Está em alta a modalidade de crédito com garantia de imóvel (CGI), também chamada de ‘home equity’. Em setembro de 2020, o volume de dinheiro concedido nessas linhas de crédito cresceu 7,9% em relação a igual período de 2019, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip).
“Há uns dois anos, temos visto um foco maior dos grandes bancos no empréstimo por garantia de imóvel, seja para dar mais liquidez aos clientes, seja construir uma relação de longo prazo com as pessoas. O brasileiro está começando a ver que seu imóvel quitado pode ser uma fonte de crédito mais barato do que existe no mercado”, afirma Cristiane Portella, presidente da Abecip.
Atualmente, há um volume R$ 11,37 bilhões emprestados para clientes de CGI. Mas segundo o Banco Central, o produto financeiro tem potencial para injetar R$ 500 bilhões em crédito. Entre janeiro e setembro de 2020, as novas concessões tiveram alta de pouco mais de 10%, se comparado aos nove primeiros meses de 2019.
Os mandamentos das finanças pessoais são claros: evite tomar empréstimo. Mas se realmente precisar como último recurso, opte pelo mais barato.
Com exceção do financiamento imobiliário, quando se fala de crédito, o CGI tem os juros mais baixos do mercado, bem abaixo até do consignado, que usa o salário do tomador de crédito como garantia contra a inadimplência.
O crédito com garantia de imóvel e o crédito imobiliário têm muito em comum. Os dois costumam oferecer longos prazos, têm o imóvel como garantia em caso de inadimplência, juros mais baixos e valores bastante altos, bem maiores que outras linhas de crédito como pessoal ou consignado.
As diferenças principais são que, no financiamento, há recursos da poupança e do FGTS que tornam a fonte de crédito mais barata para os bancos, o que teoricamente permite taxas ainda menores. Além disso, o dinheiro deve ser usado com a finalidade única e exclusiva de compra do imóvel.
Já o CGI permite que o tomador de crédito use os recursos como quiser, mas, com dinheiro dos próprios bancos, o que tende a deixar as taxas um pouco mais altas que no financiamento.
"Quando você compra um imóvel e dá uma entrada de 50% e financia os outros 50%, você também tem o risco de perder o imóvel em caso de inadimplência. A gente se endivida pra comprar um imóvel e pagar prestação para não perdê-lo, mas na hora de ter um imóvel quitado como garantia, que em tese é a mesma coisa, as pessoas ficam com medo. É uma questão cultural", afirma Portella.
Apesar de parecer uma boa, assim olhando de primeira, esse tipo de empréstimo não é recomendado para todos.
Principais características do crédito com garantia de Imóvel:
Empréstimos de maior volume que podem ultrapassar milhões de reais
Média e longo prazo, podendo chegar a 20 anos
Juros mais baixos, a partir de 0,56% ao mês
Garantia de imóvel financiado ou quitado
Mais de um imóvel pode ser usado como garantia da operação
Público tende a ser menos endividado
Baixa inadimplência
Processo de concessão mais demorado que linhas como consignado e crédito pessoal
Funciona por meio de alienação fiduciária
Como funciona?
Como o nome sugere, esse tipo de empréstimo tem como garantia um ativo físico, o imóvel. Portanto, aquele que empresta (credor) poderá tomar o imóvel caso haja inadimplência por parte do tomador de crédito (cliente).
A garantia se dá por meio da alienação fiduciária, que é quando o bem fica no nome do banco até que o cliente salde sua dívida. A rigor, o imóvel é temporariamente transferido para o credor. Nesse período, no entanto, o tomador de crédito pode usufruir do imóvel e até mesmo vendê-lo, saldar a dívida e ficar com o que sobrar eventualmente de troco.
O processo de execução da dívida (para a tomada de imóvel) pode demorar e ser caro para o credor. Ele envolve ainda um leilão da propriedade. A partir do valor arrecadado no leilão, a instituição financeira salda a dívida. Se o leilão tiver um valor que excede o que é devido, esse troco deve ser direcionado ao cliente inadimplente, aquele que perdeu o imóvel.
