Por Fernanda Bastos
Com o aumento da taxa de juros e da inflação, compradores de imóveis na planta haviam se programado para contratar o financiamento imobiliário após a entrega das chaves podem não encontrar condições de seguir adiante com a compra, recorrendo ao distrato.
Dados da Associação Brasileira das Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) apontam que o número de quebra de contrato de compra de imóveis aumentou 33% no primeiro trimestre deste ano em relação ao mesmo trimestre do ano passado. Nos primeiros três meses do ano, 1.061 contratos foram distratados, contra 720 no mesmo período do ano passado. Os dados se referem apenas a imóveis do segmento de médio e alto padrão.
A Abrainc pondera, contudo, que esses distratos foram equivalentes a apenas 11% das vendas de imóveis no período. As vendas nos dois períodos dispararam: passaram de 4.571 unidades para 9.553, o que fez com que os distratos sejam proporcionalmente menores às vendas do que o registrado no ano passado.
Além das parcelas financiadas pela construtora serem corrigidas pelo Índice Nacional da Construção Civil (INCC), que vem registrando alta intensa (nos últimos 12 meses, a alta acumulada foi de 15,44%), no mesmo período a taxa Selic passou de 4,25% para 13,25% ao ano. O aumento da Selic afeta diretamente o acesso dos brasileiros ao crédito, já que encarece os financiamentos.
Ou seja, há dois anos, quem comprou imóvel na planta comprou com uma perspectiva de financiamento bancário com uma correção monetária pequena, comenta o advogado especialista em direito do consumidor Marcelo Tapai. "O comprador se programou, mas o cenário mudou”.
Cancelamentos em queda após nova lei
O cenário dos distratos mudou consideravelmente quando, em 2018, a lei 13.786, que regulamenta o cancelamento dos contratos imobiliários, entrou em vigor. Desde então, quem opta pelo distrato imobiliário pode perder até 50% do valor que já pagou à construtora.
Para Tapai, a nova legislação impôe uma multa pesada para o consumidor. Por outro lado, o presidente da Abrainc, Luiz França, aponta que a segurança jurídica trazida ela lei permite que mais pessoas se tornem elegíveis ao financiamento.
Apesar da promulgação da lei, Tapai não acredita que há uma ligação direta entre a quantidade de distratos e a aplicação da nova legislação. Isso porque a lei não se aplica a contratos realizados anteriores a dezembro de 2018.
Normalmente, o contrato é firmado e depois de dois ou três anos é que ocorre o financiamento. Então pode ser que os contratos cancelados recentemente tenham sido firmados antes de 2018, explica o advogado.
O fato é que os novos contratos estão adequados à lei e à jurisprudência, então não existe muito o que se discutir na justiça, diz Vinícius Costa, presidente da Associação dos Mutuários da Habitação (ABMH). "Por isso, compreender como se dá essa relação contratual antes de assinar o contrato é melhor do que agir por impulso emocional e depois achar que tudo está errado”.
Como evitar o cancelamento e prejuízos
Recorrer ao distrato deve ser a última opção do consumidor, diz Tapai. Portanto, se o consumidor observa que as suas condições financeiras já mostram que seguir com o financiamento não será possível, é primordial analisar e tomar uma decisão.
"Quanto mais parcelas da obra forem pagas, maior será o prejuízo final. Se a situação atual já demonstra que o financiamento imobiliário não acontecerá, o quanto antes se resolver o problema é melhor", conclui o advogado.
Uma dica para quem está pensando em cancelar o contrato porque está com sua capacidade de pagamento comprometida ou não está conseguindo obter o financiamento é tentar renegociar o pagamento ou parcelamento com a construtora, como forma de tentar adequá-lo ao orçamento.
Outra opção é encontrar um interessado em adquirir o imóvel, mesmo com algum prejuízo no preço de venda do bem. "Quem comprou um imóvel e já pagou 100 mil reais por ele pode perder 50 mil reais caso opte pelo distrato. Mas se conseguir alguém interessado em adquiri-lo pode dar um desconto de 20 mil reais. É um prejuízo menor do que o que teria caso cancele o contrato", comenta Tapai.
Se o consumidor precisar de financiamento na entrega das chaves o ideal é que tenha um bom valor para dar de entrada, pois isso vai impactar diretamente no valor que vai precisar financiar. É uma forma de driblar a alta da Selic e da inflação.
Em qualquer caso, o mutuário deve ter clareza de que o financiamento habitacional é uma obrigação contratual de longo prazo. Por esse motivo, deve se preocupar se o orçamento familiar cabe dentro da obrigação que pode perdurar por até 30 anos.
(Matéria publicada em 27/06/2022)