A construção civil foi o ramo de atividade que mais perdeu empregos e representatividade na população ocupada durante a crise. Entre 2014 e 2018, o número de ocupados no setor, entre formais e informais, encolheu 14,4%, maior retração entre os segmentos que compõem a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE. Ao diminuir de 7,8 milhões para 6,7 milhões, os empregos na construção passaram a responder por 7,3% da mão de obra no país, ante 8,5% há quatro anos.
Em igual intervalo, segmentos que prestam serviços, como alojamento e alimentação, transporte e serviços domésticos, viram sua participação no total de empregados subir. Na média, porém, o contingente de ocupados no Brasil ficou praticamente estável, com recuo de 0,3% no ano passado em relação a 2014. Os dados fazem parte da retrospectiva anual da Pnad Contínua.
Segundo especialistas, o setor deve mostrar alguma retomada neste ano, puxada pelo mercado imobiliário, mas ainda pífia frente o tombo de quase 30% do PIB acumulado no último quadriênio. Por isso, a participação da construção na reação esperada para o mercado de trabalho tende a ser tímida em 2019.
Coordenadora de Projetos da Construção do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), Ana Maria Castelo destaca que, no universo formal, comparando com o ano de 2013 - antes do início da recessão -, o tombo foi ainda maior: em cinco anos, o número de vagas com carteira assinada no setor se retraiu em quase 34%, uma perda de 1,17 milhão de postos.
De acordo com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) levantados pela FGV e pelo Sindicato da Indústria da Construção do Estado de São Paulo (SindusCon-SP), todos os oito subsetores mostraram retração de dois dígitos no período. O que mais demitiu, com eliminação de 42,9% de suas vagas, foi o imobiliário, seguido de obras de acabamento (35,5%), preparação de terrenos (33,7%) e infraestrutura (33,1%).
O quadro mostrado pela Pnad, no entanto, dá dimensão mais próxima do segmento, que também tem trabalhadores informais e por conta própria, observa Ana Maria. É o caso de Djavan Oliveira, hoje microempreendedor individual, mas que começou a atuar na construção como ajudante geral, ainda adolescente.
Na contramão de muitos trabalhadores que passaram a fazer bicos depois de ficarem desempregados, Oliveira deixou sua ocupação de bancário em 2016 para abrir uma microempresa especializada em grandes reformas. Enquanto atuava como agente comercial no banco, ele já fazia pequenos reparos para complementar sua renda.
Devido à procura ainda fraca por reformas, porém, Oliveira tem feito com maior frequência serviços mais simples, como pintura de paredes e serviços de manutenção elétrica e hidráulica, atividades que, de acordo com o microempresário, estão mantendo seu nível de rendimento mensal. "Mas grandes obras mesmo, não estou tendo. O mercado ainda está muito inseguro."
Para Ana Maria, do Ibre, a "tempestade perfeita" que se formou sobre a construção explica o recuo tão expressivo do emprego. Do lado da infraestrutura, o desequilíbrio fiscal do setor público e as investigações da Lava-Jato frearam as contratações para obras pesadas. Já no mercado imobiliário, o fator determinante foi a redução do crédito e da renda das famílias provocada pela recessão.
"Os números mostram que a crise foi muito grande", diz a economista, para quem a incerteza eleitoral adiou o início de recuperação prevista para o ano passado e, consequentemente, a perspectiva de que o setor volte a contratar de forma mais consistente. O cenário é um pouco mais promissor para o setor de edificações, que já mostrou algum reaquecimento, mas o de infraestrutura deve seguir andando devagar, mesmo com a agenda de concessões, diz ela. "O setor tem um ciclo mais longo e a reação não começou no ano passado".
Na média, o desempenho da construção será ainda muito modesto em 2019, pondera Ana Maria, impedindo maior recuperação do emprego. Nas estimativas do Ibre-FGV, o PIB da construção civil vai crescer 2,3% neste ano, após contração de 2,4% em 2018.
Quase um terço de todos os desligados durante a crise no mercado formal eram da construção, observa Cosmo Domato, economista da LCA Consultores, que concorda com a visão da pesquisadora da FGV. Enquanto a crise fiscal não for solucionada, o setor público terá sua capacidade de gastos comprometida e vai investir pouco em infraestrutura. Assim, é impossível que o setor como um todo volte a ter protagonismo na criação de vagas, diz. Em suas estimativas, devem ser abertas 850 mil vagas com carteira neste ano, sendo que apenas 38 mil virão da construção.
Na última semana, a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic) apresentou a um grupo de 200 deputados federais e senadores um plano com 18 medidas que, se atendidas, teriam potencial de gerar 1 milhão de empregos no setor, segundo estimativas da entidade. Entre as propostas, estão mudanças mais abrangentes, como a reforma previdenciária, e outras específicas, como a retomada de 4,8 mil obras públicas atualmente paralisadas.
O presidente da Cbic, José Carlos Martins, avalia que a queda no emprego foi tão grave porque os governos anteriores não criaram condições para que o setor privado substituísse o papel do investimento público. Faltaram ações como mudanças no modelo de contratação de construtoras pela União e incentivos maiores às Parcerias Público-Privadas (PPPs), diz ele. "Se houver melhorias do arcabouço legal que reduzam a insegurança jurídica, o capital privado virá."