Normalmente, as operações de CGI são mais volumosas, algumas instituições financeiras exigem um valor mínimo que costuma ultrapassar R$ 30 mil. No entanto, os pagamentos podem ser feitos em até 20 anos (240 meses), prazos muito superiores a outras linhas de crédito como consignado e crédito pessoal.
A quantia máxima para o empréstimo depende do valor do imóvel usado como garantia. Segundo Portella, da Abecip, o tipo de CGI mais comum permite crédito de até 60% do valor do imóvel.
Há instituições que oferecem volumes maiores de crédito e podem usar mais de um imóvel como garantia. No entanto, a regra geral é de que valor das parcelas não deve ultrapassar 30% da renda mensal de quem toma o empréstimo, para reduzir riscos de falta de pagamento.
De acordo com Fabio Zveibil, vice-presidente de desenvolvimento de negócios da Creditas, empresa especializada em empréstimos com garantia, o valor médio de operações de CGI é de R$ 200 mil contra R$ 6 mil da média do consignado.
O processo de concessão do crédito com garantia de imóvel é mais burocrático, caro e demorado que outras linhas. Exatamente por isso ele é mais recomendado para valores mais altos.
Do momento da cotação da proposta até o recebimento do dinheiro, os prazos podem ser maiores que um mês.
Precisa haver uma avaliação do imóvel, que pode exigir a visita de um profissional ou ser feita on-line. Também é preciso passagem em cartório para assinatura e registro da matrícula do imóvel alienado.
A depender da instituição que vai fornecer o crédito, há condições para que o imóvel seja aceito, como estar em determinadas áreas, possuir rede de esgoto, entre outros.
Tanto imóveis quitados quanto financiados podem ser usados como garantia. Mas algumas instituições financeiras exigem que haja um mínimo do financiamento quitado, como cerca de 70%.
Normalmente, para usar um imóvel ainda não quitado como garantia, a operação deve ser feita na mesma instituição que o financiou.
"Nós conseguimos quitar a dívida do financiamento em outro banco para levar o home equity para nossa instituição. Mas o que ocorre é que pode não valer a pena para o cliente trocar um juro menor de financiamento por juro do home equity", explica Zveibil, da Creditas.
Para quem é o home equity?
Segundo o educador financeiro da Trader Brasil, Alan Soares, esse tipo de empréstimo só deve ser tomado para o que ele chama de "crédito produtivo" ou de alta emergência.
Por exemplo, se um empresário precisa de dinheiro para incrementar ou ampliar o negócio, o home equity (ou CGI) pode ser uma boa alternativa, porque se trata de um tipo de crédito mais barato que vai gerar algum tipo de retorno.
"Nesse caso, a pessoa está alavancando suas operações, mas com custo baixo. É perigoso quando um crédito desse, que coloca em xeque sua casa, é usado para consumo. Como bancar uma festa de 15 anos da sua filha, por exemplo. As pessoas precisam entender para que serve cada linha de crédito", afirma.
Soares diz ainda que, em casos de extrema urgência, como um procedimento caro de saúde, "vida ou morte", o CGI também pode ser uma saída.
"É importante que as pessoas entendam para que querem o dinheiro do empréstimo. Não vale a pena colocar sua casa em risco por um capricho, um consumo. Tem de ser algo que vá trazer algum retorno e deve ser bem planejado para as parcelas caberem no orçamento e reduzir as chances de deixar de pagar", completa Soares.
De acordo com a também educadora financeira Lai Santiago, da empresa de concessão de crédito Rebel, o mais importante é que antes de tomar um empréstimo a pessoa avalie suas condições.
No passo a passo, a primeira coisa é evitar por meio de cortes no orçamento ou busca por renda extra. A segunda é ver como fazer as parcelas caberem no orçamento, mesmo que precise parcelar em mais vezes para ter melhor controle nos gastos do mês.
