Em se tratando de investimento em imóveis, sobretudo no tijolo em si, é sabido que não existe um retorno garantido e pré-determinado. Quem quer segurança e previsibilidade deve procurar a renda fixa. Não aluguéis. Claro que os riscos de vacância, que é quando o imóvel fica vazio, sem locatário, e de calote podem ser bem reduzidos (e isso depende de muitos fatores), mas não serão nulos.
Ainda assim, não é difícil de encontrar peças publicitárias de empreendimentos que ainda nem começaram a sair do chão prometendo justamente isso: um retorno garantido do seu investimento. Eles focam em aluguéis por temporada, no estilo hotel ou Airbnb.
Nas entrelinhas, há detalhes que podem fazer você repensar se vale mesmo a pena seguir com o investimento. Vamos destrinchar dois casos - um de hotéis e o outro de estúdios e apartamentos pequenos, de até 40m2.
Investir em hotel
Na primeira oferta, salta aos olhos a rentabilidade garantida de 0,8% ao mês durante o período de obras. É o caso do hotel Days Inn, que deverá ser erguido na Vila Mariana, região nobre de São Paulo. O projeto tem previsão de ser concluído em 36 meses, sendo 24 deles cobertos pela oferta de rentabilidade garantida e os outros 12 de dinheiro parado. Na prática, você estará financiando o projeto, recebendo, para isso, juros de cerca de 10% ao ano. Remunerar o investidor pessoa física é um modo de captação para a incorporadora, alternativa aos bancos e emissão de títulos de dívida.
A condição de rentabilidade garantida antes da finalização do empreendimento só vale para compras de suítes à vista, com investimento inicial de R$ 349 mil. Para as compras a prazo, não há retorno no período de obras e o preço total sobe para R$ 389 mil, dividido em parcelas fixas, sem reajustes, segundo o time de vendas.
Pelos primeiros dois anos, você receberia de volta R$ 2,8 mil por mês mais ou menos. Ou R$ 67 mil no período. Mas não pense em gastar esse dinheiro, porque no último ano você terá de pagar R$ 45 mil para arcar com os custos de decoração da suíte, que é padronizada. Este custo a mais, faz com que sua rentabilidade caia para R$ 22 mil.
Depois de inaugurado, algo que vai demorar três anos para acontecer, o anúncio promete um retorno que varia entre 0,9 e 1,4% ao mês. A vendedora Fernanda Sepero explica que a rentabilidade foi estimada com base em estudos de uma renomada consultoria, que avalia a localização, aspectos de sazonalidade e vacância. Também estão inclusos na distribuição dos lucros os ganhos com bar e restaurante do hotel, além da ocupação dos quartos.
Quais as variáveis?
O retorno acima considera que o hotel tenha pelo menos 60% de ocupação no mês. De acordo com a vendedora, é necessário pouco menos de 30% de ocupação para garantir o funcionamento do empreendimento sem ter de recorrer à reserva de emergência.
"É algo muito difícil de acontecer, uma ocupação tão baixa, nem na pandemia isso foi visto. Mas se ocorrer, existe o fundo de emergência que é construído com 5% dos lucros mensais do empreendimento. Só se houver uma crise sem precedentes, os sócios teriam de ratear custos", afirma ela, considerando outros empreendimentos similares.
A fala da vendedora vai contra os dados do Observatório do Turismo que apontam que em abril de 2020, no início do isolamento, a taxa média de ocupação despencou para 5,8% contra 39% do mês anterior. E maio, ficou abaixo de 10%.
No entanto, historicamente a média de ocupação se mantém acima de 60% em praticamente todos os meses do ano, inclusive agora, no último trimestre de 2022, quando atingiu taxas de 72% em maio.
"Você investidor, adquire uma ou mais suítes hoteleiras escrituradas em seu nome, e automaticamente torna-se um sócio participativo do Days Inn, e passa a receber sobre todos os lucros do hotel independentemente da ocupação de sua suite", escrevem no anúncio.
Além do retorno garantido, o principal mote da campanha de vendas é a possibilidade de ter uma gestão profissional do imóvel e não ter custos adicionais com ele, como IPTU, condomínio e contas fixas, como água e luz.
Vale lembrar que este tipo de gestão profissional é facilmente encontrada quando se investe em fundos imobiliários, que em diversos casos possuem uma carteira com mais de um imóvel, diluindo o risco de vacância e calote.
De acordo com Fernanda, o investimento é diferente de um TimeShare, que é quando o cliente compra uma suíte de hotel e pode usufruir dela e de outras suítes em hotéis conveniados ao redor do mundo. Já neste novo tipo de empreendimento, você recebe retornos mensais, mas a suíte não é sua para usufruto. Você pode, no entanto, alugá-la com um desconto que varia de 10% a 35%, a depender da demanda no momento.
"Se todos os sócios usufruírem da suíte ela ficará ocupada sem pagamento e isso prejudica a rentabilidade e os demais. Por isso, não fazemos dessa forma", justifica. Segundo a vendedora, outra vantagem é que o investidor parceiro dispõe de descontos de até 35% na rede Wydham em todo o mundo. Os retornos mensais, afirma ela, são isentos de imposto de renda, por entrarem como participação nos lucros.
Tomando por base o retorno mínimo prometido de 0,9% ao mês, a rentabilidade anualizada é de pouco mais de 11% ao ano. Um percentual bem acima do retorno calculado por índices como FipeZap, que estimam retorno médio de 5% ao ano para imóveis de locação em contratos longos.
