Felipe Datt
Com ou sem crise, vender o imóvel ou se desfazer do veículo são soluções emergenciais adotadas por muitos brasileiros que buscam liquidez para pagar dívidas, investir em um negócio próprio ou realizar um sonho pessoal ou familiar. Uma modalidade de empréstimo que vem ganhando força no Brasil em anos recentes, entretanto, permite que o tomador coloque a casa própria ou o carro como garantia da operação e contrate recursos mais baratos e com prazos de pagamento alongados sem a necessidade de abrir mão do ativo.
No caso do refinanciamento de imóveis, a nova roupagem para a tradicional hipoteca, modalidade bastante difundida em países como EUA e Inglaterra, é ofertada pelos bancos com nomes como Crédito com Garantia de Imóvel (CGI) ou o pomposo "home equity". As regras são simples. Para levantar recursos lastreados no imóvel, é preciso que esteja quitado e registrado no nome do tomador. As condições variam de acordo com a instituição, mas, em geral, o imóvel precisa estar localizado em área urbana, com boas condições de habitação e a papelada (matrícula, certidões, IPTU, habite-se etc.) precisa estar em dia e livre de ônus. Em alguns casos, a casa não pode estar em construção ou passando por reformas.
Guardadas as particularidades, as regras do home equity se assemelham às de um financiamento habitacional tradicional. Após a definição do valor de mercado do imóvel feita por um time de especialistas do banco, que avaliam o ativo in loco, é possível refinanciar até 60% do valor do bem, limite estabelecido pelo Banco Central. Para definir o valor do empréstimo, são avaliadas também a renda da família e a capacidade de comprometimento de renda, que em média não deve superar 30% com a contratação da nova dívida. Uma vez aprovado o empréstimo - cujo rito total pode levar de uma semana a 40 dias, dependendo da qualidade da documentação -, os recursos são de livre aplicação e podem ser utilizados pelo tomador para qualquer finalidade.
Pioneiro na oferta do home equity no Brasil, o Banco Intermedium viu os desembolsos dessa linha saltarem de R$ 1,5 milhão, em 2007, para vultosos R$ 550 milhões em 2015. Em nove anos, foram 6,5 mil operações realizadas. Mas o grande boom da modalidade, na opinião do presidente do banco mineiro, João Vitor Menin, ainda está para acontecer, na esteira do que ocorreu com o crédito consignado. "Como o serviço da dívida é tradicionalmente caro no Brasil, as pessoas não tinham capacidade de tomar crédito e quem começou a mudar esse jogo foi o consignado. Os bancos passaram a contar com uma boa garantia e a oferecer taxas competitivas. O crédito imobiliário com garantia desempenhará esse mesmo papel", prevê Menin, estimando que essa modalidade já movimente entre R$ 8 bilhões e R$ 10 bilhões no Brasil.
O Intermedium refinancia até 50% do valor do imóvel, com prazo de pagamento que varia de 48 meses a, no máximo, 120 meses. Ao contrário de um financiamento tradicional, não existem parcelas intermediárias. As parcelas são amortizadas no modelo da tabela Price (todas as parcelas têm valor fixo). O banco não faz operações de empréstimo inferiores a R$ 50 mil. A média de preço dos imóveis em garantia é de R$ 700 mil e o tíquete médio dos empréstimos gira em torno de R$ 250 mil.
A popularização do home equity em anos recentes é explicada pela conjunção de três elementos: taxas de juro mais competitivas na comparação com modalidades como empréstimo pessoal, cheque especial e rotativo do cartão de crédito, prazos de pagamento alongados (que podem chegar a 240 meses em alguns bancos) e volumes de recursos que, não fosse o imóvel em garantia, poderiam estar muito além da capacidade do tomador. No caso do Intermedium, há duas opções de taxas: prefixadas, que partem de 1,85% ao mês (24,60% ao ano), e as pós-fixadas, que se iniciam em 1,45% ao mês (18,90%) mais a variação do IPCA. No Banco Pan, os juros partem de 1,23% ao mês (15,80% ao ano) mais IGPM, para pessoas físicas, ou 1,26% ao mês (16,30% ao ano) mais IGPM para pessoas jurídicas (clientes que possuem um negócio próprio e cujos rendimentos são medidos pelo pró-labore). O Pan adota o sistema SAC, que tem prestação de saída maior e o valor das parcelas decresce ao longo do tempo.
