Mesmo com o resultado abaixo do esperado até abril e os desdobramentos da nova crise política, a Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip) segue esperançosa de que uma eventual aceleração no crédito imobiliário possa inverter a trajetória de queda do setor que se arrasta desde o ano passado. A estimativa de expansão de 6% para este ano, de acordo com o presidente da entidade, Gilberto Abreu, está mantida até que seja possível ter maior clareza do cenário atual, ou seja, se as reformas em andamento seguirão em frente ou não.
No ritmo em que está, de acordo com o executivo, o financiamento imobiliário que usa recursos da poupança (SBPE) deve atingir R$ 40 bilhões neste ano, montante 14,2% inferior ao registrado em 2016, de R$ 46,6 bilhões. Isso, antes da crise política deflagrada com as delações da JBS. "De fato, temos preocupação. Estávamos em um ciclo bastante positivo, com redução de juros e revisões das taxas para baixo. Era um ambiente econômico diferente, favorável, mas a instabilidade econômica gerada é motivo de preocupação", avalia Abreu, em entrevista ao Broadcast.
Para ele, que está no comando da Abecip há pouco mais de um ano, o pior momento da crise para o setor imobiliário já passou tanto sob o ponto de vista de inadimplência para os bancos como do balanço das empresas, prejudicado pelo alto volume de distratos. Depois de casos importantes de pedidos de recuperação judicial como o da Viver e da PDG Realty, Abreu não descarta que mais empresas no segmento de incorporação imobiliária possam seguir o mesmo caminho, mas acredita apenas em movimentos "muito pontuais". Ele garante que o mercado está mais realista e não trabalha com um cenário "cor-de-rosa", mas pondera que as reformas em andamento, essenciais para o ajuste fiscal e, consequentemente, da retomada da economia podem passar ou não. "Para o mercado voltar a crescer, vamos precisar ter evolução macroeconômica", destaca ele.
Abaixo, os principais trechos da entrevista:
Broadcast: A crise política no País preocupa o mercado de crédito imobiliário, que ensaiava uma retomada?
Gilberto Abreu: A maior preocupação está nos desdobramentos do ambiente político para o nosso mercado. De fato, temos preocupação, pois estávamos em um ciclo bastante positivo, com redução dos juros. Abrimos 2017 falando de uma expectativa de Selic a 8,5% (no fim do ano). Há duas semanas, já estávamos falando de uma taxa de 7,0%, o que apontava para um ambiente econômico favorável. A maior preocupação agora é se o governo vai conseguir fazer as reformas. Esse é o ponto de partida para trazer credibilidade, estabilizar as contas públicas e fazer as taxas caírem de forma estrutural, não artificial. Isso preocupa, pois o ambiente político é incerto.
Broadcast: Então, a Abecip vai cortar a estimativa de expansão de 6% do crédito imobiliário em 2017 ante 2016 devido ao novo cenário de crise?
Abreu: Não. Estamos no ritmo anual para atingir R$ 40 bilhões. É um ritmo aquém do que esperávamos. O primeiro quadrimestre foi um período muito duro, com os financiamento caindo 8,5% (R$ 14,4 bilhões entre janeiro e abril de 2016 ante R$ 13,2 bilhões nos mesmos meses de 2017). O ano passado já não era uma grande referência e ainda conseguimos involuir. Nossa projeção de crescimento é de 6%. Estamos esperando um pouco (antes de revisar projeções) para ver como se dará o assentamento da política. Se houver andamento das medidas de reforma, independente do cenário político, conseguiremos ter um quadro melhor. Se não andar, teremos de revisar a projeção.
Broadcast: Por que a projeção está mantida se vemos queda nos financiamentos no começo do ano?
Abreu: Nossa expectativa era de que, chegando perto do fim do ano, com o cenário mais claro e reformas aprovadas, o crédito começasse a reagir para pessoas físicas e, principalmente, para a pessoa jurídica. Só com a pequena melhoria do setor, alguns empresários já estavam retomando projetos, reavaliando investimentos e contratações. Agora, enquanto houver instabilidade, todo mundo vai esperar.
Broadcast: E a taxa Selic? Diante desse cenário, há risco de desacelerar a queda da taxa básica de juros e dos financiamentos?
Abreu: Temos expectativa de que a taxa de juros continue caindo. O patamar atual não é aquele em que o mercado vai ficar. As curvas de juros futuros estavam cedendo, mas voltaram a subir um pouco. Isso mostra que o mercado está mais apreensivo.
Broadcast: O quanto isso atrapalha os negócios do setor?
Abreu: Os projetos imobiliários são grandes e as incorporadoras ainda têm muitos estoques. Então, os empresários tendem a esperar um pouco para entender como vai evoluir o ambiente econômico antes de tomar decisões de novos negócios.
Broadcast: A volta das turbulências afeta taxas, prazos e elegibilidade do crédito imobiliário? Os consumidores vão se retrair?
Abreu: O mercado foi mais cauteloso durante o auge da crise. Os bancos aumentaram as garantias na relação entre o valor de empréstimo e o valor do imóvel. Hoje, voltamos aos patamares pré-crise. O que falta é demanda. O consumidor está cauteloso, o emprego ainda não reagiu.
Broadcast: E a demanda por parte da pessoa física? Pode ser postergada com a nova crise?
Abreu: Acho que sim. A economia funciona em ciclos. Se os agentes econômicos tiverem de esperar um pouco mais para ter certeza se haverá retomada, então, todos os setores vão sentir também. Neste momento, a economia parou de cair. Já chegamos no fundo do poço e estamos na espera da retomada.
