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09/10/2024

Declínio da população agrava crise no mercado imobiliário da China (Valor Econômico)

Estimativas apontam que o país pode ter 90 milhões de casas vazias, o que seria suficiente para abrigar toda a população do Brasil

O colapso do mercado imobiliário chinês deixou dezenas de milhões de unidades habitacionais vazias. Agora, esse excesso histórico de imóveis desocupados é agravado com o declínio da população da China, que pode deixar cidades com um excesso de casas que talvez nunca tenham moradores. O país pode ter até 90 milhões de unidades habitacionais vazias. Considerando três pessoas por domicílio, isso seria suficiente para abrigar toda população do Brasil.

 

Ocupar essas casas já seria difícil se a população da China estivesse crescendo. Mas, por causa da política de filho único do país, espera-se que a população chinesa caia em 204 milhões de pessoas nos próximos 30 anos. “Não há pessoas suficientes para encher essas casas”, disse Tianlei Huang, pesquisador do Peterson Institute for International Economics.

 

Em grandes cidades como Pequim e Xangai é praticamente certo que se conseguirá absorver seu excesso de moradias, dadas suas economias dinâmicas e o fluxo de migrantes, que ajudam a manter o crescimento populacional.

É um problema demográfico. Cidades fantasmas continuarão sendo fantasmas”

 

— Tianlei Huang

O problema é muito mais difícil de resolver em cidades menores, que muitas vezes têm perspectivas econômicas mais fracas e populações em declínio. Os jovens estão indo embora. Pelo menos 60% das cidades menores da China viram suas populações encolherem de 2020 a 2023, segundo cálculos com base em dados oficiais.

Essas cidades possuem mais de 60% do estoque de habitação da China, segundo Kenneth Rogoff, professor de economia de Harvard. Muitas encorajaram as empresas a construir mais - mesmo quando suas populações estavam diminuindo - porque as vendas de terras e a construção impulsionavam o crescimento econômico e aumentavam os cofres dos governos locais.

 

Pequim recentemente aumentou as medidas para apoiar a economia debilitada e o mercado imobiliário, incluindo corte nas taxas de juros, redução no valor da entrada para a compra de uma segunda casa e a permissão para que os compradores refinanciem seus empréstimos imobiliários. No entanto, os economistas disseram que é necessário mais para tirar a economia da China da estagnação.

 

O Ministério da Habitação e Desenvolvimento Urbano e Rural da China e o Escritório de Informação do Conselho de Estado foram consultados, mas não responderam às perguntas.

 

Robin Xing, economista-chefe da China no Morgan Stanley, disse que o governo chinês deveria introduzir medidas mais abrangentes que envolvam a compra do excesso de imóveis vazios nas 30 a 50 maiores cidades da China e transformá-los em habitação pública, sem se preocupar com o lucro. Custo estimado: US$ 420 bilhões.

Isso não incluiria as casas vazias nas cidades chinesas menores. Muitos economistas dizem que não faria sentido investir mais nessas unidades, pois não há pessoas para morar nelas. Muitas se tornarão um fardo de longo prazo para cidades. Algumas simplesmente se deteriorarão, dizem os economistas.

 

A preço de banana. O State Guest Mansions, um empreendimento abandonado nos arredores de Shenyang, uma cidade no nordeste da China, dá uma ideia de como isso poderia ser. A construção parou há anos, com mais de 100 vilas inacabadas no estilo de grandes casas europeias.

 

Durante uma visita recente, cabras perambulavam pelo complexo. Grandeur Place, o edifício que costumava abrigar o showroom de vendas, parecia uma casa de ópera pós-apocalíptica, com um lustre dilapidado pendurado no teto. Ainda não está claro o que será feito com o complexo, cuja construtora se encontra inadimplente.

 

Shenyang, pelo menos, tem uma população crescente. Em Hegang, uma cidade fria perto da fronteira da China com a Rússia, a população diminuiu de 1,09 milhão, em 2010, para 940 mil.

Alguns anos atrás, quando o mercado de Hegang estava aquecido, mensagens online exaltavam os imóveis, que para muitos estavam “a preço de banana”.

 

Agora os preços estão ainda mais baixos, segundo um corretor de imóveis online, e as vendas estagnaram. O estoque de casas não vendidas de Hegang mais que dobrou de 2019 a 2022. Considerando um tamanho típico de casa em torno de 110 m2 - a média na China, segundo o censo de 2020 -, apenas 534 casas residenciais em Hegang foram vendidas em 2022, de acordo com dados oficiais sobre a metragem total de imóveis residenciais vendidos. Um apartamento de 60 m2 no centro da cidade foi recentemente listado por pouco menos de US$ 9,3 mil. O governo de Hegang não respondeu aos pedidos de comentários.

 

Rogoff, professor de Harvard, disse que acredita que haverá algumas cidades na China onde um quarto dos imóveis residenciais ficarão vazios. Em tais lugares, “é muito difícil manter a lei e a ordem, o é provável que ocorra o mesmo na China”, disse ele. “Acho que isso será um grande problema social e de governança no futuro.”

 

Questão complexa. O excesso de imóveis na China se desenvolveu ao longo de um boom de construção que durou anos e terminou em 2021, quando Pequim, preocupada com a bolha, apertou o crédito para as construtoras. Logo ficou claro que elas haviam construído em excesso.

É difícil determinar exatamente o tamanho do problema. A China não fornece um levantamento oficial de unidades vazias, então os economistas elaboram estimativas usando taxas de vacância, licenças de construção e outras fontes de dados. Eles estimam que o número esteja na casa das dezenas de milhões - incluindo vários tipos de propriedades vazias, cada uma com seus próprios desafios.

