Nos últimos meses, quem mora de aluguel ganhou mais um motivo para perder o sono. O Índice Geral de Preços ao Mercado (IGP-M), tradicional indexador utilizado para reajustar os contratos de locação no país, registrou um salto de mais de 20% no acumulado em 12 meses — nesta sexta-feira, 27, a Fundação Getulio Vargas (FGV) divulga o IGP-M de novembro.
É um aumento que a ampla maioria dos salários não conseguiu acompanhar em um ano de recessão. O volume de contratos de aluguel renegociados disparou, enquanto inquilinos que não conseguiram chegar a um acordo com os proprietários acabaram trocando de casa.
A descontinuidade do contrato de aluguel costuma ser uma dor de cabeça tanto para o dono do imóvel quanto para o locatário. Para tentar dar uma solução mais perene para o problema, o QuintoAndar, startup que tem a maior plataforma de venda e aluguel de imóveis do país, tomou uma iniciativa defendida há tempos por alguns especialistas do mercado.
A partir de segunda-feira, 30, todos os novos contratos de locação firmados pela plataforma serão reajustados pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo IBGE, e não mais pelo IGP-M. Para os contratos firmados antes disso, a mudança será facultativa — proprietário e inqulino podem decidir, em comum acordo, migrar de regime.
Para se ter uma ideia do potencial de mudança, enquanto o IGP-M acumulou alta de 18,10% de janeiro a outubro, o IPCA registrou alta de apenas 2,22% no mesmo período. Mas a questão não é só numérica. Embora o IGP-M seja o índice oficial de correção do mercado imobiliário há mais de 30 anos, ele é questionado por sua composição.
André Penha, co-fundador do QuintoAndar, explicou a razão para uma inovação tão importante: “O IGP-M é muito mais ligado ao dólar e ao preço das commodities. Já o aluguel tem a ver com a renda, com o salário das pessoas. A alta recente do índice expôs um descasamento entre essas duas realidades”, disse à EXAME Invest.
IGP-M alto estimula mudança de aluguel
Para medir o impacto da escalada do índice inflacionário sobre o segmento de locação, o QuintoAndar desenvolveu um indicador próprio para acompanhar os preços dos aluguéis. “Percebemos que os contratos que estavam sendo ajustados pelo IGP-M estavam muito mais caros do que imóveis recém-alugados. Ou seja: era mais vantajoso alugar um imóvel novo do que renegociar o contrato atual”, conta Penha.
Antes mesmo que o IGP-M começasse a se tornar um problema, o QuintoAndar criou uma plataforma exclusiva para mediar as renegociações. Isso porque quando a pandemia do coronavírus chegou ao Brasil, o desemprego e a redução de renda fizeram com que muitos inquilinos precisassem de uma trégua no pagamento do aluguel.
“Não tínhamos um canal para renegociações, porque uma situação como essa nunca tinha acontecido. Então criamos uma forma de o inquilino pedir uma redução no aluguel pelo próprio aplicativo, e o proprietário decidia se concedia ou não o desconto. Mas agora o problema é diferente”, diz o co-fundador do QuintoAndar.
Ele diz que a disparada do IGP-M não só doeu no bolso dos inquilinos como também prejudicou os donos de imóveis. “Muita gente pensa que por o IPCA estar mais baixo essa é uma mudança que beneficia só inquilino, mas não é bem assim. Um preço mais justo mantém o imóvel alugado por mais tempo. O proprietário tem interesse em propor um valor razoável para o aluguel porque se o imóvel for desocupado a rentabilidade dele vai para zero”, afirma Penha.
Além disso, embora a fotografia atual mostre o IGP-M bem à frente do IPCA, nem sempre foi assim. Um levantamento feito pelo QuintoAndar mostrou que, desde 2005, o IGP-M teve variação negativa 20 vezes quando analisado o índice acumulado nos 12 meses anteriores. Isso nunca aconteceu com o IPCA, que tem uma trajetória histórica bem menos volátil.
Como o próprio nome sugere, o IPCA reflete melhor o custo de vida dos consumidores, enquanto o IGP-M mostra os custos para o setor produtivo. Esse foi outro ponto que pesou na decisão de mudança proposta pelo QuintoAndar.
Como renegociar o indexador?
O co-fundador da plataforma digital explica que a flexibilidade continuará existindo. O padrão dos novos contratos será o de uso do IPCA, mas inquilinos e locadores podem optar por adotar o IGP-M se assim desejarem. Para os contratos vigentes, a decisão de mudança também deve ser feita em comum acordo entre as partes. A alteração do índice poderá ser feita em qualquer momento do contrato, mas faz mais sentido que ela aconteça próximo do período de reajuste, que acontece a cada 12 meses.
Essa flexibilidade vai permitir, por exemplo, que os contratos voltem a usar o IGP-M como indexador caso o IPCA fuja do controle nos próximos meses, algo que não está nas previsões do mercado. “Se por acaso acontecer uma inversão de cenário, é óbvio que vamos sentar para discutir uma solução que faça sentido para o mercado”, diz Penha.