O financiamento de imóveis usados com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) desabou nos últimos meses, após uma série de decisões do governo para privilegiar a aquisição de lançamentos. No programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV), números da Caixa Econômica Federal mostram uma queda de 85% na concessão de crédito para compra de imóveis antigos nos últimos dois meses. Para os cotistas do fundo que ganham mais de R$ 8 mil, o recuo é de 98% entre maio e outubro.
Com recursos do FGTS, o governo, por meio de bancos operadores, oferece empréstimos para compra da casa própria a juros mais baixos. O MCMV é destinado a famílias com renda mensal de até R$ 8 mil e permite a aquisição de imóveis de até R$ 350 mil. Quem tem conta no FGTS e ultrapassa o teto do MCMV pode optar pela modalidade Pró-Cotista, que financia casas ou apartamentos de até R$ 1,5 milhão.
O FGTS é usado como funding. Ou seja, o dinheiro depositado pelas empresas fica no fundo e é usado como forma de financiar a casa própria a juros mais baixos do que no mercado tradicional — para a classe média, o financiamento com funding da poupança também está mais difícil, desde que, por falta de recursos, a Caixa passou a exigir uma entrada maior nessa modalidade a partir deste mês.
Mudança no governo Bolsonaro
Na origem do Minha Casa, Minha Vida, não era permitido adquirir imóveis usados. Eles foram incluídos durante o governo de Jair Bolsonaro e mantidos por Luiz Inácio Lula da Silva na reformulação do programa, no ano passado, com ampliação do subsídio (desconto a fundo perdido dado no valor de entrada e na taxa de juros).
A ideia do governo Lula era dar vazão aos 11,4 milhões de unidades habitacionais vagas, segundo o Censo de 2022, e combater o déficit habitacional no país, estimado em 6,2 milhões de moradias.
Mas a opção fez mais sucesso do que o esperado. Em 2023, as moradias usadas representaram 29,32% de tudo que foi financiado com recursos do FGTS, mais do que o dobro de 2022 (13,25%), segundo dados do Ministério das Cidades. Em 2021, a participação tinha sido de apenas 6,25%.
A expansão foi verificada em todas as faixas do programa, mas a preferência pelos imóveis mais antigos foi maior quanto mais alta a renda. No Pró-Cotista, para a classe média alta, a fatia no ano passado foi de 65,41%. Enquanto na faixa 3 do MCMV (voltada para renda familiar entre R$ 4,4 mil a R$ 8 mil), foi de 38,72%.
Fechando a torneira
Diante dos números, já em 2023, o Ministério das Cidades, responsável pelo programa, decidiu fechar, aos poucos, a torneira para os imóveis mais antigos. A avaliação era de que a situação estava desbalanceada, com a aquisição de usados tomando muito espaço dentro do orçamento apertado do FGTS — algo que também incomodou o setor da construção.
Inicialmente, o governo reduziu o subsídio (desconto a fundo perdido ao público do MCMV) para os usados. Neste ano, porém, foram necessárias novas medidas em abril e agosto. A decisão foi privilegiar o acesso a usados às classes mais baixas, restringindo as condições para quem ganha mais de R$ 4,4 mil.
Agora, na faixa 3 do programa, a entrada mínima para compra de usados é de 50% para quem mora no Sul e Sudeste e 30% nas demais regiões. Além disso, o valor máximo do imóvel usado que pode ser financiado caiu de R$ 350 mil para R$ 270 mil. O governo ainda limitou o orçamento do fundo para compra de moradias antigas a R$ 13,3 bilhões. No Pró-Cotista, só podem financiar usados rendas inferiores a R$ 12 mil e com um valor de entrada mínimo de 50%.
Tombo
Dados da Caixa, principal operadora do Minha Casa, Minha Vida, mostram que a fatia de usados ainda é significativa este ano. O financiamento de usados soma R$ 21,1 bilhões no programa até outubro, ou 27,4% do total de crédito contratado com o banco (R$ 77,1 bilhões).
Esse percentual, porém, era de 31,2% até agosto, quando o governo decidiu apertar ainda mais as condições para compra dos imóveis mais antigos. Naquele mês, as concessões para compra de usados alcançaram R$ 2,8 bilhões, o maior valor desde o início de 2023. Foram 18 mil unidades habitacionais financiadas.
Já no mês seguinte, o baque foi grande, de 70%. Em outubro, as concessões somaram R$ 423 milhões (3.114 unidades) — um recuo ante agosto de 85%.
No Pró-Cotista, a redução foi ainda mais significativa. Começou a ficar evidente já em maio, quando entraram em vigor as primeiras restrições. O financiamento passou de R$ 263 milhões para R$ 5 milhões no período — redução de 98%. Em unidades, foi de 1.023 para apenas 29.
‘Equilíbrio’, diz ministro
Segundo o ministro das Cidades, Jader Filho, as restrições atuais buscam alcançar o equilíbrio na política habitacional e estão em permanente avaliação para possíveis afrouxamentos ou novos apertos, sempre mirando a saúde financeira do orçamento do FGTS.
A oferta de novos é considerada importante pelo ministro porque gera mais emprego e renda, retroalimentando o fundo. Por outro lado, o usado aumenta as opções para as famílias, principalmente em estados “periféricos”, onde o volume de lançamentos é pequeno em relação às demais localidades, de acordo com Jader Filho.
— Tem que equilibrar esse jogo. Mantendo os novos diante da questão do emprego, para economia girar. Por outro lado, não pode abrir mão dos imóveis usados. Porque, além de ser a única opção em alguns lugares, se concentrarmos só nos novos, os preços vão começar a subir por uma oferta menor que a demanda — disse o ministro ao GLOBO.
Sobrecarga do fundo
Para além da restrição maior na compra de usados, o orçamento do Pró-Cotista vem perdendo espaço dentro do FGTS, em um momento que poderia funcionar como alternativa para parcela da população que é afetada pela limitação nos financiamentos com recursos da poupança. No ano que vem, o orçamento para a modalidade, considerando novos e usados, será ainda menor, de R$ 3,3 bilhões, contra 5,5 bilhões este ano.
Segundo Jader Filho, se sobrar recursos, o governo vai avançar e facilitar as condições para o Pró-Cotista. Mas o ministro argumenta que é urgente uma discussão de toda a sociedade sobre as alternativas para financiamento imobiliário nas faixas de renda que não compõem o MCMV.
— Não podemos colocar todas as fichas no FGTS. O FGTS não dá conta de absorver toda a demanda que existe hoje no país. Precisamos discutir a questão habitacional — disse o ministro — Se não é o FGTS, qual é a alternativa que o Brasil tem hoje? O Brasil precisa da iniciativa privada e de toda a sociedade. Não é possível uma economia do tamanho da nossa depender só do FGTS.