O crescimento da economia brasileira passa necessariamente pelo fomento ao crédito, mas para isso é necessário que o País melhore a metodologia para recuperação dos valores emprestados em caso de inadimplência. Atualmente, a recuperabilidade de valores no Brasil é muito baixa na comparação com outros países. Para se ter uma ideia, por aqui a retomada de crédito é de apenas 14,6% dos valores das garantias; enquanto nos Estados Unidos e no Reino Unido esse índice supera 80%.
“Os números são muito baixos comparados aos de outras economias”, enfatizou Vinicius Brandi, subsecretário de Política Microeconômica e Financiamento da Infraestrutura, que participou na quinta-feira, 27 de outubro, do seminário “Marco das Garantias e seu Papel na Redução do Custo de Crédito no Brasil”, transmitido pela TV Estadão. Um dos fatores determinantes da taxa de juros é a taxa de inadimplência. E esse diferencial de crédito cobrado também depende do quanto se consegue recuperar da operação de crédito em caso de não pagamento. Operações que não têm garantia possuem taxas de juros mais elevadas do que opções com garantia, como financiamento de carros e imobiliário.
Durante o evento, Brandi ainda acrescentou: “Não é só a taxa de recuperação, mas quanto tempo demora isso e quão trabalhoso e custoso é. O tempo médio de recuperação de crédito no Brasil chega a quatro anos”. Em outros países é menor: nos Estados Unidos e no Reino Unido, um ano; na Coreia do Sul, um ano e meio; e no Chile, dois anos.
Marcelo Franciulli, diretor executivo da Fenabrave (Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores), trouxe ao debate o caso de veículos automotores. “Com as motos a retomada pode levar de seis a oito meses, e quando isso acontece já está em um estágio avançado de deteriorização, com passivo de multas e licenciamentos”, comentou. Já no crédito imobiliário, a inadimplência é historicamente baixa, de 1,6% até 90 dias sem pagamento, assim como a perda, que é de menos de 1%, conforme explicou Filipe Pontual, diretor executivo da Abecip (Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança), que também integrou o seminário.
“O crédito é uma relação privada. Quem fornece o crédito tem de ter liberdade de escolher garantias e de como recuperá-las. Nos EUA, no caso de veículos, todos têm crédito, porque há um sistema que funciona, sem interferência do Estado nem do Judiciário. É uma relação contratual e consentida”, citou Franciulli. “Essa relação tem de ser mais rápida, porque crédito é fundamental e não pode ter fator externo interferindo nessa relação”, completou.
Não é só a taxa de recuperação, mas quanto tempo demora isso e quão trabalhoso e custoso é. O tempo médio de recuperação de crédito no Brasil chega a quatro anos”- Vinicius Brandi, Subsecretário de Política Microeconômica e Financiamento da Infraestrutura
Marco das Garantias ajudará a reduzir a inadimplência
O Brasil vive um momento desafiador, com a inadimplência batendo recordes históricos. Em setembro, o indicador atingiu a marca de cerca de 64 milhões de brasileiros com dívidas atrasadas. Isso significa que 4 em cada 10 brasileiros adultos estavam com o nome negativado. Os dados fazem parte de estudo da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil).
Uma maneira de tentar reduzir a inadimplência é oferecer linhas de crédito mais baratas ao consumidor. É nesse cenário que surge o Marco das Garantias (PL 4.188/21), que deverá ter papel fundamental na redução do custo de crédito no Brasil.
“Se a pessoa estiver acessando linhas mais onerosas, mais caras, e até mesmo usando operações fora do mercado regulado, estará mais sujeita a essa exposição, porque terá taxas de juros muito maiores. A não formalização da garantia adequada vai ter esse efeito”, disse Vinicius Brandi, subsecretário de Política Microeconômica e Financiamento da Infraestrutura.
De acordo com ele, a formalização das garantias vai contribuir para tornar a prestação mais barata, para alongar o prazo de pagamento e para as pessoas terem acesso a condições mais favoráveis. “Tudo isso vai ter impacto na inadimplência”, avaliou.
Marco Legal das Garantias vai contribuir para aumentar a produtividade brasileira
Projeto de lei em tramitação no Senado traz expectativas positivas para o mercado nacional
Está em tramitação no Senado Federal o Projeto de Lei 4.188/21, que cria normas para regulamentar os empréstimos em instituições financeiras e os bens dados como garantia em caso da não quitação da dívida. O deputado João Maia (PL/RN), relator na Câmara, argumenta que a reformulação das normas que regulamentam as garantias no Brasil é necessária para diminuir o risco de inadimplência do devedor, contribuindo, dessa forma, para a redução do custo do crédito.
Uma das novidades trazidas pelo projeto de lei é que o mesmo bem poderá ser dado como garantia em mais de um empréstimo e a redução do saldo devedor autoriza novas operações com a mesma garantia. “O Marco Legal das Garantias se insere no contexto de reforma econômica voltada para aumentar a produtividade da economia brasileira como um todo”, diz Vinicius Brandi, subsecretário de Política Microeconômica e Financiamento da Infraestrutura. “É mais uma medida na reforma microeconômica, que vai ajudar a sociedade a ampliar a possibilidade de usar garantia nas operações de crédito, ampliar os financiamentos e reduzir taxas de juros”, complementa.
Para Marcelo Franciulli, diretor executivo da Fenabrave (Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores), o processo de garantia no Brasil é falho e deixa uma massa de capital mobilizado que poderia financiar projetos de infraestrutura, educação, entre outros. “Com o Marco das Garantias, estamos dando o primeiro passo”, avalia.
“O marco vai melhorar o processo de aprimoramento das garantias e trazer mais eficiência para esse setor. O efeito mais relevante é potencializar a garantia para tomada de crédito: em vez de se tomar crédito pessoal com 80% de juros ao ano, isso poderá ser feito com redução de 50 ou 60 pontos percentuais”, diz Brandi.
Filipe Pontual, diretor executivo da Abecip (Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança), comenta que o tema já foi muito debatido e aperfeiçoado na Câmara dos Deputados. “É um momento bom para fazer isso porque o benefício final será para todo mundo”, diz Pontual. Franciulli concorda que houve um avanço na aprovação do marco na Câmara e que agora é preciso aprová-lo rapidamente, porque se trata de um fator de inibição que atravanca o crescimento do País.
Em vez de se tomar crédito pessoal com 80% de juros ao ano, isso poderá ser feito com redução de 50 ou 60 pontos percentuais - Vinicius Brandi
Gestoras de garantias são o principal ponto do projeto
A criação de instituições gestoras de garantias (IGGs), que vão poder fazer a administração especializada dos bens dados como garantia de empréstimos, é considerada um dos principais pontos do Projeto de Lei 4.188/21. Caberá às IGGs fazer o registro em cartório, avaliar as garantias reais e pessoais; e executar a dívida em caso de inadimplência do tomador do crédito. A estimativa é que essa gestão centralizada das informações traga uma visão com melhor clareza e transparência, dando ao cliente uma ideia real do que tem e da capacidade de tomar crédito.
Filipe Pontual, diretor executivo da Abecip (Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança), destaca a independência da IGG em relação às instituições financeiras e comenta que terá um papel importante para preservar a garantia. “Haverá mais segurança para conceder o crédito”, diz.
A expectativa é que agora, passado o processo eleitoral, seja designado o relator para dar celeridade ao tema. “Importante ser neste ano, porque é um benefício para o cidadão. Existe a possibilidade de começar 2023 com novo horizonte para o setor de crédito”, diz Marcelo Franciulli, diretor executivo da Fenabrave (Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores).
Matéria publicada 04/11/2022