As taxas cobradas no crédito imobiliário permanecem estacionadas desde maio e tendem a se manter no atual patamar até o fim do ano ou o início do próximo, segundo especialistas ouvidos pelo Valor, mesmo com o início do ciclo de queda de juros pelo Banco Central (BC). Apesar de o custo ter ficado estável, os bancos se tornaram mais restritivos na aprovação do financiamento num cenário de elevação do custo de “funding” do setor e de restrição de recursos devido aos contínuos saques da poupança, afirma a coordenadora de crédito imobiliário da plataforma de comparação de empréstimos habitacionais MelhorTaxa, Priscilla Basso.
De acordo com ela, apesar da queda da Selic de 13,75% para 13,25% ao ano, os bancos continuam com poucos recursos para abastecer a linha. “Até a Caixa Econômica Federal [líder no mercado de crédito imobiliário] cortou linhas no momento, com previsão de retorno só no fim do ano”, diz.
Dados da plataforma mostram que a taxa média das operações dos quatro principais bancos que atuam no crédito imobiliário - Caixa, Bradesco, Itaú Unibanco e Santander - alcança hoje 11,02% ao ano dentro no Sistema Financeiro de Habitação (SFH). Em março, antes dos últimos reajustes, o custo médio estava em 10,65%.
A coordenadora do MelhorTaxa aponta ainda que as principais instituições que trabalham com o crédito imobiliário que usa recursos direcionados da caderneta de poupança têm dado preferência para a aprovação de clientes de repasses, ou seja, de compradores de imóveis na planta que acabaram de receber as chaves da casa ou do apartamento e buscam transferir o financiamento da incorporadora para o banco. “Os bancos estão dando preferência para os repasses e ficaram muito mais restritivos para o consumidor que chega sozinho para pedir o empréstimo”, pondera.
O diretor de negócios imobiliários da HSI, Fernando Gadelho, também enxerga um cenário de maior restrição na concessão de crédito habitacional. “Incorporadores mencionam que, se antes do aperto monetário, de cada 30 fichas enviadas aos bancos, 28 eram aprovadas, agora os bancos têm aceitado dez, feito mais exigências em outras dez e reprovado o restante”, afirma.
Segundo Gadelho, a taxa de aprovação hoje no mercado tem sido de cerca de um terço do que já foi no período de juros baixos. “Quem comprou apartamento há dois ou três anos, agora, quando chega na hora do repasse para os bancos, corre grande risco de não ter mais a renda exigida para o financiamento”, acrescenta.
Nos números do MelhorTaxa, o cenário é ainda mais restritivo. Segundo a coordenadora, de cada cinco pedidos recebidos para intermediação de crédito, apenas um tem sido aprovado.
Conforme Basso, ao longo do segundo semestre, as taxas do crédito imobiliário devem permanecer estacionadas, mas o índice de aprovações tende a melhorar. “Ao longo dos próximos meses, se o funding de poupança melhorar e a inadimplência cair, os bancos devem voltar a acelerar as concessões”, diz.
Para o diretor de crédito imobiliário, consórcios e veículos do Itaú Unibanco, Thales Ferreira, “as taxas de crédito imobiliário, por ser uma operação de longo prazo, são impactadas por curvas de juros de médio e longo prazo e não somente por movimentos de curto prazo da Selic”. Ou seja, as taxas de juros futuros também importam na estratégia dos bancos. De acordo com o executivo, “mesmo com todo o movimento positivo de diversificação de fontes de funding, a evolução dos saldos de poupança é um vetor muito importante para a formação de taxas e levamos tais aspectos em consideração”.
Na visão da especialista do MelhorTaxa, porém, o pior do cenário de restrições ficou para trás. “Vejo a tendência do endividamento diminuir, o que vai ajudar a poupança a retomar a captação líquida nos próximos meses”.
De acordo com a executiva, a queda de juros e o programa de renegociação de dívidas Desenrola provavelmente vão ajudar a melhorar a inadimplência e ter impacto positivo no apetite dos bancos. “Com o Desenrola, a tendência é de os bancos conseguirem regularizar os clientes e, com base menor de inadimplência, poder liberar mais crédito.”
Queda de taxas nos financiamentos habitacionais, segundo Basso, só deve ocorrer no ano que vem. “De agora para o fim do ano, as taxas devem permanecer estáveis. Mas, com o avanço do ciclo de queda da Selic, a melhora da captação da poupança, a concorrência mais acirrada e a retomada do ciclo de expansão imobiliária, os custos dos empréstimos imobiliários podem começar a recuar a partir de 2024.”
A retomada da poupança é um dos fatores mais importantes na equação do crédito imobiliário, porque a caderneta funciona como principal fonte de recursos para as linhas dentro do SFH. A legislação estabelece que os bancos devem utilizar 65% do saldo do tradicional produto de investimento para as linhas de financiamento imobiliário.
O custo dos recursos vindos da caderneta permite que as instituições ofereçam linhas com taxas abaixo da Selic, porque a poupança paga uma remuneração de 0,5% ao mês fixa mais a variação da taxa Referencial (TR), quando a Selic está igual ou acima de 8,5% ao ano. Quando a taxa básica recua para abaixo desse patamar o rendimento passa a ser 70% da Selic mais a TR.
