Hoje parece óbvio, mas gastar menos do que se ganha não é um comportamento instintivo. Tanto que, há quase um século, foi criada na Europa uma data especial para incentivar a parcimônia financeira: o Dia Mundial da Poupança.
Celebrada neste 31 de outubro, a data ganha um peso maior no Brasil por conta do novo patamar dos juros: ontem a Selic caiu ao nível de 5% ao ano, o menor patamar da história, diminuindo ainda mais os rendimentos da renda fixa, categoria que concentra a maior parte dos investimentos dos brasileiros.
“A capacidade de poupança é o mais importante no planejamento financeiro, sobretudo em um ambiente de juros baixos, em que os ganhos conservadores serão menores”, afirma Jaques Cohen, planejador financeiro com certificado CFP.
A data pode encorajar o brasileiro a fazer um diagnóstico da própria saúde financeira, o primeiro e um dos mais difíceis passos para uma poupança mais gorda, diz Cohen. “Temos medo de saber da própria realidade, dá a sensação que vamos encontrar algo ruim e preferimos nem olhar. É preciso tirar esse fantasma”, alerta o planejador.
Em 2018, 33% dos brasileiros conseguiram guardar dinheiro, segundo a última edição do Raio X do Investidor Brasileiro, publicado pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Desses poupadores, 71% conseguiram economizar ao cortar seus gastos, seja evitando compras desnecessárias ou pesquisando mais os preços, por exemplo.
Os números apontam para um desafio duplo. Se, de um lado, há aspectos de educação financeira que precisam melhorar (como o desconhecimento sobre produtos e a dificuldade para lidar com o orçamento), de outro, pesa a condição financeira da maior parte da população, cuja renda não faz frente às despesas, lembra Cohen.
O planejador lista dois procedimentos básicos e frequentemente esquecidos para manter o bolso mais cheio: descontar os impostos do salário para saber quanto realmente se ganha; e acrescentar gastos esporádicos que muitas vezes ficam fora do radar e acabam pesando nas contas.
25 anos de Real - O estudo da Anbima também mostrou que, entre os brasileiros que economizaram em 2018, pouco menos da metade aplicou em produtos financeiros. Já uma fatia de 25% usou as economias para comprar um automóvel, um imóvel ou fazer uma viagem, por exemplo.
A proporção destinada a gastos está associada à relativamente recente estabilidade econômica do país, aponta Jorge Luis Prado, sócio-fundador da Sal Investimentos. “O Plano Real completou 25 anos. Antes dele, praticamente não havia planejamento, nossa cultura era gastar o mais rápido possível. O brasileiro ainda é muito mais voltado para o consumo do que para a poupança”, comenta.
A dica do assessor de investimentos para não se perder em meio aos gastos é definir um objetivo que ajude a manter a disciplina. “A primeira coisa é entender o propósito de guardar aquele dinheiro, senão a pessoa perde o foco rapidamente.”
Poupar na caderneta? - Homenageada de carona pela coincidência do nome, a caderneta de poupança não é hoje a única vilã da vida financeira dos brasileiros. Matéria do InfoMoney mostrou que alguns fundos cobram taxas de administração que chegam a 5% ao ano em troca de retornos históricos que não alcançam sequer 50% do CDI.
No entanto, a remuneração da “nova poupança” (que atualmente é de 70% da Selic) está longe de ser tão alta quanto a popularidade dela. Segundo dados do Banco Central, há hoje R$ 817,5 bilhões aplicados na caderneta, mesmo que o retorno real dela em 2020 deva ficar negativo em 0,5%, se as projeções no relatório Focus para inflação e juros se confirmarem. “O Dia Mundial de Poupança deve ser entendido como uma data para criar poupança, não para colocar o dinheiro na caderneta”, destaca Prado.
Desde maio de 2012, quando foi criada, a nova poupança rendeu 58,9%, um retorno anualizado de quase 6,4%. No mesmo período, o CDI acumulou variação de 98,9%, ritmo de cerca de 9,5% em cada ano (importante lembrar que a poupança é isenta de imposto, enquanto outros investimentos em renda fixa normalmente estão sujeitos à tabela regressiva do IR).
Tamanha diferença de rentabilidade pode ser decisiva para alcançar os objetivos de investimento. Simulação de fevereiro apontou que um investimento em títulos públicos levaria 20 anos para dobrar de valor, enquanto, na poupança, demoraria 45 anos.
Os principais motivos apontados para deixar o dinheiro na caderneta, de acordo com o estudo da Anbima, foram a facilidade de aplicação e também a confiança no produto.
“Estamos no começo de um processo de aprendizado. O brasileiro tem pouca experiência com investimentos, porque ele passou por muitas crises e planos econômicos que trouxeram para ele que ser conservador compensa”, explica o assessor de investimentos Mauro Silveira, sócio do escritório Messem Investimentos. “Hoje, ele ainda não aprendeu que ser conservador custa caro e faz com que ele perca oportunidades com retornos mais atrativos”.