Por Ana Luiza Tieghi
Um decreto da prefeitura de São Paulo deve abrir caminho para investimento no aluguel de imóveis construídos para a população de baixa e média renda da cidade.
Empreendimentos que visam três grupos específicos de renda já recebem benefícios para a sua construção, e vão de poder ser maiores do que os limites de determinada área, sem que a incorporadora tenha que pagar mais por isso, a desconto em impostos.
Renée Silveira, diretora de incorporação da Plano&Plano, afirma que são esses benefícios que viabilizam a construção de moradia popular na cidade, já que outros custos da obra são similares para todos os padrões de prédios.
As categorias são HIS (Habitação de Interesse Social) 1, para famílias com renda de até R$ 4.236, HIS 2, para rendas até R$ 8.472, e HMP (Habitação de Mercado Popular), até R$ 14.120.
O propósito do benefício é facilitar que essas famílias acessem os imóveis, mas parte do setor entendia que essas unidades poderiam ser vendidas para qualquer cliente, desde que ele se comprometesse a só alugá-la para quem se enquadra nos grupos. Outra interpretação era de que só quem está na faixa adequada de renda poderia comprar a unidade. “Um investidor que compra dez unidades chegava no cartório e não queriam registrar a compra e venda, porque estava fora do enquadramento da lei”, diz Silveira.
“A lei era ampla, ela falava em destinação do imóvel”, afirma a advogada Maria Flavia Seabra, sócia do escritório Machado Meyer.
Existia ainda o risco do comprador adquirir a unidade sem saber que se tratava de um imóvel para HIS ou HMP. “Havia incorporadoras que não identificavam isso nos anúncios, dentro de vários papéis que você assinava, você se declarava enquadrado na renda”, afirma Rafael Steinbruch, sócio da Yuca, empresa que administra locações.
O decreto 63.130, de 19 de janeiro, deixa claro que esses imóveis podem ser alugados, desde que algumas etapas sejam cumpridas.
É preciso uma averbação na matrícula da unidade de que se trata de uma HIS ou HMP. O morador também precisa apresentar uma certidão, emitida por entidade autorizada pelo Banco Central, que garanta que sua renda se enquadra na categoria do imóvel.
A unidade se mantém como HIS ou HMP por 10 anos a partir da conclusão da obra. Ou seja, se alguém com renda não-compatível comprar a unidade, não pode morar nela nesse período, só locá-la. Todo esse processo deve ser fiscalizado pela Secretaria de Habitação.
“Isso tirou a insegurança, era uma zona cinzenta”, diz Silveira. O entendimento entre as fontes consultadas é de que fica liberada a compra de unidades HIS e HMP por investidores, ou a retenção dessas unidades pelos próprios incorporadores, para renda.
A Plano&Plano já faz isso em um projeto piloto, na Zona Sul de São Paulo. Alguns apartamentos de um prédio não foram vendidos e são alugados por meio da Yuca. A plataforma já fazia a checagem do enquadramento da renda do morador, afirma Steinbruch. No site da empresa, o aluguel desses apartamentos vai de R$ 1.862 a R$ 1.983 ao mês.
O decreto não define o valor do aluguel. “É muito difícil fazer regulação do valor de locação, varia conforme a região e oferta e demanda”, afirma Seabra. Há o entendimento, no entanto, de que o custo não deve ultrapassar 30% da renda familiar, conta Silveira.
Dessa forma, unidades destinadas para HIS 1 poderiam custar até R$ 1.271 ao mês. Para HIS 2, caso dos apartamentos da Plano, o limite seria de R$ 2.541. Já para HMP, o valor chegaria a R$ 4.236 mensais.
Além do prédio da Plano, a Yuca já administra locações de 40 apartamentos de outra incorporadora.
Steinbruch afirma que empresas especializadas em construir ou comprar prédios inteiros para locação residencial, como JFL, Vila 11 e Greystar, focam no público de alta renda. “O novo ciclo de investimento institucional em prédios vai ser de renda média”, diz.
Para Silveira, o decreto abre possibilidade de negociação com investidores e fundos.
Ambos defendem que a locação desse tipo de unidade atende quem não consegue ou não quer comprar um imóvel no momento. “O público pode pagar aluguel mais econômico e se monetizar para comprar depois”, afirma Silveira.
O sócio da Yuca destaca ainda que o fato de o imóvel ficar exclusivo para locação permite manter o direito de acesso a essas unidades para a faixa de renda adequada. Se, ao final do contrato de 30 meses, a renda do morador tiver crescido e ele não se enquadrar mais na categoria, tem que trocar de casa.
A fiscalização, que segundo Marina Cavalli, advogada imobiliária do Machado Meyer, era um “gargalo” da legislação anterior, está “em processo de adequação”, de acordo com nota da Secretaria de Habitação. A pasta informa que a cidade terá “um convênio com a Associação dos Registradores de Imóveis, para que o acesso à base de dados de HIS e HMP seja disponibilizado ao Poder Público”.
Diz ainda que haverá uma revisão da portaria que define os conceitos de HIS e HMP, e a locação por fundos de investimento deve ser tratada na ocasião.
(Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)