As mudanças no dia a dia das empresas devido à disseminação do novo coronavírus têm levado ocupantes a pleitear junto a proprietários de escritórios comerciais de São Paulo - maior mercado imobiliário do país - descontos de aluguel e prazos de carência para pagamento. “Em geral, a empresa manda uma carta padrão informando que, tendo em vista a pandemia de covid-19, solicita ‘...’ meses de desconto no pagamento”, conta um sócio de gestora de fundo imobiliário proprietária de escritórios comerciais. Pedidos estão sendo avaliados, caso a caso, e já se desenha diversas formas de ressarcimento dos donos de imóveis para as situações em que a análise resultar na concessão solicitada. Na média, as solicitações se referem a três meses de carência total ou desconto de 50% do pagamento de aluguel.
“Trata-se de dívida que será paga em algum momento”, afirma o vice-presidente da consultoria CBRE, Adriano Sartori. Segundo ele, entre as possibilidades consideradas, estão o pagamento do valor abatido da locação, no fim da crise, ou até o fim do ano. É possível também que o desconto seja pago com correção pela inflação quando o contrato se encerrar. Conforme a presidente da consultoria Newmark Knight Frank, Marina Cury, a isenção de três meses de aluguel pode ser ressarcida pela diluição do valor equivalente nos meses seguintes, o que significa aumento do preço de locação para compensar a concessão. Outro modelo, segundo ela, seria a ampliação do contrato de aluguel por mais três meses.
O setor da empresa locatária encabeça a lista dos pontos levados em conta por proprietários para avaliar a necessidade de revisão temporária das condições de locação. Donos de escritórios tendem a ser mais flexíveis com setores afetados, diretamente, pela quarentena, como o de aviação e de turismo. Já concessões a empresas que estão vendendo mais produtos, no cenário atual, como as de comércio eletrônico e do ramo farmacêutico, ou que estão dando continuidade às atividades por meio da internet, como as de educação, são bem mais difíceis. “Há um certo abuso nos pedidos”, diz o sócio do fundo imobiliário.
Na avaliação de Marina, quem atua em serviços essenciais não precisa pedir redução de aluguel, e “bom senso” tem de ser a “palavra do mercado”. “Cada negociação tem uma particularidade. Tentamos escutar os dois lados e buscar o equilíbrio”, diz a diretora de representação de ocupantes da consultoria JLL para o segmento de escritórios, Monica Lee.
Em geral, os donos de escritórios têm pedido que as ocupantes que demandam postergação de pagamentos de aluguel ou descontos dos valores apresentem seus balanços e demonstrem que estão sendo afetadas pela crise atual. “Também são considerados fatores como se o inquilino é bom pagador e se tem uma relação de longo prazo com o proprietário”, diz Sartori. A presidente da Newmark ressalta que proprietários não querem perder inquilinos “em um momento tão incerto como este”. “Ficar com o escritório fechado agora é pior do que em 2014 e 2015, quando havia fatos que nos levavam a acreditar que o mercado ia reverter”, compara Marina.
A diretora da JLL conta que alguns clientes têm pedido antecipação das revisionais - mecanismo que ocorre a cada três anos para busca de equilíbrio entre o preço de locação de um imóvel comercial e o valor de mercado.
Segundo o presidente da Cyrela Commercial Properties (CCP), Pedro Daltro, as solicitações de negociação de aluguéis ainda são pontuais entre os locatários dos imóveis da companhia, e não houve revisionais desde o início da pandemia. “Todo mundo está lidando, no momento, com problemas maiores do que o aluguel, que não é tão representativo para ocupantes de escritórios”, diz Daltro.
O executivo conta que a CCP analisa os pedidos, caso a caso, avaliando se há impacto da crise no negócio da ocupante, mas ainda não foi fechado nenhum acordo. Conforme Daltro, os ocupantes dos escritórios da CCP são “grandes empresas com acesso a mercado”. Cerca de 90% dos escritórios do portfólio da empresa de propriedades comerciais, em São Paulo, está na Faria Lima, na Juscelino Kubitschek e no Itaim Bibi - áreas nobres e com baixa vacância do segmento.
Ainda que não esteja havendo devoluções de áreas, a ocupação efetiva dos escritórios teve queda expressiva, nas últimas semanas, no mercado paulistano, como consequência das ações para evitar maior propagação do coronavírus. A ampliação do chamado “home office” tem resultado em reflexões de participantes do segmento de escritórios sobre a real necessidade de uso de espaços e pode afetar a área ocupada no pós-crise. “Muitas empresas já ofereciam a possibilidade de ‘home office’ uma vez por semana. Será que esse tempo não vai ser maior depois da crise?”, questiona a presidente da Newmark. A diretora da JLL diz que cada empresa vai avaliar qual a parcela ideal de “home office” para seus empregados e cita que já havia um movimento de empresas oferecerem aos funcionários estações de trabalho não dedicadas. “O escritório pode passar a ser visto como um local de encontro dos profissionais”, diz Monica.
Segundo Marina, a realização de demissões por parte das empresas também pode resultar em necessidade de ocupação de espaços menores.
Por enquanto, a maior parte das empresas que já tinham dado início ao processo de busca de áreas mantém as conversas, de acordo com Sartori. Levantamento da CBRE aponta que, das empresas com negociações de escritórios intermediadas pela consultoria, 65% continuam demandando espaços, 25% estão em compasso de espera, e 10% postergaram as conversas indefinidamente. Antes do início da crise, 75% das demandas por áreas se referiam a crescimento.
Conforme o vice-presidente da CBRE, o desempenho do mercado de escritórios foi “excepcional”, em São Paulo, no primeiro trimestre. De janeiro a março, a absorção bruta aumentou 19%, na comparação anual, para 215 mil metros quadrados, e a taxa de vacância fechou o período em 13,5%. A absorção líquida - contratações menos devoluções de espaços - cresceu 93%, para 81 mil metros quadrados, uma das maiores da série histórica dos últimos 40 anos. Para o segundo trimestre, a expectativa de Sartori é de “cenário mais neutro”, a não ser que ocupantes devolvam áreas e rescindam contratos. O executivo espera continuidade da absorção de espaços, ainda que em menor quantidade e pequeno volume de entregas.