Com base nesse percentual, abaixo de 6% ao ano, o portal imobiliário Imovelweb, que considera o preço de compra e o de locação de imóveis em São Paulo, estima que o tempo para recuperar o dinheiro investido em imóvel por meio da locação seja de 18 anos em São Paulo.
Mas, ao que parece, neste nicho, de hotelaria e aluguéis de curta estadia, o cálculo é diferente.
Embora os 11% ao ano sejam interessantes, no atual cenário de juros altos, que não se sabe até quando irá durar, dá para investir em títulos que remuneram 100% do CDI, ou seja mais de 13% ao ano.
Um ponto a ser considerado é que empreendimentos, principalmente os que ainda não saíram do papel, têm um grau considerável de risco. Por um ou outro motivo, eles podem não ser entregues a tempo (ou nunca) e estão ainda suscetíveis a variáveis de preços da construção civil. Esta é uma percepção que agências de risco e analistas de títulos de crédito costumam fazer de empreendimentos novos, costumeiramente considerados mais arriscados que os que já estão de pé.
Por outro lado, se houver valorização do imóvel com o passar do tempo, você poderá repassá-lo com ganhos. Esta é uma variável que pende para o lado de investimento em imóveis. O problema é que não há garantias de que o tijolo irá ganhar da inflação ao longo do tempo.
Promoção em estúdios e apartamentos pequenos
Depois que a pandemia obrigou as pessoas a ficarem em casa e contribuiu para uma mudança na percepção de moradia, fazendo com que imóveis maiores voltassem à preferência, os vários projetos já aprovados de micro apartamentos ganharam um sentido diferente.
Agora a aposta é de que eles possam ser usados para aluguel por temporada, à la AirBnB, como se fazia muito com os flats antes do universo dos aplicativos. A ideia é ter uma apartamento pronto, pequeno e estrategicamente localizado voltado para estadias mais curtas.
De olho nesse mercado, surge a empresa de gestão de imóveis Charlie, que promete cuidar de tudo para o cliente, como anúncios, manutenção, pagamento de despesas, por uma taxa de 18% do retorno da locação.
Como uma forma de promover sua gestão, a empresa fez uma parceria com a incorporadora Helbor para prometer um retorno de aluguel garantido por 12 meses no empreendimento Duo, no bairro de alta renda Jardim Paulista, ali na Avenida Av. Brigadeiro Luis Antônio. É uma campanha, algo pontual, apenas uma promoção para dar um gostinho do trabalho da Charlie para os investidores.
Na compra de um estúdio ou flat, que custam a partir de R$ 349 mil, você deve assinar um contrato também com o Charlie para fazer a reforma do apartamento. Isso inclui compra de mobiliário e decoração. Desta forma, o imóvel entra no padrão para se tornar elegível para a promoção de retorno garantido.
"O valor do projeto depende do padrão e tamanho da unidade, mas costuma ser entre R$ 2.300 e R$ 2.800 por metro quadrado. A unidade é entregue 100% completa, desde mobiliário básico (cama, mesa, cadeira), equipamentos (geladeira, cooktop, nespresso, televisor, etc) até enxoval e louça", afirma.
Considerando um estúdio da Hellbor de 26 m2, o valor da reforma seria em torno de R$ 65 mil, quantia que se adiciona aos gastos iniciais obrigatórios deste investimento.
Diferentemente do que ocorre com os hotéis, o imóvel é do comprador e pode ser usado por ele. Entretanto, se o uso for feito dentro dos 12 meses promocionais, o tempo de permanência para usufruto da unidade não será remunerado.
"A gente gosta de dar a sensação de que o apartamento é dele. Mas aí ele não recebe por esse período. Só precisa pagar a taxa de limpeza", afirma o presidente da Charlie, Allan Sztokfisz.
Segundo ele, os proprietários têm de pagar as contas como água, luz, IPTU e condomínio. Mas, na prática, esses valores são apenas descontados do retorno do aluguel mensal. Por ser um esquema de estadias curtas, com cerca de quatro diárias os custos de manutenção podem ser sanados.
O executivo afirma ainda que o sistema de aluguéis por temporada reduz as chances de vacância absoluta. Ainda que uma unidade não seja ocupada o mês inteiro, ela terá várias ocupações que permitem que o retorno no final do mês seja positivo, em vez de zero, como ocorre em propriedades com contratos de longo prazo.
Com anúncios em diversos sites e plataformas e um time de vendas, a empresa faz uma força-tarefa para evitar vacância, isso porque o modelo de negócio se sustenta pelo percentual do que for ganho com a ocupação. Por isso, se o imóvel fica parado, eles deixam de ser remunerados.
Não há uma previsibilidade exata de quanto será o retorno mensal. Na tentativa de se manter competitivo em um mercado cada vez mais denso de apartamentos de curta estadia, os preços são reajustados diariamente, de acordo com a procura e os valores de mercado.
De acordo com métricas do Charlie, o retorno costuma variar entre 5% e 6% ao ano sobre o valor investido na compra do imóvel. Ou seja, no caso dos estúdios citados aqui, seria por volta de R$ 17 mil ao ano. O percentual está em linha com o retorno de aluguel tradicional de imóveis comerciais, mas fica muito abaixo de investimentos em renda fixa ou fundos com gestão ativa.
Claro que, isso sem contar com aquela variável, da suposta valorização do imóvel, que é dada como sempre positiva, mas, lembre-se de que não há como garantir que o valor de mercado da unidade estará realmente favorável no momento em que você decidir vender.
Matéria publicada em 31/08/2022