressiva. O movimento nos juros mais longos, porém, foi o oposto, com firme alta em alguns vértices.
Já o dólar rumou a níveis inéditos contra o real, em uma disparada que contrariou o bom desempenho das moedas emergentes. Por aqui, a moeda americana fechou em alta de 2,51%, aos R$ 5,8459, depois de tocar R$ 5,8763 na máxima.
Com as condições financeiras mais apertadas em um momento que os riscos fiscais e políticos continuam a rondar o ambiente econômico, alguns analistas apontaram que a decisão do colegiado foi equivocada. Outros, porém, aplaudiram e apontaram para a fraqueza aguda da atividade e da inflação.
“Foi excelente”, diz o economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato, referindo-se à decisão do Copom. Para ele, a ação do Comitê “recoloca o regime de metas no centro da discussão da política monetária, o que permite prever quais serão os próximos passos, a julgar pela evolução do fiscal, commodities, câmbio e atividade”. O Bradesco, inclusive, espera outra redução de igual magnitude em junho, mas aponta que não se pode descartar a chance do juro ficar abaixo de 2,25%.
Com um longo caminho pela frente até a decisão de junho, o plano de voo traçado pelo economista-chefe para Brasil do BNP Paribas, Gustavo Arruda, é de uma redução de 0,50 ponto na Selic, que ficaria em 2,5% por um longo período, até o fim de 2021. Ele classifica o comunicado como “bastante claro” e diz que o fato de o Copom explicitar a possível magnitude do próximo corte foi algo que chamou sua atenção.
"Estamos chegando muito perto do zero absoluto do Brasil. Pelo comunicado, é possível perceber que, para o BC, o limite da política monetária está na taxa de juros em 2% ou próxima a 2%”, afirma o economista do BNP. Para Arruda, esse apontamento do BC é interessante ao responder uma indagação do mercado sobre até quanto a Selic poderia cair.
Ele diz, ainda, que se surpreendeu com a decisão da autoridade monetária. Embora o banco francês já esperasse um corte de 0,75 ponto, a comunicação do BC e a sinalização de um corte adicional em junho foram pontos importantes de observação.
É o que nota, também, o economista-chefe da Occam, Paulo Val, que classifica a decisão como “surpreendente”. Para ele, o BC ter classificado um corte de 0,75 ponto como “moderado” mostra que “ele carregou muito as tintas, com termos bem mais fortes do que estávamos vendo”. Val afirma que, com a mudança na postura do colegiado, a gestora espera agora que o juro termine o ano em 2,25%, o que seria condizente com as expectativas de inflação em níveis bastante inferiores à meta. A Occam espera que o IPCA fique em 1,1% este ano e em 2,5% em 2021.
Ele, contudo, avalia que a taxa em 2,25% estará em um nível “muito baixo para a nossa experiência” e destaca que o tamanho do ciclo de redução da Selic foi “bastante razoável”. Assim, para Val, faz sentido o BC cortar o juro em junho e parar para observar o impacto do afrouxamento monetário na economia. “É preciso ver como a atividade vai reagir com esse patamar de juros, se haverá alguma distorção”, diz o economista, que projeta uma contração de 4,2% do PIB neste ano.
Decisão equivocada
Para alguns analistas, a ideia de ter reduzido a Selic agora e indicar quedas adicionais mais à frente se mostra equivocada. O economista-chefe da JGP, Fernando Rocha, por exemplo, afirma que a decisão do Copom desta semana foi “muito ruim”. Ele defende que a ação “desancorou ainda mais a taxa de câmbio e provocou mais inclinação na curva de juros”, o que mostra o aumento do risco de fuga de capitais domésticos. “Cortes de juros já são detrimentais para a economia”, diz Rocha.
Visão semelhante tem o estrategista-chefe para mercados emergentes do Deutsche Bank, Drausio Giacomelli, cujas perspectivas para o Brasil são pessimistas. Ele diz que o país está “esticando a corda” em várias discussões, como no campo monetário e no fiscal, e dá ênfase à fuga de capital sofrida em solo brasileiro.
“Estamos afugentando capital estrangeiro em um país de poupança muito baixa. É preciso que se discuta o efeito de longo prazo nos investimentos, o fato de a poupança ser muito baixa e ter em mente que não se cresce nesse ambiente.”
O Deutsche espera que a Selic caia a 2,5% e se mantenha nesse nível até o fim do ano. Em relação à atividade econômica, o banco alemão revisou suas projeções e passou a esperar uma contração de 6,2% no Produto Interno Bruto (PIB) deste ano e um crescimento de apenas 2% em 2021.
“Com as pessoas com renda menor, o governo 'despoupando' como se não houvesse amanhã, o aumento da incerteza política e o capital estrangeiro sendo afugentado, temos uma combinação de crescimento muito baixo”, afirma Giacomelli.
Em relação ao fim do ano, dentre as 63 casas ouvidas, a expectativa de 35 instituições é a de que a Selic ficará em 2,25%, enquanto 20 veem o juro em 2,5%. Há, ainda, apostas residuais com a taxa básica em outros níveis.
Helcio Takeda, sócio da Pezco, continua a ver um cenário em que o juro básico se mantém em 3% até o fim do ano. “Por ora, nossa avaliação é de que a taxa Selic deveria ser mantida nesse nível na próxima reunião, a despeito dos sinais para novas quedas”, diz.
Ele afirma que o Copom poderia deixar para retomar o ciclo para quando a incerteza sobre o isolamento estiver dissipada e argumenta que, dada a natureza da crise, a política monetária tem pouco a contribuir no curtíssimo prazo.
Para o economista Alberto Ramos, do Goldman Sachs, o Copom vê a necessidade de um nível extraordinário de acomodação monetária e decidiu entregá-la. “O Copom não parece particularmente preocupado com a forte depreciação do real, mas parece mais preocupado com os riscos do caminho fiscal”. Na avaliação do especialista, parte desse risco já se materializou.
As principais reformas fiscais foram arquivadas e já houve alguns danos nas contas fiscais. “A verdade é que estamos prestes a pousar em um novo planeta. O planeta de taxa de juros zero real. E o Brasil nunca esteve lá. Não sabemos se o novo planeta é habitável e podemos viver lá por muito tempo. Mas em breve descobriremos.”