Passada a onda de renegociações, durante a fase mais intensa da pandemia, os valores de aluguéis residenciais voltaram a acelerar no Brasil. Considerando quatro das maiores capitais do país —São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre— os reajustes médios acumulados em janeiro e fevereiro já estão próximos de 5%. A inflação geral no período, medida pelo IPCA, foi de 1,56%.
O avanço nos valores dos aluguéis é identificado pelo Ivar (Índice de Variação de Aluguéis Residenciais), calculado pelo Ibre FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas). Os dados mostram que, nos dois primeiros meses do ano, o indicador subiu 4,84%. O percentual considera as quatro capitais. Uma das razões da alta é que os donos de imóveis querem compensar o prejuízo dos dois anos de pandemia.
Isoladamente, Belo Horizonte é a capital com maior alta de aluguéis neste ano. Veja os percentuais:
Alta de aluguéis em janeiro e fevereiro de 2022
São Paulo: +4,88%
Rio de Janeiro: +3,88%
Belo Horizonte: +5,96%
Porto Alegre: +4,70%
Pela metodologia utilizada pela FGV, toda vez que um contrato de aluguel residencial é reajustado nessas cidades —seja para mais ou para menos—, o Ivar captura a informação. Isso vale para novos contratos de aluguel e para contratos já em andamento, que passam por reajustes no mês de aniversário.
Quando um inquilino negocia com o proprietário redução do valor pago em um contrato em andamento, a mudança também é contabilizada pelo Ivar.
Por que os aluguéis estão ficando mais caros?
Responsável pelo Ivar e pesquisador do Ibre FGV, o economista Paulo Picchetti afirma que a alta mais recente é justificada por três fatores.
Em primeiro lugar, existe um movimento de recomposição dos valores dos aluguéis de casas e apartamentos por parte dos proprietários, após eles terem aceitado aplicar descontos nos dois últimos anos, em função da pandemia.
As leituras de janeiro e fevereiro mostram aceleração dos aluguéis, mas eles ainda estão recuperando o resultado que, nos últimos dois anos, acabou até abaixo da inflação. De um lado, os proprietários estão vendo agora espaço para reajustes e, de outro, os inquilinos têm mais condições para pagar.
Paulo Picchetti, economista do Ibre FGV
Em 2020 e 2021, o desemprego e a queda da renda, provocados pela covid-19, dispararam um movimento de renegociação dos aluguéis residenciais no Brasil. Mais recentemente, com o início da retomada econômica, os valores voltaram a subir.
No acumulado de 12 meses até fevereiro deste ano, o Ivar teve alta de 4,76%. Em algumas capitais, o avanço dos aluguéis foi ainda maior:
Reajuste de aluguel acumulado em 12 meses até fevereiro de 2022
São Paulo: +2,83%
Rio de Janeiro: +4,90%
Belo Horizonte: +9,32%
Porto Alegre: +5,46%
Famílias estão retornando às capitais
O segundo fator para a alta recente dos aluguéis residenciais, conforme Picchetti, é o movimento de retorno das famílias às capitais.
Segundo ele, na fase mais crítica do isolamento social, muitas pessoas passaram a trabalhar de casa e optaram por morar no interior. "Elas trabalhavam remotamente fora das capitais e, agora, estão tendo que voltar", diz o economista.
Um terceiro fator está ligado a aspectos sazonais. De acordo com Picchetti, tradicionalmente os reajustes de aluguéis também acabam sendo um pouco maiores no início de cada ano, na comparação com outros meses.
"É difícil quantificar o peso de cada um dos fatores, mas uma boa interpretação dos dados é justamente ver a elevação dos aluguéis, nos dois primeiros meses de 2022, como resultado de uma retomada da economia, do retorno das pessoas às capitais e de certa sazonalidade no início de ano", diz o economista da FGV.
Reajustes devem continuar: o que fazer?
Como o processo de recuperação do emprego e da renda tende a continuar, a expectativa da FGV é de que os valores dos aluguéis sigam acelerando em 2022, ainda que "de forma branda", diz Picchetti.
Para quem vai fechar ou renovar um contrato nos próximos meses, a recomendação é avaliar o impacto do aluguel sobre o orçamento da família, considerando as demais despesas.
A planejadora financeira Ana Hutz, professora da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), diz que o aluguel tem um peso grande para as famílias. Além disso, é uma despesa difícil de reduzir em caso de necessidade.
Você não consegue mudar o aluguel de uma hora para outra. Além disso, existem o aumento da energia elétrica e o dos combustíveis, que estão pressionando os orçamentos. A moradia está se tornando um peso grande principalmente para as famílias das classes C e D. Se você está procurando um imóvel para alugar agora, o confortável seria manter o custo em até 30% da renda familiar. Se puder ficar abaixo de 20%, melhor ainda.
Ana Hutz, professora da PUC-SP
Ana Hutz lembra ainda que, tradicionalmente, os contratos de aluguel no Brasil são reajustados pelo IGP-M (Índice Geral de Preços - Mercado), indicador também calculado pela FGV.
Como reage mais diretamente às variações do dólar, o IGP-M disparou nos últimos anos: em 2020 a alta foi de 23,14% e em 2021 a elevação foi de 17,78%. O IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), medido pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), subiu 9,26% em 2020 e 10,06% em 2021.
Apesar de isso ser incomum, nada impede que o IPCA seja a referência de reajuste dos contratos de aluguel, desde que haja negociação entre proprietário e inquilino.
"Não tem nada que diga que o contrato de aluguel tenha que ser reajustado pelo IGP-M", diz Ana Hutz. "Neste momento, seria bom que os inquilinos fizessem um pouco de pressão para não colocar o IGP-M como referência."
Matéria publicada em 20/03/2022