Broadcast: Qual a fatia prevista do crédito destinado para empresas construírem empreendimentos e para consumidores comprarem os imóveis?
Abreu: A média histórica é de um terço destinado ao Plano Empresário (nome da linha de financiamento à produção) e dois terços para empréstimos para aquisição. Já nos últimos dois anos, essa proporção mudou totalmente. Hoje, o financiamento à construção está em torno de 10%.
Broadcast: Estamos chegando na metade do ano e a regulamentação dos distratos de imóveis não veio. Isso alimenta mais riscos sistêmicos?
Abreu: Toda e qualquer discussão de projeto de lei normalmente toma tempo. É natural, pois envolve a visão do mercado e dos consumidores. Não me surpreende (que demore), especialmente neste momento que há tantos outros assuntos em pauta no Congresso.
Broadcast: E como fica o setor enquanto a regulamentação não vem?
Abreu: O pior do distrato já passou. A grande pancada no mercado aconteceu nos últimos dois anos, quando houve um grande número de entrega de empreendimentos e as empresas sofreram mais. Esse é um assunto importantíssimo para ser regulamentado, faz parte dos fundamentos para termos mercado mais sadio. Mas não acho que agora é o assunto que vá resolver o mercado. A questão número um é a retomada da economia, porque é o que vai fazer com que mais consumidores voltem a comprar, que baixem mais os estoques das construtoras e reduzam os distratos.
Broadcast: A inadimplência no crédito imobiliário está sob controle?
Abreu: O patamar histórico era de 1,3% e subiu para 1,9%. Foi uma subida representativa, mas que não chegou a comprometer a carteira. Dada a crise econômica que vivemos, ter um nível de inadimplência controlado me parece uma boa notícia. Mostra que o mercado e a regulamentação estão garantindo o vigor necessário. Acho que a tendência é de melhora diante do consenso dos agentes econômicos de manutenção das reformas independente do que aconteça na política.
Broadcast: Havia expectativa de trégua na execução de dívidas e retomada de imóveis neste ano. Isso se confirmou?
Abreu: Ainda está parecido com o volume do ano passado. O número parou de crescer, mas continua maior do que no patamar pré-crise.
Broadcast: E o risco das incorporadoras? A pior fase já passou para o segmento ou novos pedidos de recuperação judicial são possíveis?
Abreu: O ajuste mais forte do mercado já passou. No momento em que houve inflexão da economia, o consumidor se retraiu e começou a devolver as unidades, provocando um ajuste duríssimo para as incorporadoras. Hoje, as empresas trabalham com cenários muito mais conservadores e realistas. Ninguém se engana para uma realidade cor-de-rosa. Todo mundo está trabalhando com um cenário de que as reformas podem ou não acontecer.
Broadcast: A lista de construtoras em recuperação judicial deve parar de crescer?
Abreu: Teremos coisas muito pontuais. Casos maiores já estão na pauta. Algumas já passaram por equalização. Outras empresas ainda estão em dificuldades, e a agenda delas é de equalização em 100% do tempo.
Broadcast: A liberação de recursos em compulsórios ligados à caderneta de poupança, conforme circular publicada na semana passada, pode trazer algum impulso para o crédito imobiliário?
Abreu: Sim, mas é pequeno. Essa situação vem desde 2015, com a circular 3.757, que liberou durante um período os bancos para usarem um pedaço do compulsório para estimular o nosso mercado. Naquele momento, os bancos emprestaram praticamente todos os recursos que estavam disponíveis. No entanto, é empréstimo de longo prazo, dura 20, 30 anos e havia risco de que o Banco Central voltar atrás e solicitar que os bancos devolvessem a fatia do depósito compulsório utilizada, o que ia forçar os bancos a ficarem descasados. A nova circular não só regulamenta que isso não vai acontecer como libera, na expectativa da equipe da Abecip, R$ 6 bilhões adicionais de compulsório para o mercado imobiliário, que é uma excelente notícia.
Broadcast: O senhor acha que esses recursos serão consumidos ainda que pese a nova crise?
Abreu: Sim. Tipicamente, todo recurso que tem sido liberado tem sido consumido até pela escassez de outras fontes.
Broadcast: Com a poupança registrando mais saques que entradas, o funding para o crédito imobiliário ainda é uma preocupação?
Abreu: Uma das notícias boas é que o ritmo de retirada da poupança diminuiu muito. Ano passado, de janeiro a abril, tínhamos perdido (na poupança) R$ 27,7 bilhões. Esse ano, perdemos R$ 13,3 bilhões, ou seja, menos da metade, que é uma boa notícia. Com esse nível de retirada e a expectativa de que o juro continue caindo, a poupança continua sendo atrativa e deve ter capacidade de atrair mais recursos.
Broadcast: A poupança fecha o ano com captação positiva?
Abreu: Acho que não fecha. Ainda será um ano de captação líquida negativa, mas a carteira crescendo através da sua rentabilidade.
Broadcast: E outras fontes de recursos? Havia expectativa de regulamentação da letra imobiliária garantida (LIG). Há alguma previsão?
Abreu: Isso é com o Banco Central. Não tem nada. Temos apoiado a LIG e nos parece que as discussões avançaram bastante. Mas é uma coisa que foge ao nosso controle.
Broadcast: A Abecip vê alguma alternativa para contribuir para a retomada?
Abreu: Não. Para o mercado voltar a crescer, vamos precisar ter evolução macroeconômica. Do contrário, o mercado não vai parar, mas já não vai crescer com o vigor que poderia.