Por último, avaliar qual a melhor linha de crédito. Se após a pesquisa, a pessoa ver que o home equity é a solução, aí deve seguir em frente, mas sempre evitando comprometer demais a renda e colocar em risco aquilo que às vezes é o único bem.
Mercado e concorrência
Alan Soares, da Trader Brasil, explica que as linhas CGI têm se tornado mais interessantes aos bancos porque envolvem valores maiores e a garantia de imóvel, que pode se valorizar com o tempo, também é atrativa. Torna-se atraente tomar um bem que pode valer ainda mais no futuro (embora nem sempre isso aconteça).
Recentemente o Itaú aumentou a parcela de seus recursos que são distribuídos para essas linhas de crédito. O banco lançou uma nova linha de crédito com garantia de imóvel financiado com taxas a partir de 0,56% ao mês mais correção por Taxa Referencial (TR), atualmente equivalente a zero.
Para os imóveis quitados, as taxas começam a partir de 0,94% mais TR. A Caixa tem taxas a partir de 0,70% mais TR. Ou ainda 0,60% mais correção pela inflação IPCA.
O banco Inter também está com taxas prefixadas (sem nenhum tipo de correção) a partir de 0,59% ao mês. O Santander oferece linha prefixada por a partir de 1% ao mês.
"A demanda por crédito vem aumentando. E a garantia de imóvel dá liquidez para o cliente fazer o que quiser, com 60% do valor do imóvel e 20 anos para pagar. Acaba sendo uma boa oportunidade", afirma o diretor de negócios imobiliários do Santander, Sandro Gamba.
Mas não são só os bancos que estão de olho neste mercado. Diversas fintechs (empresas de tecnologia que oferecem serviços financeiros) entraram na briga por uma fatia do mercado bilionário do crédito com garantia de imóvel.
Aliás, de acordo com uma dessas empresas, a Creditas, considerando somente os bons ativos (imóveis sem judicialização, em áreas urbanas e com rede de esgoto, por exemplo), o potencial da indústria é ainda maior, de R$ 10 trilhões em ativos que podem ser usados como garantia.
Juliano Bello, cofundador da Cashme, empresa especializada em home equity, destaca que a briga por espaço vem na intenção de oferecer produtos e serviços mais ágeis e personalizados. Ele afirma que não há um limite de valor do empréstimo para seus clientes, contanto que eles possuam mais de um imóvel para dar como garantia, proporcionalmente ao que foi solicitado. As quantias podem chegar a milhões de reais.
"Na nossa visão, a tecnologia é algo muito forte usado para criar um ambiente que dê boa experiência e agilidade para o consumidor, coisa que os bancos dificilmente vão ter no curto prazo. O foco é entender a necessidade de cada cliente", afirma.
O outro cofundador da Cashme, Paulo Gonçalves, diz ainda que nas fintechs o desenvolvimento de recursos tecnológicos reduz os custos da operação, o que permite que o empréstimo seja repassado a taxas menores para o consumidor. Ele cita que, em fintechs, o processo de avaliação do imóvel pode ser feito on-line, sem necessidade de um avaliador ir até cada local.
Empresas como a Cashme e a Creditas oferecem crédito com garantia de imóvel com taxas a partir de 0,75% ao mês mais correção pela inflação IPCA. Esse tipo de empréstimo acaba tendo parcelas mais voláteis que os prefixados ou atrelados à TR.
Outro motivo que permite taxas mais baratas é a baixa inadimplência da modalidade e o perfil do tomador de crédito, que tem baixo ou zero endividamento, antes do empréstimo, e conta com algum patrimônio.
"É um consumidor bom, esclarecido, com nível de endividamento baixo. Normalmente toma o empréstimo para investir no negócio, reformar a casa ou fazer uma viagem. A preocupação dele é tomar a menor dívida possível. É difícil ter leilão (de imóvel tomados) em operações de home equity", afirma Bello.