As gestoras de fundos de investimento deverão acelerar o processo de consolidação do setor no Brasil nos próximos anos, segundo avaliação de participantes do mercado. Esse movimento é estimulado pelo cenário de crise, que levou a uma retirada de recursos dos fundos para portos mais "seguros", como ativos de renda fixa, nos últimos anos. Mas há também um novo ingrediente a ser considerado nessa tendência. Trata-se da instrução nº 558 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que dispõe sobre o exercício profissional de administração de carteiras de valores mobiliários. Editada em 2015, a norma passará a valer a partir de 30 de junho, quando termina o prazo para que gestores e administradores entreguem os documentos para se enquadrar à nova regra. Quem não se adaptar poderá ter a autorização para operar cancelada pela CVM.
Um dos principais pontos da instrução nº 558 é a exigência de que gestores e administradores passem a apresentar formulário de referência, à semelhança do que é exigido das empresas de capital aberto listadas em bolsa. A exigência gerou críticas. "Uma coisa é uma empresa aberta, outra é um gestor abrir [para o mercado] como são seus processos, o percentual de taxa de administração que compõe a receita, o número de pessoas na equipe, questões de tecnologia, disse um gestor que preferiu não ser identificado.
Ele avaliou, porém, que chegou-se a um denominador comum entre os interesses dos gestores e o regulador após a CVM ter realizado uma audiência pública sobre a instrução nº 558. Sócio de uma grande gestora afirmou que a consolidação é uma tendência porque para quem é pequeno vai ficar cada vez mais difícil operar sob a nova a regulação. "Talvez alguns players não voltem mais para esse mercado e vários vão deixar de existir. Daí que haverá consolidação e cada vez mais especialização no setor", disse o gestor.
Daniel Maeda, superintendente de relações com investidores institucionais da CVM, disse que o objetivo da instrução nº 558 foi dar informações detalhadas aos investidores sobre como as gestoras funcionam. O normativo busca dar clareza e transparência ao mercado. As exigências sobre compliance, por exemplo, passam a ter um capítulo na nova norma enquanto na anterior o tema era resumido em um parágrafo. Pelo lado da transparência, a principal demanda é a apresentação do formulário de referência por administradores e gestores. "Alguma contribuição da [instrução 558] para a consolidação do mercado [de gestoras] pode haver, mas a grande variável nesse processo é o cenário de mercado", disse Maeda.
Dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) indicam que no atual cenário alguns tipos de fundos vêm tendo perdas. Os fundos de investimento em ações, por exemplo, tinham patrimônio líquido consolidado de R$ 149,3 bilhões em abril deste ano, uma queda de cerca de 50% em relação ao pico de R$ 299,2 bilhões de dezembro de 2007. Essas carteiras tiveram resgates líquidos de R$ 5,3 bilhões em abril. Nos multimercados, o patrimônio líquido fechou abril com R$ 598,9 bilhões, um recuo de 2% sobre os R$ 610 bilhões de dezembro de 2015. Esses portfólios perderam R$ 7,5 bilhões em abril.
Maeda, da CVM, afirmou que a crise econômica dificulta a entrada de novos participantes no mercado uma vez que nesse cenário há uma aversão natural a riscos. "Os investidores preferem ficar no básico [aplicações mais conservadoras], não querem correr riscos novos", disse Maeda.
Pedro Rudge, sócio da Leblon Equities, considera que o cenário de crise e a instrução nº 558 são fatores que vão estimular a consolidação no setor uma vez que deve ficar mais custoso para as gestoras operarem, sobretudo as pequenas. Mas a consolidação não é um movimento simples. "Como as 'assets' integram um setor de prestação de serviços, às vezes não é tão fácil juntar duas empresas. Tem que ser um movimento bem pensado para se criar valor", disse.
A Bozano Investimentos, com ativos sob gestão de R$ 3,7 bilhões, fez vários movimentos recentes de consolidação. Hoje a Bozano é uma holding que reúne cinco gestoras que mantiveram suas competências, como fundos macro, em ações, renda fixa e private equity. "A situação é propicia para encontrar novos parceiros, inclusive com empresas menores se juntando para poder ganhar escala e reduzir custos", disse Celso Scaramuzza, sócio da Bozano Investimentos. Ele reconheceu, porém, que o movimento de consolidação não é fácil porque sempre esbarra em aspectos culturais, como objetivos de curto e longo prazos.
Scaramuzza avaliou que a instrução nº 558 da CVM será um fator a mais da reorganização das gestoras de recursos. A consolidação virá mais, na visão dele, pela conjunção do estreitamento do mercado - como resultado da crise - e do crescimento no número de gestoras nos últimos anos no Brasil.
Maeda, da CVM, estimou que o mercado de fundos deve ter hoje 90 administradores e mais de 1 mil gestores. Faltando menos de um mês para a adaptação do setor à nova regulação, o número de participantes do mercado que cumpriu a instrução não passa de algumas dezenas.
A adaptação se dará no momento em que o administrador e o gestor entregarem o formulário de referência à CVM. A partir de 1º de julho, a CVM vai começar a fazer uma supervisão para verificar se os agentes se enquadraram aos requisitos do regulador. Quem não se adaptar estará sujeito ao cancelamento do registro, disse Maeda.