Edna Simão
Sem recursos em caixa, o governo federal empurrou para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) a responsabilidade de bancar mais da metade do pacote de R$ 83 bilhões anunciado para estimular o crédito e, consequentemente, retirar o país da paralisia em que se encontra. Ou seja, o fundo vai bancar R$ 49 bilhões. Mas para plano sair realmente do papel o Congresso Nacional precisa aprovar mudança nas regras de saque do FGTS e deve aproveitar a oportunidade para ressuscitar reivindicações antigas dos trabalhadores, como distribuição do lucro do fundo e mudança no índice de correção.
O conselho curador do FGTS também precisa concordar com possíveis alterações. Para ganhar tempo, o ministro Trabalho e Previdência Social, Miguel Rossetto, convocou para fevereiro uma reunião extraordinária para discutir as medidas anunciadas. Mas tudo é pro forma. O governo tem maioria e, portanto, pode passar todas as mudanças que quiser.
O pacote divulgado no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social não trouxe detalhamento e deixa dúvidas sobre sua efetividade. Por exemplo, o governo anunciou que R$ 22 bilhões do Fundo de Investimento do FGTS (FI-FGTS) serão liberados para financiar a infraestrutura. A questão é que, conforme noticiou o Valor, esse dinheiro já estava parado nos cofres do fundo porque as empresas não querem investir em novos projetos num cenário de recessão e de Operação Lava-Jato.
Esse recurso foi inserido para inflar o pacote, mas se não houver mudanças nas regras de concessão, o dinheiro continuará parado. Além da possibilidade de usar os recursos para financiar projetos, a única informação adicional é que deve haver uma simplificação na emissão de debêntures de infraestrutura para esse montante ser usado. Mas não foram divulgadas que mudanças seriam essas.
A falta de demanda também será um problema para alavancar o crédito no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). De 2014 para 2015, houve queda de 55% das consultas do setor de infraestrutura, o que puxou uma redução média de 47% nos pedidos de crédito ao banco de forma geral.
Também foi anunciado que o FGTS vai comprar R$ 10 bilhões em Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), que tem lastro em imóveis residenciais que obedeçam os limites das normas do fundo. Como a operação é feita com a Caixa Econômica Federal, integrante do conselho curador do FGTS criticou a medida, que foi vista como "capitalização" do banco.
Isso porque o FGTS tem adquirido esses certificados da Caixa de forma gradual. Agora, o fundo adquiriria um valor alto para dar folga para o banco público fazer outros negócios. Na prática, como foi mostrado na apresentação feita pelo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, a medida vai liberar capacidade de financiamento para novas transações.
Outra proposta é permitir o uso da multa por demissão sem justa causa e 10% do saldo do FGTS para garantir empréstimo consignado. A expectativa é de que se permita um aumento de R$ 17 bilhões na modalidade. A alteração é uma garantia a mais de pagamento e pode estimular o trabalhador do setor privado a trocar um crédito mais caro por um mais barato. Mas há dúvidas sobre a efetividade para alavancagem do crédito com o temor da população com a recessão e o desemprego.
No caso dos bancos, a maioria dos contratos feitos entre instituições financeiras e trabalhadores da iniciativa privada para liberação do crédito consignado já preveem, por exemplo, o uso da rescisão para cobertura da dívida do crédito consignado. Se está ocorrendo algum problema para receber essa dívida, não foi dito. Resta conhecer o teor do texto da medida provisória que será encaminhada pelo governo.
Mas, mudanças nas regras de concessão do FGTS são sempre complicadas, pois é a oportunidade de emplacar novos pleitos. Existem centenas de projetos no Congresso Nacional para promover algum tipo de alteração nas regras de saque dos recursos do fundo, como mudanças na remuneração - atualmente de apenas TR mais 3% ao ano - ou distribuição aos trabalhadores dos lucros. Há propostas que vão do uso do FGTS para compra de lotes para construir a casa própria assim como para financiamento do ensino do cotista, pagamento de tributos e despesas hospitalares.