Reza a lenda que os imóveis estão entre os investimentos preferidos do brasileiro. Apostando nisso, fintechs têm levantado recursos de pessoas físicas para emprestá-los a construtoras, com a promessa de retornos atrativos. São os chamados investimentos coletivos no setor imobiliário.
O modelo ainda é incomum, mas cresce. Foi inaugurado em 2015 pela Urbe.me, plataforma que concentra o maior volume de captações: R$ 49 milhões até o momento para 30 empreendimentos imobiliários. Desde então, outras fintechs se especializaram nesse tipo de investimento, entre elas a Expeer, a Glebba e a Cap.rate.
Conforme o modelo em que são estruturadas, essas empresas são reguladas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), no caso de “crowdfunding”, ou pelo Banco Central (BC), se for empréstimo entre pessoas, conhecido como “peer to peer”.
Ambos os tipos de plataforma conectam investidores em busca de diversificação de carteiras a incorporadoras que precisam de recursos para financiar seus projetos. As fintechs vieram para suprir uma demanda das construtoras: falta dinheiro no caixa para começar as obras. Para muitas empresas, estruturar títulos de dívidas como debêntures e Certificados de Recebíveis Imobiliários (cris) custa caro e conseguir financiamento no banco é difícil no início das construções, quando os empreendimentos não foram vendidos.
As plataformas se difundem diante da perspectiva de que o setor imobiliário vai entrar em um novo ciclo de crescimento. Apesar do desempenho frustrante da economia, os estoques das incorporadoras dão sinais de melhora e os lançamentos vêm sendo retomados, o que leva as empresas a buscar mais recursos.
Do outro lado, em um ambiente de taxa básica de juros na mínima histórica, há demanda de pequenos investidores por aplicações de maior risco, que deem retornos melhores. Os investimentos coletivos no setor imobiliário são mais uma alternativa para quem gosta de investir em imóveis e está disposto a encarar o risco.
“Queremos democratizar o investimento em imóveis e torná-lo acessível aos pequenos e médios investidores, que não têm grandes fortunas”, diz Danilo Ribeiro, sócio-fundador da Expeer.
Com R$ 1 mil, é possível investir em condomínios residenciais, empreendimentos comerciais e até bairros planejados. Os retornos podem ser consideravelmente mais altos que a Selic, hoje em 5,5% ao ano. Os investidores da primeira rodada de crowdfunding imobiliário, liquidada no Brasil no mês passado pela Urbe.me, tiveram rendimento de 18,7% ao ano.
Além do retorno atrativo, o investimento coletivo em imóveis permite ao pequeno investidor participar de um mercado que antes era mais restrito. No formato tradicional de investimento em incorporação imobiliária, o investimento mínimo é alto e o investidor precisa ter uma relação próxima com o incorporador.
O investimento coletivo em imóveis é diferente de um fundo imobiliário, porque o investidor aplica diretamente em um empreendimento e pode escolher o bairro ou a cidade. Já no fundo, é o gestor quem escolhe os vários empreendimentos que irão integrar a carteira dos cotistas.
Na plataforma, para acessar o portfólio de investimentos, o investidor primeiro precisa realizar o cadastro. Em seguida, escolhe o empreendimento e faz a reserva do investimento no valor desejado. A oferta fica disponível por algumas semanas, dependendo da necessidade de capital do incorporador e da disponibilidade de cotas de investimento na plataforma. Cada projeto tem um prazo, normalmente de até 36 meses, e uma expectativa de retorno com base no estudo de viabilidade.
Encerrada a rodada de captação, o investidor confirma o aporte e realiza a transferência do valor informado na reserva. A partir de então, há dois modelos jurídicos de estruturação dos contratos possíveis.
No crowdfunding imobiliário, o investidor firma um contrato diretamente com a incorporadora, por meio da plataforma, e passa a ter direito a uma participação sobre as vendas. Quanto maior o valor de vendas dentro do prazo previsto, maior a rentabilidade do investimento - e vice-versa.
Já no peer to peer, o investidor adquire um título de renda fixa emitido por um banco, que paga uma taxa prefixada no momento da aplicação. Esse título é um Certificado de Depósito Bancário (CDB) vinculado a uma dívida do empreendimento com o banco. Um contrato atrela essa operação às vendas do empreendimento. Ou seja, diferente de um CDB tradicional, quem assume o risco de crédito da operação é a incorporadora, e não o banco.
Algumas fintechs estão migrando do modelo de crowdfunding para o modelo de peer to peer, porque a CVM não permite que empresas que faturam acima de R$ 10 milhões ao ano captem via crowdfunding. A Instrução 588 da CVM, que regulamenta o investimento, foi feita pensando na captação de startups, não de gigantes do setor imobiliário. “Para o investidor final, na prática, há pouca diferença entre o crowdfunding imobiliário e o peer to peer”, explica Francisco Perez, head de investimento da Glebba.
As plataformas cobram uma taxa das incorporadoras pela intermediação. O investidor recebe sua remuneração líquida de tarifas. Para escolher os investimentos que estarão disponíveis nas plataformas, as fintechs analisam o balanço e o histórico das incorporadoras e a localização e o custo dos projetos. Então, um comitê avalia se o empreendimento será bem-sucedido nas vendas e dará o retorno esperado.
O risco do investimento está ligado à possibilidade de inadimplência da incorporadora. Se a empresa não quitar o empréstimo, porque quebrou ou não vendeu o empreendimento como esperava, o investidor pode ficar no prejuízo. O risco é semelhante ao que se tem ao comprar um imóvel na planta.
As fintechs só colocam nas plataformas os projetos em que acreditam, mas não garantem os rendimentos previstos. Cabe ao investidor analisar os relatórios disponibilizados e decidir se topa o risco. “Para facilitar a análise dos investidores, estamos desenvolvendo um sistema de classificação de risco das incorporadoras, baseado em indicadores financeiros”, conta Lucas Obino, sócio-fundador da Urbe.me.
Não é à toa que os retornos oferecidos são atrativos. É uma forma de as incorporadoras compensarem pelo risco da aplicação. Para especialistas em finanças, o investimento pode servir como forma de diversificação da carteira, especialmente para quem é entusiasta de fintechs e de novos investimentos. No entanto, fundos imobiliários podem ser mais atrativos.
“Esse tipo de investimento é mais arriscado do que fundo imobiliário e tem menos liquidez para o investidor sair na hora que quiser”, observa Gustavo Cunha, planejador financeiro e professor de finanças. Além disso, os fundos imobiliários têm três vantagens competitivas importantes: possibilitam diversificar os empreendimentos investidos, distribuem rendimentos periodicamente aos investidores e são isentos de Imposto de Renda.
“Esses novos investimentos em imóveis são para os investidores que aceitam o maior risco de todos e que não estão em busca de renda periódica”, alerta Arthur Vieira de Moraes, especialista em fundos imobiliários e professor de finanças. Vale lembrar que os fundos imobiliários estão em alta. Eles atingiram a marca de 1 milhão de investidores no primeiro semestre deste ano e encontraram um cenário fértil para crescimento. Em um cenário de juros baixos, investidores estão correndo para os imóveis para diversificar sua carteira.