Ainda que a demanda por financiamento imobiliário em 2022 deva ficar abaixo do ano passado, vai manter um nível mais elevado que o período imediatamente anterior, entre 2017 e 2020, mostra relatório do Bradesco, assinado pelos economistas Renan Bassoli Diniz, Thiago C. Angelis e Myriã Bast. O documento ressalta que, em 2021, o mercado registrou o melhor ano desde a recessão de 2015 e 2016. Portanto, a base de comparação é elevada.
No ano passado, foram desembolsados R$ 186,8 bilhões em crédito para aquisição de imóvel residencial. Trata-se de uma cifra recorde, segundo os dados da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip). "Descontada a inflação, [a cifra] equivale a um crescimento de 34,1% em relação a 2020 e 68,6% ante 2019", avaliaram os analistas.
"Em 2022, a demanda por financiamento imobiliário deve seguir em menor ritmo do que no ano passado", pontuaram os economistas. "O cenário prospectivo tornou-se mais desafiador, diante das persistentes pressões inflacionárias domésticas e internacionais, que devem impactar as condições financeiras, sobretudo a partir do próximo semestre."
O banco ressalva, porém, que "ainda assim, algumas características estruturais da economia brasileira sugerem resiliência do mercado de crédito imobiliário nos próximos anos". Conforme o relatório, "embora dê sinais de moderação, o crescimento da carteira tem se acomodado em patamar elevado no curto prazo, refletindo o movimento das linhas com taxas de mercado, que tem compensado a desaceleração das linhas com taxas reguladas".
De acordo com a equipe do Bradesco, "vale destacar também que a expansão da carteira não tem sido sustentada apenas pelo carregamento das operações passadas, mas também pela originação de novos créditos, que iniciou o ano em bom ritmo". Conforme o documento, as concessões de crédito imobiliário residencial somaram mais de R$ 25 bilhões no primeiro bimestre do ano, volume inferior a 2021, mas superior ao desembolsado no mesmo período entre 2017 e 2020, já descontada a inflação.
O volume recorde de novos financiamentos do ano passado teve vários fatores como impulso. "Além da queda das taxas de juros às mínimas históricas, o aumento do funding durante a pandemia teve papel determinante na dinâmica positiva do crédito imobiliário", disseram os economistas do Bradesco. "De março de 2020 ao final do primeiro semestre de 2021, os depósitos de poupança [principal fonte de recursos do setor] tiveram incremento de cerca de R$ 180 bilhões a preços constantes."
O Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) liberou R$ 205,4 bilhões em créditos na soma dos recursos para construção e para aquisição de imóveis, de acordo com a Abecip. "Parte desse aumento de captações se deu pelo motivo precaucional, diante da elevada incerteza dos indivíduos com o futuro da economia. Outra parte, e provavelmente a principal, foi pelas circunstâncias relacionadas à natureza da crise, em que o distanciamento social causou limitações nas cestas de consumo das famílias, especialmente no setor de serviços."
Na avaliação do banco, "neste ano, com a pandemia sob controle, o estoque de poupança retornou à tendência de crescimento observada antes da pandemia e outros instrumentos de captação começaram a ganhar maior relevância na composição de recursos disponíveis para financiamento habitacional". O Bradesco também chama a atenção para questões particulares do mercado. "Primeiro, a oferta está bem ajustada e abaixo dos patamares observados no ciclo 2014-16. Segundo, do ponto de vista regulatório, a melhora é evidente. Os distratos seguem em tendência de queda, tanto em volume de unidades, como em proporção das vendas. Em 2021, cerca de 12% das vendas foram distratadas, bem abaixo dos mais de 20% de 2018."
Os economistas concluem esperar "alguma resiliência da demanda por financiamentos de imóveis residenciais no curto prazo, com a inadimplência contida e o setor privado como um todo menos alavancado, quando comparado ao ciclo de 2014-16". O relatório pondera que "muitos dos imóveis vendidos entre 2020 e 2021 serão entregues neste ano, demandado algum financiamento nessa etapa".
A desaceleração mais pronunciada das novas concessões, na visão do banco, deve ficar mais concentrada no segundo semestre. O Bradesco pondera, no entanto, que alguns fatores ajudam a mitigar os desafios. O déficit habitacional elevado e o fato de a subida da taxa Selic não ser estrutural são os principais. "Embora os questionamentos tenham aumentado no ano passado, a âncora fiscal [teto de gastos] ainda está em vigência e não alteramos nossa avaliação de que a taxa real neutra esteja próxima de 4%."
Os pesquisadores, por fim, ressaltam ver nas pressões inflacionárias o maior risco para o setor. "Quanto mais tempo a inflação permanecer elevada, mais duradouras serão as pressões de custos, que devem impactar o preço final dos imóveis. Além disso, a duração do aperto monetário pode acabar se prolongando, reduzindo a quantidade de compradores elegíveis."
Em simulações baseadas nas estatísticas de renda familiar da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE (PNAD), para um financiamento de R$ 200 mil, haveria uma redução de 7,4 milhões de domicílios elegíveis ao empréstimo na comparação entre cenário com taxa de juros de 12% ao ano e de 6% ao ano. No caso de um imóvel de maior valor, de R$ 500 mil, a redução seria de 1,5 milhão de famílias elegíveis ao crédito, na comparação entre um ambiente com juros a 12% ao ano e em 6% ao ano.
Matéria publicada em 13/05/2022