 

Das até 90 milhões de unidades desocupadas, cerca de 31 milhões foram total ou parcialmente construídas, mas nunca vendidas. Essas propriedades poderiam ser demolidas, mas muitas estão envolvidas em litígios relacionados a falências de construtoras chinesas. Em muitos casos, as cidades e as construtoras esperam finalizá-las.

 

Outras 50 a 60 milhões de unidades foram compradas, mas permanecem vazias. Muitos chineses, sem opções de investimento, compraram imóveis - muitas vezes em cidades menores, onde os preços eram mais baixos - sem qualquer intenção de morar nelas.

Cerca de 74% das famílias chinesas em cidades grandes possuem mais de uma casa em toda a China, enquanto quase 20% possuem três casas ou mais, segundo uma pesquisa da Citi Research. Essas casas são um problema, pois seus proprietários ainda esperam pela valorização. Muitas estão em prédios parcialmente ocupados que não podem ser demolidos.

 

Outras 20 milhões de unidades foram vendidas, mas ficaram inacabadas. Os proprietários ainda as querem, mas as construtoras não têm dinheiro para concluí-las.

Venice on the Sea. Muitas construtoras voltaram suas atenções às cidades menores quando o país crescia forte. As grandes estavam caras, e os investidores pareciam dispostos a comprar em qualquer lugar, desde que os preços seguissem em alta.

 

As cidades menores emitiram previsões robustas de crescimento populacional, apesar de evidências de que a população da China estava no pico. Em Qidong, as autoridades locais lutaram por anos para atrair grandes investimentos, como fábricas. A venda de terras para construtoras os ajudou a atingir metas de crescimento.

As receitas de vendas de terras de Qidong mais do que dobraram, passando de US$ 932 milhões em 2017 para US$ 2 bilhões em 2021, segundo dados compilados pela Wind Information, de Xangai.

 

As construtoras, por sua vez, comercializaram Qidong como uma cidade dormitório ideal de Xangai, a duas horas de carro. A população da cidade atingiu o pico de 1,1 milhão em 2020 e vem caindo há três anos. Os empregos locais estão em queda desde 2007.

Um dos novos projetos, Venice on the Sea (Veneza no Mar), possui 40 mil unidades, uma praia artificial e um resort cinco estrelas. Os moradores podem desfrutar de canais e caminhos inspirados em Veneza, decorados com estátuas gregas e romanas.

 

Xiang Dayu, um agente imobiliário local, lembra da demanda intensa durante os anos de pico. Alguns compradores discutiam abertamente a compra de apartamentos para amantes. Outros estavam dispostos a pagar sem inspecionar os imóveis pessoalmente.

A maioria das pessoas - muitas delas de Xangai - comprou imóveis como investimentos e os deixou vazios, diz Xiang. Agora, a maioria das unidades permanece desocupada durante grande parte do ano, com a ocupação subindo para 60% durante o verão.

 

Muitos proprietários estão tentando vender, com dezenas de unidades listadas em sites de leilão ou nas mídias sociais. Em um vídeo postado, um proprietário mostrou um imóvel de 95 m2 que disse ter comprado em 2016 por cerca de US$ 101 mil após uma viagem à praia em Qidong com amigos. Ele agora está tentando vender o lugar por cerca de US$ 63,1 mil.

 

Venice on the Sea foi construído pelo agora falido China Evergrande Group. Ao norte, há outro complexo residencial massivo e em grande parte vazio, construído pela construtora inadimplente Country Garden. Ao sul, encontra-se um complexo inacabado desenvolvido pelo China Sunac Group, que também faliu. A oeste, há acres de terras agrícolas. Os funcionários do governo local não responderam a pedidos de comentários.

Cidade fantasma. Em outros países que tiveram mercados imobiliários superdimensionados, em alguns casos levou anos para que o excesso de oferta fosse absorvido - se é que alguma vez foi.

 

No Japão, o colapso do mercado imobiliário na década de 1990, com a população encolhendo e envelhecendo, deixou milhões de casas vazias. Derrubá-las provou ser difícil devido a obstáculos legais, como quando o proprietário não pode ser localizado. O número de unidades vazias cresceu para nove milhões no ano passado, em comparação com 8,5 milhões em 2018.

Na China, muitos proprietários de imóveis vazios provavelmente continuarão a manter suas unidades, uma vez que as taxas de administração são baixas e os impostos sobre propriedades são aplicados apenas em casos especiais.

 

As rígidas regras sobre decretação falência pessoal na China dificultam a desistência de propriedades, e muitos desejam mantê-las na esperança de uma possível recuperação do mercado.

Ainda assim, alguns economistas temem um ciclo negativo em que a queda nos preços das casas leve mais proprietários a tentar vender unidades vazias, depreciando os valores.

 

Os preços de casas novas nas principais cidades chinesas caíram 5,7% e 8,6% em agosto em relação ao ano anterior, respectivamente, de acordo com dados do Escritório Nacional de Estatísticas. Na maioria das cidades, os preços retornaram aos níveis de 2017 e 2018, disse Yi Wang, chefe de pesquisa imobiliária da China no Goldman Sachs.

Se os preços caírem para os níveis de 2015, muito mais proprietários podem optar por vender propriedades desocupadas. Isso porque 2015 foi o início do último boom, e os proprietários que compraram cedo não querem ver o valor de suas unidades cair abaixo do que pagaram, afirmou Wang.

 

Isso pode ser inevitável, no entanto, dada a queda da população da China. “Eu realmente não acho que o problema do excesso de oferta de habitação tenha uma solução”, disse Huang, do Peterson Institute. “Fundamentalmente, é um problema de demografia em declínio. Cidades fantasmas continuarão sendo fantasmas.” 

FONTE: VALOR ECONôMICO