Naiana Oscar
Em crise. Nos últimos três anos e meio, a incorporadora da família Rossi acumulou prejuízos maiores do que o montante que lucrou desde a abertura de capital, em 1997; endividada, a empresa passa por uma reestruturação, conduzida por um dos sócios-fundadores
Dez anos antes do frenesi que levou as incorporadoras imobiliárias para a bolsa de valores, em 2007, a Rossi já estava lá. Foi a primeira empresa do setor a abrir o capital. Das que sobreviveram, também foi a primeira a se aventurar por boa parte do território brasileiro, instalando canteiros de obras de Porto Alegre a Manaus. Quando o financiamento imobiliário praticamente não existia, ela decidiu financiar seus próprios clientes com um plano que revolucionou o mercado na época. Era arrojada e tentava inovar com projetos modernos, quando o estilo neoclássico tomava conta da paisagem. O prestígio que a Cyrela, maior incorporadora do País, tem hoje, estava nas mãos da Rossi na década de 90. Se uma empresa pudesse viver do passado, ela hoje estaria muito bem, obrigado.
Mas, nos últimos anos, a incorporadora fundada pelos irmãos João e Edmundo Rossi percorreu o caminho contrário. Os R$ 661 milhões que a empresa lucrou entre 1997 e 2011, viraram pó nos últimos três anos e meio, quando teve um prejuízo acumulado de R$ 938 milhões.
A dívida também cresceu. No momento em que o setor estava cheio de dinheiro e de crédito, pressionado pelos investidores a explorar novas praças, comprar terrenos e expandir, a empresa multiplicou sua dívida por 13: de R$ 241 milhões, em 2009, para R$ 3,1 bilhões, 2012.
Na Bolsa, as ações da Rossi valem R$ 0,91. Só não estão mais baratas que as da Viver, que há um ano vem liquidando suas operações e se tornando quase invisível no mercado. Entre os analistas de corretoras que acompanham a companhia, a Rossi despertou, neste ano, tanta preocupação quanto a PDG, que deixou o topo do ranking de maior incorporadora do setor, em 2011, para liderar a lista de endividamento.
“Essas empresas valem na Bolsa menos da metade do que devem para os bancos”, diz um analista. “Hoje, elas estão nas mãos dessas instituições financeiras.” No caso da Rossi, o maior credor é o Bradesco.
Reduzir o endividamento passou a ser a prioridade da companhia. Em agosto, depois de tentar levantar dinheiro com fundos de investimento, entre eles os gringos Cerberus e Blackstone, João Rossi assinou contrato com duas assessorias financeiras, uma delas, a RK Partners, de Ricardo Knoepfelmacher, especializada em reestruturação de dívida, e a Maxcap Real Estate, do executivo José Paim. De certa forma, foi uma maneira de a família Rossi se agarrar ao passado.
Quando começou a construir prédios residenciais na década de 80, o grupo tinha uma dezena de outros negócios mais importantes do que esse em seu portfólio, como a Engemix, uma das maiores empresa de cimento do País, e a empreiteira Engevix, ambas vendidas para outros grupos. Até uma fábrica de calçados em Franca (SP) pertencia aos Rossi. Com tanta coisa para cuidar, a família “terceirizou” a administração da incorporadora para um ambicioso engenheiro de 27 anos, que logo virou sócio minoritário.
Como o negócio imobiliário, no início, era secundário para os irmãos João e Edmundo, logo o engenheiro foi deslocado para Franca, com a missão de reestruturar a fábrica de calçados e vendê-la. De volta a São Paulo, ele decidiu transferir os conceitos da indústria para a construção de imóveis, com projetos replicáveis de prédios residenciais para a classe média baixa. Estava criado o Plano 100, pelo qual a Rossi até hoje é conhecida no setor. A engenharia financeira por trás dele, que permitiu o financiamento direto dos clientes, foi feita à mão pelo tal engenheiro: José Paim.
O sucesso do Plano 100 levou a companhia à bolsa de valores e tornou o segmento residencial o mais relevante para a família. Em 1997, a empresa valia R$ 154 milhões – quase o dobro do que vale hoje. Três anos após a abertura de capital, Paim deixou a Rossi para ter seus próprios negócios no setor imobiliário, entre eles a incorporadora Max Haus, com conceito de arquitetura aberta, sem planta definida. Embora também esteja sofrendo com o desaquecimento do mercado, a Max Haus é considerada um caso bem sucedido no mercado – ao contrário da Ecoesfera, outro investimento de Paim com o banco Merrill Lynch, que vendia prédios sustentáveis e acabou virando um mico.
Ao todo, foram quase 15 anos longe da Rossi. O interesse de fundos de investimento estrangeiros por empresas do mercado imobiliário em dificuldade o reaproximou da incorporadora no início deste ano. Paim e Ricardo K. tentaram negociar a entrada do fundo Cerberus na empresa, mas o interesse dos gringos diminuiu com o agravamento da crise política no País – um problema para a família Rossi, que já havia decidido não fazer novos aportes de capital na companhia. O último, de R$ 200 milhões, foi em 2012.
As consultorias de Paim e de K., conhecido por ter participado da reestruturação das empresas de Eike Batista e de algumas empreiteiras envolvidas na Lava Jato, assinaram um contrato de dois anos com a Rossi, com a condição de receberem uma comissão parruda ao fim desse período em cima da valorização da empresa. “Eu voltei porque vi de fato uma oportunidade de fazer a empresa ser tão rentável quanto ela já foi um dia”, diz o executivo da Max Cap. “A Rossi não vai quebrar, nem vai entrar em recuperação judicial.”