Para os analistas consultados pelo Valor, Cyrela e Cury apresentaram os melhores resultados no terceiro trimestre, entre as incorporadoras de capital aberto. A primeira atuando principalmente na média e alta renda, enquanto a segunda se concentra em imóveis do programa Casa Verde e Amarela (CVA) e logo acima dele, elas reportaram aumento de lançamentos, vendas, margem bruta e lucro líquido na comparação anual.
Companhias dos dois segmentos compartilham alguns problemas, como o patamar elevado dos custos para construir, mas de formas diferentes. Na baixa renda, o cimento tem um peso maior no custo total de obra, pelo uso de paredes de concreto. Como explica Bruno Mendonça, analista do Bradesco BBI, enquanto para empresas de média e alta renda o cimento representa de 6% a 8% do valor da obra, nas do segmento popular isso sobe para 15% a 20%.
A estabilização ou queda no preço de outros insumos, no entanto, ajudou a balancear o cimento. O Índice Nacional do Custo da Construção (INCC) fechou o terceiro trimestre com variação de 1,59%, ante 5,17% no segundo.
Ainda assim, algumas incorporadoras sofreram, caso da MRV e da Tenda, que teve o balanço classificado como destaque negativo.
A MRV aproveitou o balanço para explicar a queima de caixa de R$ 1,2 bilhão no trimestre, majoritariamente vinda da Resia, sua subsidiária americana. Para Mendonça, foi bem-sucedida. “Quando param para explicar o cronograma de desembolso, não tem nada fora do esperado”, diz.
A preocupação do mercado agora é se a companhia conseguirá seguir vendendo, e com boas margens, seus empreendimentos nos Estados Unidos. O país passa por momento de juros altos, que diminuem o interesse dos investidores.
A operação nacional, voltada para o CVA, ainda teve queda de margem, mas o analista afirma que a companhia pode ter atingido seu “fundo” no trimestre, com perspectivas de melhora daqui para a frente. A margem de novas vendas, por exemplo, subiu de 25% para 28% entre junho e setembro.
Há otimismo para o segmento de baixa renda, tido como favorito pelos analistas do Citi. Como explica Hugo Grassi, da equipe do banco, o novo governo vai assumir o país já com o CVA em condições melhores, com orçamento de R$ 9,5 bilhões vindo do FGTS, R$ 1 bilhão a mais do que neste ano, e as atualizações feitas em 2022.
Há expectativa de que o governo dê mais atenção para a faixa inicial do programa, mas os analistas ainda se dividem sobre o impacto que isso traria às empresas listadas. “O setor é meio cético, não vai querer atuar [na faixa 1], mas vamos ver, ainda tem muita retórica e pouca coisa concreta”, diz André Mazini, também analista do Citi.
Na média e alta renda, as prévias operacionais tinham mostrado resultados de vendas e lançamentos melhores do que o esperado, dadas as condições de juros e inflação, mas incorporadoras relataram que vender está mais difícil.
Algumas já optaram por reduzir o ritmo de lançamentos para não aumentar demais o estoque, caso da Trisul, da Mitre e da Even.
A expressão “trabalhar o estoque”, tentar favorecer a venda de unidades em construção ou prontas, começa a ser mais ouvida, diz Mendonça, enquanto até o ano passado havia um consenso sobre a falta de oferta de unidades de médio e alto padrão no mercado, pontua o analista.
Para realizar essas vendas, será mais comum ver eventos promocionais das incorporadoras, diz Gustavo Cambaúva, sócio e analista do BTG Pactual, com condições como pagamento do condomínio por alguns meses, chegando até a descontos reais no preço das unidades. “Vai acontecer de alguma maneira, a dúvida é se em maior ou menor grau, e aí depende de como vai estar a economia”, afirma.
Para Fanny Oreng, head de real estate do Santander, lançamentos que seguem com boa performance de vendas são aqueles que foram muito pensados para o momento. “O mercado não está super bom, mas projetos bons, bem lançados e com preço correto têm tendência de desempenhar muito bem.”
Conforme se aproximam as entregas das unidades lançadas no auge da pandemia, que teve boom do setor de média e alta renda, essa seletividade tende a aumentar. Isso porque é no momento do repasse do financiamento aos bancos que podem aumentar os distratos e o estoque das empresas.
No caminho da média e alta renda, os analistas afirmam também ser provável um aumento na taxa do crédito imobiliário, hoje perto de 10% ao ano mais TR. Na Caixa, fica entre 8,8% e 8,99%. “Se a história é guia, quando muda o governo a Caixa se sente mais livre para subir juros”, diz Mazini.
Se o banco estatal não fizer a elevação e, para não perderem espaço no mercado, as instituições privadas a acompanharem, devem se tornar mais seletivas na concessão de crédito, alerta Cambaúva.
Taxas mais elevadas inibem a compra do imóvel e atrapalham o repasse das unidades quando são entregues. Por isso, diz o analista do BTG, há incorporadoras já se antecipando e procurando fazer o repasse dos imóveis quando faltam de 3 a 6 meses para a entrega, para garantir as taxas atuais.
Matéria puiblicada em 17/11/2022