Os bancos também utilizam como fontes de captação de recursos para o crédito imobiliário as letras de crédito imobiliário (LCI), as letras garantidas imobiliárias (LIG) e outros instrumentos de mercado de capitais. No entanto, esses títulos costumam pagar retornos mais elevados que a Selic. As taxas finais das linhas de financiamento habitacional resultam de uma composição de custos entre a poupança e as emissões de dívida feita pelas instituições financeiras.
O diretor de crédito imobiliário do Santander, Sandro Gamba, ressalta que a redução da Selic ainda não afeta de maneira tão imediata o custo de funding, ou seja, da captação de recursos para o setor e também enxerga as taxas das linhas estáveis nos próximos meses. “Na nossa avaliação, não vai ter alteração da taxa de crédito imobiliário tão rapidamente”, afirma. “No momento seguinte temos que acompanhar a [captação da] poupança e os movimentos do Banco Central.”
Conforme o executivo, como o principal funding do crédito imobiliário vem da caderneta, uma eventual redução de taxas do financiamento habitacional depende de uma consolidação de captação líquida positiva para o veículo de investimento. “O ponto principal para o funding imobiliário que está relacionado à carteira de poupança. Não existe uma relação tão imediata entre a redução da Selic com a redução de custo do crédito imobiliário. Porque ainda vemos que existe uma saída de recursos da caderneta de poupança e isso restringe o funding.”
O presidente-executivo do Sindicato da Habitação -SP (Secovi-SP), Ely Wertheim, diz acreditar também em melhora na aprovação de novas concessões de financiamentos habitacionais como efeito mais imediato da queda da Selic. Depois, deve vir um cenário de redução de taxas nas linhas de crédito do setor, mas um pouco mais adiante. “Acho que daqui a 30 a 60 dias já vamos sentir melhora [nas aprovações de financiamentos imobiliários]”, afirma.
Na visão de Wertheim, logo após o primeiro movimento dos bancos de retomar o apetite pelo financiamento, as taxas começam a cair como consequência dos juros menores. “As vendas do mercado não subsidiado devem ganhar impulso ao longo dos próximos 90 a 120 dias por conta da melhora das taxas”, diz.
O cenário para a poupança começou a melhorar em junho. Segundo dados do Banco Central, o sexto mês de 2023 registrou a primeira captação líquida da caderneta no ano, de R$ 2,6 bilhões. No acumulado do primeiro semestre, porém, houve uma saída líquida de R$ 66,6 bilhões.
Números parciais da autoridade monetária indicam que julho fechou com saída líquida de R$ 3,7 bilhões na caderneta. Nos primeiros dias de agosto, porém, o movimento se inverteu. O relatório diário de poupança do BC aponta para uma captação líquida de R$ 10,57 bilhões até o dia 4 deste mês dentro do SBPE (financiamentos com recursos da caderneta).
A Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip) informou na semana passada que o crédito imobiliário teve alta de 6% no primeiro semestre deste ano, em comparação com igual período de 2022, somando R$ 117,8 bilhões. Dentro desse número geral, o financiamento com recursos da poupança teve queda de 10%, a R$ 76,7 bilhões, enquanto com funding do FGTS teve expansão de 62%, a R$ 41,1 bilhões. Para o resultado fechado de 2023, a Abecip prevê que o financiamento imobiliário terá queda de 1%, com baixa de 13% no SBPE e alta de 32% no FGTS.
José Ramos Rocha Neto, presidente da Abecip, admite que a poupança vem perdendo peso no total de funding, mas garante que existe, sim, dinheiro para o crédito imobiliário no país. “As linhas alternativas de funding, como LIG, LCI e CRI, vêm tendo forte avanço. A concentração tem um lado bom e um lado perigoso. A estrutura de funding do crédito imobiliário vem se desconcentrando, com menos dependência da poupança. Para o setor isso é muito importante.”
No primeiro semestre de 2021, a participação da caderneta no funding total era de 49%. A poupança caiu para 44% em 2022 e, agora, na primeira metade de 2023, recuou para 36%. “A caderneta de poupança é o componente mais importante do funding imobiliário e vai continuar sendo”, diz o presidente da Abecip.
Com a melhora do cenário macroeconômico, a tendência, segundo Wertheim, do Secovi-SP, é de o mercado como um todo começar a ganhar impulso a partir do segundo semestre. “No geral, o efeito de um ciclo de queda de juros é benéfico ao mercado em todos os sentidos, porque melhora a perspectiva de captação da poupança, com um equilíbrio maior entre as aplicações financeiras, além de impulsionar tanto a comercialização de unidades, quanto aumento de demanda de financiamento”, pondera.
Na avaliação de Silva, do Itaú, “os números de 2023 já apontam para este ser o terceiro melhor ano da história na concessão de crédito imobiliário”. Para ele, “a tendência de quedas de juros auxilia em uma potencial maior demanda e, com a evolução de reformas estruturais e melhores condições macroeconômicas, os sinais são positivos para 2024”. (Colaborou Álvaro Campos)