Em um cenário de piora da economia, custos de insumos elevados e consumidores da classes média mais cautelosos na compra de imóveis, houve forte queda nas aquisição de terrenos para projetos destinados a esses clientes na cidade de São Paulo - maior mercado imobiliário do país. Os processos de compra da principal matéria-prima para a produção de imóveis estão mais lentos, e já há quem diga que as negociações de áreas para empreendimentos de médio padrão estão, praticamente, paralisadas.
“As empresas pararam de buscar terrenos para a classe média”, diz Cássia Castro, sócia e diretora de novos negócios da Eixo Inteligência Imobiliária, que atua na formação de áreas para as incorporadoras. Segundo Ronny Lopes, sócio da Arquimóvel, outra representante de empresas na aquisição de terrenos, há procura, mas a apresentação de propostas está levando mais tempo do que antes, e os valores oferecidos são “bem inferiores aos pedidos pelos proprietários”.
A Trisul é uma das incorporadoras que deixaram de procurar áreas para empreendimentos de médio padrão. “Só estamos comprando terrenos para produtos acima de R$ 11 mil o m2 ”, afirma o presidente, Jorge Cury. Trata-se, segundo o empresário, de movimento de “flight to quality”, ou seja, de migração para projetos melhor localizados, destinados às classes média-alta e alta, nos quais seja possível “conseguir algum ajuste de preços” dos imóveis diante de custos de insumos pressionados.
Foi, justamente, essa necessidade de tornar projetos viáveis diante da alta de custos de materiais a primeira razão para o maior rigor das incorporadoras nas negociações de preços de terrenos. Enquanto o repasse para os preços dos imóveis de parte das elevações de custos não prejudicou a velocidade de venda, o mercado de terrenos continuou aquecido, ainda que as empresas tivessem reduzido as concessões. A partir do momento em que os aumentos de inflação e juros começaram a afetar a tomada de decisão de compra pela classe média, houve mais arrefecimento da demanda por terrenos.
Com atuação concentrada nas faixas média-alta e alta, a Trisul sente mais facilidade para comprar terrenos, no momento, diante de menos concorrência. “As condições estão melhores do que há um ano, mas isso não significa que vamos aumentar as aquisições. Estamos desacelerando as compras de terrenos, pois a velocidade de vendas desacelerou”, diz Cury.
A Tarjab também adotou postura mais cautelosa nas aquisições de áreas, segundo o CEO, Carlos Borges. “Privilegiamos pagamentos mais alongados e permutas, e estamos mais criteriosos em relação à localização e a quanto o preço de venda pode representar [do projeto]”, diz Borges. Segundo ele, o valor do terreno precisa ser avaliado no “contexto da orquestração de outras variáveis”, como custo de construção, preço de venda da unidade e custo financeiro. “Todas as variáveis estão pressionadas”, diz.
Se as incorporadoras acreditam que vai ficar difícil repassar altas de custos para os preços, diz Pablo Meira Queiroz, do escritório Tozzini Freire Advogados, faz-se necessário haver concessão por alguma das partes. “Os custos de construção não cederam. Ou o terrenista cede ou não sai negócio”, ressalta o advogado, acrescentando que os prazos de negociação estão mais longos, mas começa a haver “compreensão” por parte dos vendedores. Mas segundo Lopes, da Arquimóvel, proprietários “não estão reconsiderando valores”, com exceção dos que tenham necessidade imediata dos recursos.
“Não há terrenos baratos, e a conta está mais difícil de fechar. Os preços dos apartamentos têm de subir para a média renda”, diz João de Azevedo, diretor vice-presidente de operações da Even Construtora e Incorporadora. A companhia continua a buscar áreas para a média renda, mas vem aumentando a presença no alto padrão, “mais resiliente diante das incertezas econômicas e políticas”, segundo Azevedo.
Na avaliação do CEO da Tarjab, o mercado de terrenos para projetos dos padrões médio e médio-alto tende à estabilização e até a pequena queda. “O momento exige que as empresas cuidem do caixa. Teremos um ano desafiador. É natural, pela perspectiva de curto prazo, que o mercado de terrenos fique menor”, afirma Borges.
A Gafisa Incorporadora e Construtora deixou de comprar, há dois anos, terrenos para desenvolver projetos para a classe média, concentrando sua presença do médio-alto padrão ao luxo. Segundo o CEO, Guilherme Benevides, nos últimos meses, com a piora da macroeconomia e a perspectiva de eleições em 2022, parte da concorrência passou a ser mais criteriosa na compra de áreas para empreendimentos de padrão médio-alto. “Algumas empresas estão puxando o freio, enquanto outras, como é o nosso caso, aproveitam as oportunidades”, afirma Benevides.
Outro movimento observado no mercado tem sido o distrato de algumas opções de compra de áreas. “Quando há duvidas se um projeto pensado há seis meses ainda será consumido em 2022, o incorporador prefere não comprar o terreno”, conta a sócia da Eixo Inteligência Imobiliária. Segundo Lopes, da Arquimóvel, há áreas adquiridas no início do ano sendo devolvidas aos proprietários. “As incorporadoras correram para comprar terrenos, no começo de 2021, e agora não conseguem viabilizar projetos”, diz o sócio da Arquimóvel.
Já Cyro Naufel, diretor técnico da rede de imobiliárias Lopes, avalia que ainda que incorporadoras estejam mais cautelosas e possa ter havido acomodação no fechamento de aquisições, a busca por áreas continua, pois as empresas precisam ter produtos para lançar em caso de melhora do mercado. “A maioria das incorporadoras já tem terrenos pelo menos para grande parte do próximo ano. O que for fechado hoje vai para 2023. A procura não pode parar”, diz Naufel.