Em tempos de aperto monetário e encarecimento no custo do crédito pessoal, as taxas do home equity são, de fato, mais vantajosas. O levantamento mais recente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac) mostra que, em dezembro de 2015, as taxas mensais do cartão de crédito estavam em 14,35%, as do cheque especial, em 10,76% e as do empréstimo pessoal nos bancos, em 4,40%. Já o consignado, empréstimo com desconto em folha e, portanto, mais barato, começa com taxas mensais mais altas, a partir de 1,66% (21,8% ao ano), segundo dados do BC. "As taxas do home equity são, de fato, nominalmente mais baratas que outras modalidades de crédito pessoal. Mas é preciso cuidado, porque o tomador contratará uma combinação de taxa com prazo, que é longo no caso do empréstimo com garantia", alerta o especialista em finanças pessoais da Fundação Getúlio Vargas (FGV/EAESP), Samy Dana.
Para o tomador, é preciso ter clareza que, na concretização do financiamento, ocorre a alienação fiduciária do imóvel em garantia (transferência da posse para o banco) a exemplo de um financiamento imobiliário tradicional. Ainda que seja exceção, um dos principais riscos de uma eventual inadimplência é a perda do imóvel em garantia. As principais finalidades para o uso do dinheiro, segundo os próprios bancos, devem ser a reestruturação de dívidas ou um investimento programado. Mesmo que o teto do financiamento seja aprovado, a recomendação é contratar apenas o necessário. O uso dos recursos para a compra de outro imóvel não é recomendado, já que as condições de juros e prazo do financiamento tradicional são mais vantajosas. É preciso, também, projetar o comprometimento da renda da família pelo prazo total da operação.
Até 2014, uma das finalidades principais de quem contratava recursos via home equity era a realização de desejos: um ano sabático, um curso de especialização, a oportunidade de enviar os filhos para estudar no exterior ou mesmo a reforma completa no imóvel. Muitos profissionais liberais também apostavam na modalidade para levantar recursos para investir em um negócio próprio ou modernizar o maquinário da empresa. Com a intensificação da crise econômica ao longo de 2015, o perfil dos tomadores vem mudando.
"Nos últimos meses, aumentou a relação dos clientes que buscam liquidar dívidas mais caras, como cheque especial, rotativo de cartão de crédito e CDC, ficando apenas com o CGI, que permite taxa bem menor e prazo mais longo para recompor o orçamento familiar impactado pela conjuntura econômica", revela Laércio Roberto de Souza, gerente-geral da área imobiliária do Banco Daycoval.
O Pan também notou a partir do segundo semestre de 2015 uma migração do cliente que buscava realizar um sonho para aquele que precisa de recursos para a equalização de dívidas. "Tivemos que mudar nossas campanhas de comunicação do produto em virtude do momento econômico", conta Mauricio Quarezemin, diretor de rede e imobiliário do Pan.
Essa mudança de perfil se refletiu em aumento de demanda pela linha. No comparativo entre os últimos trimestres de 2014 e 2015, os desembolsos avançaram 15,4%. O maior crescimento no período, contudo, recaiu nos desembolsos de outra modalidade de empréstimo com garantia oferecida pelo Pan: de veículos. O avanço foi de 56,7% no quarto trimestre de 2015 em relação ao mesmo período do ano anterior.
As regras são similares às do home equity. O carro precisa estar quitado e em nome do interessado. O prazo máximo de pagamento é de 60 meses e o banco financia até 90% do valor do veículo. A taxa de juro mensal média é de 2,80%. Não há exigência de valor mínimo do veículo que pode ser refinanciado e a única restrição é sua idade - máximo de oito anos para veículos leves e 15 para pesados (caminhões). "Se o cliente busca um financiamento inferior a R$ 50 mil via home equity, indicamos que ele dê o carro em garantia", diz Quarezemin.
Mesmo com linhas mais rentáveis, os grandes bancos também despertaram para o empréstimo com garantia, de olho no controle da inadimplência. O Banco do Brasil passou a ofertar o home equity em 2015 e estima um crescimento expressivo nos desembolsos este ano. "Projeto maior demanda por parte dos clientes diante do cenário de crédito mais caro. Temos incentivado a utilização consciente dessa linha", afirma o diretor de crédito imobiliário do BB, Hamilton Rodrigues da Silva. Segundo ele, o objetivo não é elevar o endividamento da família, mas direcionar o endividamento antes concentrado em produtos de curto prazo e mais caros para essa linha de empréstimo.