O pessimismo dá o rumo dos mercados financeiros, que começaram a avaliar nova perda de impulso da economia global, com um ingrediente antes fora do radar: forte desaceleração nos Estados Unidos. Com queda das bolsas, oscilações bruscas do petróleo em torno das menores cotações em muitos anos, preferência cada vez mais acentuada por títulos seguros e reversão na trajetória de valorização do dólar, os riscos estão francamente em alta. A insegurança aumentou depois de uma série de indicadores mostrar perda de vigor da economia americana, com a probabilidade não só de ela ser incapaz de sustentar a recuperação global, mas até mesmo de voltar a enfrentar uma recessão.
Há uma percepção crescente de que o aumento dos juros nos EUA não será sustentável ao longo do tempo, como demonstram a virada do dólar - queda de mais de 2% nos últimos dois dias em relação a uma cesta de moedas, e seu menor valor em três meses - e o recuo dos rendimentos dos juros dos títulos do Tesouro, para 0,7% no de 2 anos e para 1,9% no de 10 anos.
A produção industrial caiu em dezembro pelo terceiro mês consecutivo, o décimo recuo em 12 meses. Também nos últimos doze meses, o índice das condições de oferta (ISM) caiu mais nos EUA do que em qualquer outro país avançado (FT.com, ontem). Os serviços, que movem a economia americana, perderam fôlego em dezembro.
Mais presságios indicam tempos mais difíceis à frente. A pesquisa de condições da oferta de crédito pelos bancos americanos, feita pelo Fed, mostrou que eles começaram a endurecer as concessões para a indústria e o comércio, ainda que não para o mercado residencial e ao consumidor. Os investidores, por seu lado, estão fugindo de títulos mais arriscados nos universos dos "junk bonds", onde os spreads para títulos de classificação triplo C encostaram nos 20%. E, em indício de pessimismo crescente, os investidores estão punindo as ações dos bancos nesse início de ano. O setor financeiro foi o que mais perdeu em 2016 até agora nas bolsas, com Morgan Stanley, Citi e Bank of America assistindo à derrocada de 20% de seu valor de mercado.
A questão do pique da economia americana sempre foi crucial e tornou-se um fator decisivo no humor dos mercados porque não há outra que possa dar sustentação à fraca recuperação global. Mas há dados que se contrapõem a uma tendência recessiva. O emprego é um deles: até agora mostra expansão sólida, com início de elevação dos salários (2,4% em 2015). O mercado imobiliário vai bem e, se o aumento dos estoques derrubou o PIB no quarto trimestre (0,7%), o aumento de encomendas visto em indicadores recentes mostra que a produção industrial poderá se recuperar mais à frente. Além disso, sua performance foi afetada pela corrida altista do dólar, que agora, ao menos temporariamente, mudou de rumo.
Os investidores estão mais propensos a apontar que o Fed errou e as apostas nos mercados futuros indicam que há mais de 50% de chances de que o banco central não mexa mais nos juros em 2016 - e uma pequena chance de que até mesmo reverta o aumento no futuro. A probabilidade de uma recessão é pequena, mas subiu de 15% no fim do ano passado para 20% agora.
Uma frustração do crescimento nos EUA poderá piorar a situação de economias que estão às voltas com desaceleração, como China, Brasil e Rússia, ou interromper as que estão em incerta e lenta recuperação, como as da zona do euro. A produção industrial recuou em janeiro no bloco monetário, e a Comissão Europeia cortou ligeiramente ontem a previsão de crescimento para 1,7%. Uma ampliação da já massiva compra de ativos deve ser anunciada pelo Banco Central Europeu em março, que elevou os juros negativos para 0,3%. Por outro lado, não se pode esperar nenhum impulso decisivo da economia japonesa.
O risco de a economia mundial perder seu "motor" encontra os BCs sem grande munição adicional para enfrentar nova onda recessiva, o que aumenta o nervosismo dos mercados. Uma saída seria ativar a política fiscal, a um custo barato. Todos os países da zona do euro estão com déficit abaixo de 3% (entre os maiores, a exceção é a França, com 3,2% do PIB) e têm espaço para agir, mas recusam-se a fazê-lo. Com a oposição republicana, que domina as duas Casas do Congresso, usar a alavanca fiscal nos EUA é agora mais improvável do que antes. As expectativas pioraram em todos os quadrantes e haverá mais turbulências à frente.