A definição da base de cálculo para a cobrança de multa em caso de cancelamento de vendas de imóveis - os distratos -, prevista para ser discutida na próxima quarta-feira, tende a se estender, qualquer que a definição inicial. Se a posição defendida pelas incorporadoras, de incidência da penalidade sobre o valor total do imóvel, for aprovada, é provável que órgãos de defesa se oponham à decisão. Por outro lado, se a visão desses órgãos de que a multa tem de incidir sobre o valor pago até o distrato se sobrepuser, o equilíbrio econômico-financeiro do setor será afetado, segundo incorporadoras.
"Não há resposta simples. O final da discussão vai gerar ônus para uma das partes", diz a advogada do setor imobiliário do escritório Stocche Forbes, Fernanda Rosa. Na avaliação da advogada, uma solução intermediária seria um percentual de multa sobre o valor já pago, mas desde que fosse estabelecido um mínimo em relação ao total do imóvel. "Considerando o dissenso claro entre o setor produtivo e a defesa do consumidor, o único caminho viável será a busca pela minimização das perdas dos dois lados", afirma o presidente da Comissão de Direito Imobiliário da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Leonardo Mundim.
O Valor apurou que, pelas discussões até o momento, há um encaminhamento dentro do governo para que a multa incida sobre o valor integral dos imóveis. Para técnicos do governo, como esses impasses têm sido decididos pelo Poder Judiciário, muitas vezes com a cobrança de multa de 25% sobre o valor já pago, o movimento onera a atividade produtiva. Eles avaliam que, com um cenário macroeconômico desfavorável, na ponta, a sociedade paga como um todo.
O secretário Nacional do Consumidor, Armando Rovai, disse ao Valor que o papel da secretaria, na negociação, é trazer harmonia entre a atividade produtiva e a defesa do consumidor. Rovai considerou que a relação entre incorporadoras e o sistema de defesa do consumidor estava esgarçada e que o papel da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) foi justamente o de recoser. A seu ver, embora o setor esperasse acordo sobre o texto, ontem, a definição seria impossível, pois é necessária anuência do sistema de defesa do consumidor.
"A Senacon se sentou à mesa para buscar o diálogo, ser uma catalizadora, e deixar o relacionamento entre as construtoras e os órgãos de defesa do consumidor muito transparente", disse o secretário. Ele observou que, ao final da discussão, o objetivo é encaminhar projeto de lei para análise no Congresso Nacional.
O presidente do Secovi-SP, Flávio Amary, afirmou que a questão dos distratos é muito complexa e não é fácil encontrar solução para o assunto. "Estamos discutindo há bastante tempo, tentando construir um consenso que dê solidez e segurança para todo mercado imobiliário nacional." Ele disse acreditar que o setor está muito perto de solucionar a questão.
O presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Martins, defendeu que a multa deve ser cobrada sobre o valor integral do imóvel, pois os custos do setor produtivo, entre eles o de corretagem, incidem sobre esse valor integral. "As despesas que pagamos são sobre o valor total", afirmou Martins.
O diretor da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), Luiz Fernando Moura, tem posicionamento semelhante. "Nós defendemos um equilíbrio nas relações entre incorporadoras e compradores de imóveis. E equilíbrio significa cobrir os custos que tivemos", afirmou Moura, que espera consenso em breve.
"Não podemos ceder uma vírgula além do que está proposto. O distrato não pode ser um prêmio para o comprador do apartamento", disse o vice-presidente executivo da EZTec, Flavio Zarzur.
Já a presidente da Associação Brasileira de Procons, Claudia Francisca Silvano, garante que os órgãos de defesa não vão aceitar uma decisão que prejudique os consumidores. "Os Procons defendem que a multa seja aplicada sobre o valor pago pelo consumidor. Não vamos concordar com nada que incida sobre o valor integral do imóvel", disse.
Na avaliação do diretor de relações com investidores da Rossi Residencial, Fernando Miziara de Mattos Cunha, a regulamentação dos distratos começará a ser definida, mas nem todos os desdobramentos do assunto serão resolvidos de maneira integral, ao mesmo tempo, devido à complexidade de assuntos que podem ter impacto das rescisões, como o patrimônio de afetação. "Se, ao longo da obra, tenho que devolver dinheiro, afeto o equilíbrio econômico financeiro daquela obra", afirma.
Ainda que a maior parte dos distratos ocorra na entrega dos empreendimentos, esse equilíbrio é alterado, de acordo com o diretor de relações com investidores, porque a incorporadora ainda precisa pagar o financiamento bancário à produção e despesas de condomínio. O mais correto, segundo Miziara, é que os recursos só pudessem ser devolvidos ao comprador quando a Sociedade de Propósito Específico (SPE) não tivesse mais nenhuma exposição de dívida.
Para o diretor de incorporação da Rossi, Rodrigo Martins, a busca de regras para distratos é saudável por expor para a sociedade uma realidade que até então era só das incorporadoras, mas a regulamentação só irá trazer segurança jurídica se a aquisição de um imóvel "deixar de ser preferência para ser obrigação do consumidor". "Essa regulamentação será âncora da recuperação setor", diz Martins.
No encontro a ser realizado na próxima semana, além de representantes das incorporadoras, estarão a Senacon, do Ministério da Justiça; os ministérios do Planejamento e da Fazenda; e órgãos de defesa do consumidor, como a Associação Brasileira de Procons. O setor discute também o percentual da multa a ser cobrada na rescisão, de 10% a 12%, e o prazo para a devolução dos recursos.