O menor número de lançamentos e de unidades vendidas em mais de dez anos, o menor número de empregados em oito anos, queda de mais de 8% no preço real dos imóveis ao longo de 2015 são indicadores mais do que suficientes para compor um cenário tenebroso no mercado imobiliário. Como se tivesse sido apanhado por uma tempestade perfeita, porém, o setor continua a gerar números que assombram. Do pouco que vende, muito é devolvido pelos compradores. Um levantamento sobre os negócios de 9 companhias do setor constatou que de 100 imóveis vendidos 41 foram devolvidos nos primeiros nove meses de 2015, como mostrou reportagem do Estado. É uma proporção que, por lhes retirar boa parte do fôlego financeiro e aumentar excessivamente seus estoques, ameaça a sobrevivência de algumas empresas e compromete o desempenho futuro do setor, de inegável relevância econômica e social.
Vender menos parece ter se tornado o menor dos males do mercado brasileiro. A combinação de incerteza política, queda brutal de investimentos públicos e privados, aumento rápido do desemprego, redução acentuada da renda média da população e aceleração da inflação num momento em que operava com preços muito altos resultou numa crise de extensão poucas vezes observada no setor imobiliário.
Por causa dos problemas que a economia brasileira enfrenta, muitos compradores não estão conseguindo arcar com os compromissos financeiros que assumiram no momento da compra da casa própria e, por isso, procuram as empresas para desfazer o negócio antes de receber as chaves. Até esse momento, o negócio não envolveu financiamento bancário, que só é concedido após o recebimento do imóvel pelo comprador. Temendo que, por causa das mudanças no cenário econômico, não conseguirá obter o crédito ou não disporá dos recursos necessários para concluir a compra, ele desiste do negócio.
Há um índice de “distratos”, como essas operações são chamadas no mercado, considerado tolerável pelo setor, de cerca de 10% dos negócios concluídos. Quando o mercado opera em condições normais, esses são casos considerados excepcionais, por meio dos quais os compradores que pretendem se desfazer do imóvel conseguem repassá-lo por valores maiores do que desembolsaram.
Não é o que ocorre hoje. O distrato tornou-se uma operação em que ninguém ganha.
Com a retração das vendas, o preço que o comprador aceitou pagar no momento da conclusão do negócio é maior do que ele pode conseguir se repassar o imóvel. Tenta, então, fazer o distrato – tenta devolver o sonho da casa própria.
Em alguns casos, as condições em que a empresa aceita o imóvel de volta implicam perdas expressivas para o comprador. Num exemplo mostrado na reportagem citada, a um comprador que pagou R$ 200 mil ao longo de três anos foi oferecida a devolução de R$ 40 mil, quantia que sobraria depois de descontadas as taxas de corretagem e de comercialização e as despesas administrativas. O comprador recorreu à Justiça.
É um procedimento cada vez mais frequente. No ano passado, das 725 ações movidas por um escritório de advocacia especializado em questões imobiliárias, 73% eram referentes a distratos; em 2014, eram 43%. Obviamente, cada parte recorre à legislação que mais a protege. As empresas se valem da Lei da Incorporação, segundo a qual o contrato de compra e venda do imóvel é “irrevogável e irretratável”. O comprador recorre ao Código de Defesa do Consumidor, na parte que trata de cláusulas abusivas que colocam o cliente em desvantagem.
Com o aumento de 46% no número de distratos no terceiro trimestre do ano passado, na comparação com igual período de 2014, uma empresa do setor viu seu faturamento cair mais de 50% em 2015. É possível que, em 2016, a proporção de imóveis devolvidos diminua para 35 em 100. Mas a quebra de receita continuará alta, de cerca de R$ 6 bilhões entre as principais empresas do setor.