A Mérito Investimentos e a corretora Planner vão apresentar um recurso na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) contra a suspensão das negociações das cotas do fundo imobiliário Mérito Desenvolvimento Imobiliário, imposta ontem pela autarquia. Segundo a CVM, o fundo, administrado pela Planner e gerido pela Mérito, tem agido de forma irregular e a sua atuação se assemelha a de uma pirâmide financeira, com indícios de fraude.
O diretor da Mérito, Alexandre Despontin, disse ao Valor que vai tentar reverter a decisão. "Ficamos perplexos com o comunicado. A forma como o fundo é gerido é a mesma desde 2013. Já houve outras duas ofertas, e a terceira e a quarta emissões foram aprovadas pela CVM. Não é algo novo, sempre existiu e está em contrato. Vamos recorrer", afirmou.
Na visão de Despontin, suspender as negociações foi um evento inédito da CVM e causa prejuízo aos 8 mil cotistas do fundo, que tem patrimônio de R$ 230 milhões e mais de 20 empreendimentos em sua carteira.
"Até esta data, a Planner e a Mérito Investimentos não haviam sido formalmente comunicadas pela CVM a respeito de quaisquer irregularidades, e ressalvam que todo e qualquer esclarecimento solicitado pela autarquia foi devidamente atendido", diz comunicado enviado aos cotistas. Segundo o documento, a deliberação da CVM, sem dar o devido direito de contraditório às partes envolvidas, contém termos vagos, como "aparentemente" ou "indícios".
O comunicado da Planner e da Mérito Investimentos diz que as casas trabalham conjuntamente para reverter o mais rápido possível a decisão da CVM e que o fundo permanece em funcionamento normal. "Até a reversão da decisão, o fundo não investirá, direta ou indiretamente, em novos empreendimentos, ressalvados os compromissos assumidos até esta data", acrescenta.
A deliberação 795 da CVM faz acusações duras ao fundo. Para a autarquia, o valor da taxa de ingresso é reconhecido como receita, o que viabiliza o pagamento de rendimentos em patamar elevado, "incompatível com os investimentos realizados e gera uma crescente necessidade de atração de novos cotistas".
O órgão aponta ainda problemas que vão além da remuneração artificial. O documento diz haver "indícios de irregularidades da avaliação dos ativos e contabilização de receitas, e indícios de gestão fraudulenta da carteira do fundo, inclusive com a realização de investimentos em desconformidade com o disposto no art. 45, da Instrução CVM 472/2008".
"Estruturamos a taxa de ingresso para funcionar como se fosse um prêmio em que novos entrantes estariam pagando pelo histórico do fundo, ela reflete o valor que os cotistas estão comprando no mercado secundário. A taxa de ingresso não existe para gerar um resultado", afirmou o diretor da Mérito. Ele acrescentou que mesmo sem considerar a taxa de ingresso como receita, o fundo continuaria tendo os resultados que vem apresentando.
Despontin afirmou que no ano passado a cota do fundo era de cerca de R$ 110 e os cotistas deliberaram uma taxa de ingresso de 10%, um patamar próximo ao valor negociado em mercado. "A assembleia de ontem elevou para 20%, valor próximo ao mercado secundário. Os cotistas não aceitariam um valor diferente."
Um representante do mercado que preferiu não se identificar, porém, diz não ser praxe do segmento cobrar taxa de ingresso para evitar diluição de cotistas. "Não faz sentido emitir uma cota a R$ 100, se o valor no mercado secundário é superior. Para não diluir os cotistas, o melhor é fazer a emissão com o valor atual da cota [R$ 120, no caso do Mérito FII]", explicou a fonte.
Conforme o especialista, embora a taxa de ingresso seja algo normal, ainda que pouco utilizada, o patamar de 20% é inédito. "Em geral, as taxas ficam entre 1% a 5%".
Na assembleia de terça-feira, para aprovar nova emissão de R$ 225 milhões, com taxa de ingresso de 20%, participaram 8 pessoas, representantes de 9% do patrimônio. Para o diretor da Mérito, por ser uma base pulverizada, o quórum pode ser considerado alto. Sobre as alegações de fraude da CVM, Despontin disse que "não temos indícios para dizer o que a CVM está indicando serem operações fraudulentas. Não conseguimos identificar o que seria".
Para uma segunda fonte que pediu para permanecer anônima, o comportamento crescente da taxa de ingresso - no início não era cobrada, passou para 8% e chegou a 20% - e o fato dessa receita ser usada para pagar os rendimentos "dão uma cara muito forte" de pirâmide para a estrutura.
De fato, embora o Mérito Desenvolvimento Imobiliário I ainda tenha a maior parte dos ativos em obras ou em pré-lançamento, o fundo tem pagado dividendos mensais com regularidade e constância. O portfólio retornou R$ 1,17 por cota mensalmente entre abril de 2016 e dezembro de 2017. Neste ano, de janeiro a julho, a distribuição de proventos passou a ser de R$ 1,18.
Outra fonte especializada em alocação em ativos imobiliários, que também não quis ser identificada, afirma estranhar esse pagamento que se assemelha a uma renda garantida. "É um fundo de desenvolvimento, investe em projetos desde o início, ou seja, em geral, fica períodos sem gerar dividendos nos estágios iniciais de uma incorporação."
A fonte também observa que a estratégia de usar uma alta taxa de ingresso leva a um aumento de remuneração por performance. Nessa fórmula, o fundo paga 20% sobre o excedente de 100% do CDI. Há, pelo menos, cinco anos o fundo apresenta rentabilidade superior ao referencial. Em 2018, o retorno médio alcança 263% em relação ao "benchmark", mas chegou a 297% em fevereiro. No informe mensal de junho, o montante a ser pago por performance correspondia a mais de R$ 1,9 milhão. No mês anterior, foi de R$ 1,6 milhão.