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23/03/2020

Crise abre oportunidades para investir

Estresse abre oportunidades para horizontes de médio e longo prazos

A nova Selic em 3,75% ao ano e as ações e fundos imobiliários em queda livre nas últimas semanas deixaram o investidor numa encruzilhada: seguir o script da diversificação que tinha adotado antes do revés recente dos mercados ou voltar para alternativas mais conservadoras? Para gestores e especialistas em investimentos, o estresse generalizado abriu algumas frentes de alocação interessantes tanto na renda fixa quanto na variável. Mas o horizonte tem que ser de médio e longo prazo porque os preços ainda devem balançar e podem trazer perdas temporárias para as carteiras.

 

Em títulos de emissão bancária, o aplicador já encontrou taxas mais baixas desde quinta, após o novo corte da Selic, de 0,50 ponto percentual na véspera. No Tesouro Direto, porém, com a escalada da volatilidade, alguns ativos ficaram mais atrativos e há indicações para prefixados ou papéis atrelados à inflação. Na bolsa, é hora de privilegiar ações de empresas de maior qualidade e buscar casos de dividendos. O mesmo apelo vale para fundos imobiliários.

 

Embora haja pouca visibilidade sobre a extensão e duração da pandemia de covid-19 no Brasil, tomando-se como parâmetro a evolução da situação na China, a economia pode ter uma reação rápida, em “V”, a partir do segundo semestre, com recuperação dos ativos de risco, diz Leonardo Sapienza, gestor de fundos líquidos da BV Asset Management. No ano, as projeções preliminares para o PIB doméstico estão próximas de zero ou apontam até para uma pequena retração. Mas as medidas de estímulo monetário e fiscal podem acabar dando um suporte para a atividade, avalia.

 

É um momento que exige serenidade pois é inevitável ter perdas, diz o executivo. “É hora de ter um portfólio mais equilibrado, buscando um pouco mais de liquidez no curto prazo”, diz. “Existe a possibilidade de ativos de risco como bolsa, que caíram bastante, apresentarem recuperação rápida num segundo movimento. Todavia, vamos passar por um período ainda turbulento no curto prazo.”

 

Para quem tem liquidez e disposição para a tomada de risco, Sapienza diz que é preciso escolher muito bem os setores, privilegiar aqueles que podem se recuperar mais rapidamente e não ficar exposto aos que vão sofrer com o freio da atividade, tais como entretenimento e aviação.

A crise freou o otimismo pelo baque que vai representar na economia doméstica e mundial, mas a tese estrutural de longo prazo, de juros baixos e busca por ativos de maior potencial prevalece, diz Jerson Zalorenzi, responsável pela mesa de renda variável do BTG Pactual digital.

 

A orientação, agora, é privilegiar papéis de empresas de melhor qualidade, líderes em seus setores e com boa posição de caixa, àquelas mais dependentes da expansão do PIB, e que foram protagonistas em 2019. Na seleção indicada entram nomes como Bradesco, Itaú e B3, no setor financeiro; Vale e Suzano, ligadas a commodities; Localiza e Lojas Renner, mais relacionadas à atividade, além de companhias do setor elétrico, como Taesa e Transmissão Paulista, pelo chamariz dos dividendos.

“Muitas das líderes em seus setores ficaram descontadas com essa grande queda, então a estratégia foi voltar para papéis que a gente sempre gostou, mas que ficaram esquecidos no ano passado pela recuperação econômica”, diz. “Boas empresas continuarão sendo boas e, eventualmente, podem sair da crise até melhor pela seleção natural dentro dos respectivos setores.”

 

Com a Selic baixa, a tese de dividendos também tende a ganhar peso nos portfólios, prossegue Zalorenzi. Entre as ações sugeridas no setor elétrico há um “dividend yield” projetado entre 9% e 10%, bem acima do CDI. “Empresas de transmissão estão num business mais consolidado, com receitas recorrentes.”

Mesmo que os bancos sintam diretamente os efeitos estruturais dos juros nos spreads, o executivo espera que em algum momento, talvez a partir do segundo semestre, a atividade de mercado de capitais seja retomada e compense um pouco a perda de margem no crédito. “O preço das ações caiu mais do que o lucro deve ser impactado.”

Ele ressalta, porém, que é recomendável que o investidor faça a alocação com parcimônia, porque o mercado ainda pode piorar antes de melhorar. “Estamos confiantes na tese, mas o timing é um pouco mais nebuloso. Tem uma chance rápida de recuperação, não quero ficar de fora, mas tem que ser gradual.”

 

Mesmo com a bolsa relativamente barata ainda não é o momento de aumentar o risco e sair comprando, diz Enrico Cozzolino, analista do Banco Daycoval. “Quando você olha o preço de tela em relação ao valor patrimonial, algumas ações chamam a atenção, mas não necessariamente são oportunidades porque há muita incerteza”, afirma. “Não é porque o Ibovespa já caiu para o nível de 68 mil pontos que não pode ir para 58 mil.”

Ele cita que, diferentemente da crise de 2008, engatilhada pelas hipotecas de alto risco e quebra do Lehman Brothers, na turbulência atual a injeção de liquidez pode não ter o resultado esperado por se tratar de uma questão de saúde pública de dimensões globais. “O remédio usado lá atrás, talvez não faça efeito agora. A redução das taxas de juros, a política monetária, há algum tempo não têm estimulado a economia, não trazem a certeza de retomada.”

 

Para o analista, na hora que a volatilidade baixar, o investidor terá mais clareza e maior previsibilidade para os ativos. “Daí sim, estará diante de uma grande oportunidade, como em outras crises. Com os sistemas se reestruturando, as companhias ficando menos alavancadas e mais eficientes num horizonte de longo prazo mesmo.”

 

A redução adicional da Selic faz com que carteiras com foco em dividendos, em ações ou fundos imobiliários, ganhem atratividade, afirma Marcos Lyra, gestor da Daycoval Investimentos. A seu ver, algumas cotas de fundos foram infladas no ano passado, mas após a correção recente devem começar a aparecer barganhas. “Os inquilinos podem deixar de pagar aluguel de lajes corporativas, de galpões logísticos, mas em cinco, seis meses voltam”, diz. “Por trás tem tijolo, se bem localizado e tiver boa administração, faz sentido.”

Ele cita que alguns portfólios que estavam pagando retorno de 8%, agora projeta-se 12%. Mesmo comparando-se com as Notas do Tesouro Nacional série B (NTB-B) com vencimento em 2050, como na distribuição de dividendos dos fundos imobiliários não incide o Imposto de Renda, é o tipo de ativo que vai atrair fluxo novamente.

 

Pela falta de liquidez, a porta de saída dos fundos imobiliários ficou estreita, destacava James Gulbradsen, sócio-gestor da americana NCH Capital no Brasil, numa conferência na internet do escritório InvestSmart, ligado à XP, na semana passada.

“Estou um pouco cauteloso com fundos de tijolo porque mesmo com juros caindo agora tem a questão macroeconômica, de como vai ser a economia e o quanto antes parar [a epidemia da covid-19], melhor porque os fundos dependem da atividade comercial. Cada um depende do valuation que o investidor pagou e da experiência do gestor.” Ele disse preferir os portfólios de papéis, mais sensíveis à curva de juros e um pouco menos às questões macro.

FONTE: VALOR ECONôMICO