Esther Fung
Com a fachada e outros detalhes de acabamento e pintura ainda por fazer, os apartamentos duplex ao longo de uma rua remota da cidade portuária chinesa de Qingdao podem, se preciso, ir para o mercado em questão de dias.
Isso representa um problema para a China e para o mundo.
Os apartamentos do amplo conjunto de condomínios Shimao Noble Town não estão totalmente acabados e não têm permissão para serem vendidos, o que os torna invisíveis para as estatísticas locais e nacional que tentam calcular o tamanho do massivo excedente de oferta de imóveisresidenciais vazios e incompletos na China.
Segundo estatísticas oficiais, o estoque de apartamentos não vendidos da China já é igual, em metros quadrados, a mais que seis Manhattans. Esse excedente é um obstáculo para a segunda economia mundial, que deve fechar 2015 com seu menor crescimento em 25 anos. O mercado imobiliário chinês, junto com setores relacionados, representa quase 20% da atividade econômica da China, segundo a Moodys Analytics.
Mas a Noble Town ilustra como o excedente é pior do que as estatísticas oficiais mostram. Apenas um bloco contém mais de 100 apartamentos duplex quase terminados. Embora a empreiteira tenha registrado 3.700 unidades à venda com as autoridades locais, seu material de marketing revela que outras centenas estão apenas nos estágios de planejamento.
"A posição oficial é que o mercado imobiliário está melhorando", afirma Heng Dunjian, gerente de construção de um projeto vizinho. "Mas eu acho que a situação dos estoques é sombria, como a bolsa de valores."
O estoque de imóveis residenciais da China somou 428,6 milhões de metros quadrados no fim de agosto, 15,7% maior que no mesmo mês do ano passado e próximo do recorde de todos os tempos de 431,5 milhões de metros quadrados registrados em abril.
No ano passado, o ministro da Habitação da China, Chen Zhenggao, disse que as autoridades usariam "qualquer meio possível" para reduzir os níveis dos estoques.
Recentemente, o mercado deu sinais de recuperação. As vendas de imóveis em agosto cresceram 15,6% em relação a um ano atrás. O espaço ocupado por imóveis acabados, mas não vendidos, cresceu 15,7% nos primeiros meses do ano, menos que o crescimento de 25,6% registrado em todo o ano de 2014.
Ainda assim, o investimento em imóveis nos primeiro oito meses do ano cresceu só 2,3%, o menor aumento em quase sete anos para o período. "Isso, de certa forma, afetou os planos de investimento dos empreiteiros", informou a agência de estatísticas da China em setembro. Uma autoridade da agência preferiu não comentar.
Calcular o estoque de imóveis é difícil em outros lugares também. Por exemplo, os estoques de novas residências dos Estados Unidos calculados pela Associação Nacional de Construtores de Residências não incluem casas não terminadas, casas que estão fora do mercado até que os preços aumentem ou casas cuja hipoteca está sendo executada pelo banco - o que às vezes é chamado de estoque oculto.
Os números chineses incluem só casas que estão completas e prontas para serem vendidas. "Em outras palavras, se as empreiteiras pararem de trabalhar, então o número está correto", diz Li Gan, professor da Universidade de Finanças e Economia do Sudoeste da China.
Os dados locais geralmente incluem obras que ainda estão em construção, mas conseguiram aprovação regulatória local para serem vendidas. Na China, como em vários outros países, os empreiteiros frequentemente vendem as casas antes da conclusão da obra, para obter o dinheiro necessário para completar os projetos.
A consequência é que as casas que estão parcialmente completas ou ainda não estão à venda não são computadas. "A situação real dos estoques pode ser maior que a que os dados mostram", diz Yang Kewei, analista da China Real Estate Information Corp., ou Cric, que monitora os estoques. A empresa estima uma média de estoque para 11,7 meses em 29 cidades chinesas em setembro.
Em um estudo de abril, o Fundo Monetário Internacional estimou que os estoques imobiliários da China no fim de 2013 eram três vezes maiores que os dados oficiais.
A Cric, que usa dados locais de imóveis, informa que Qingdao tem 16,5 meses de oferta, menor que o recorde de 25,2 meses de março. Na China, estoques menores que 12 meses são considerados saudáveis, enquanto que mais de 20 meses é tido como excedente.
Autoridades locais que estimam dados de estoques não responderam a pedidos de comentários.
A empreiteira que construiu a Noblet Town, a Shimao Property Holdings, com sede em Hong Kong, informou que espera ter a aprovação de vendas para o restante das unidades ainda este mês. A empresa informa que atrasou a solicitação de vendas porque as fachadas dos prédios terminadas atraem mais compradores de alto padrão.
A Shimao define o Noble Town como uma comunidade para famílias, apresentada por meio de outdoors com personagens do desenho animado "Madagascar" junto com o slogan "realizando sonhos urbanos". Um duplex custa ao menos 2 milhões de yuans, ou US$ 315 mil. Os serviços de corretagem imobiliária locais informaram que a Noble Town terá, no fim da obra, pelo menos 10 mil unidades; a empresa não respondeu a questões sobre o projeto.
Muitas famílias já se mudaram para o Noble Town. Muitos moradores dizem que estão otimistas com a sua aquisição. "Nós compramos um lar para vivermos, não é o mesmo que comprar para revender", diz Ma Wanjin, que comprou um apartamento no nono andar de um dos prédios do Noble Town no início do ano e está esperando para se mudar com sua esposa, que está grávida. "Os preços subiram um pouco desde que compramos, então ainda estamos OK."
Durante uma recente visita ao showroom do Noble Town, um vendedor contou a um grupo que um número de unidades listadas como ainda em construção devem conseguir aprovação e estar disponíveis para a venda. Ele apontou para um modelo dos prédios com um ponteiro de laser e disse: "eles estão praticamente prontos."