Primeiro, o começo: definirei o início do financiamento imobiliário. Foi em 1964 com a criação do Banco Nacional da Habitação (BNH), que era o braço executor do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE). O BNH encerrou em 1986, e o SBPE continua até hoje dentro do Banco Central do Brasil (BACEN). Financiamento imobiliário é o dinheiro captado com recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e da poupança que é emprestado às construtoras (atuais incorporadores) para desenvolvimento de projetos habitacionais. Os empréstimos eram da modalidade “ponte” que eram quitados pelos incorporadores ao final da obra com os recursos que os compradores finais de apartamentos conseguiam junto ao próprio SBPE para compra de seus imóveis. Assim como é hoje, paga-se o “sinal” para o incorporador com recursos próprios do comprador e o saldo pós entrega (inclusive parcela das chaves) é financiado junto ao banco do comprador e desembolsado diretamente à incorporadora. O famoso repasse.
Após a estagnação pós BNH o SBPE retomou uma crescente a partir de 2006, sofreu como todo mercado imobiliário durante o petrolão e começou a recuperar-se em 2018.
O que manteve o SBPE em atividade por mais de 50 anos foi a captação com recursos do FGTS e poupança (recursos de baixa rentabilidade para os poupadores, ainda que compulsórios) e concessão de financiamento a juros limitados a 12% ao ano: a bolha do Mapa 4 (uma planilha de controle utilizada pelo Banco Central e bancos que operam no SBPE para verificar a destinação dos recursos captados pelo FGTS e poupança para destinação a financiamentos imobiliários). Houve uma fase muito complicada nas décadas de 1970 e 1980 quando da disparada e perda de controle da inflação o que acabou gerando o fim do BNH em 1986.
Destaca-se que neste meio tempo foram criados sistemas alternativos: autofinanciamento pelo incorporador imobiliário; Sistema Financeiro Imobiliário (SFI); Minha Casa Minha Vida e outras variações de nome e/ou peculiaridade, mas todas elas seguindo o padrão financiamento a produção ao incorporador e repasse ao comprador final. A diferença dos sistemas alternativos é que, à exceção do Minha Casa Minha Vida, os demais estão fora da bolha do Mapa 4. Ou seja, a origem dos recursos é livre e a concessão do crédito aos incorporadores e/ou compradores não está sujeita ao limite de 12% ao ano. Nesse momento passaram a existir junto com o financiamento imobiliário o crédito imobiliário.
O financiamento imobiliário é um cinquentenário. Além das taxas, existem regras específicas para habilitação dos projetos, para habilitação dos interessados, para o modelo de negócio, e para o desembolso dos financiamentos. Já o crédito imobiliário deveria ser um jovem de 23 anos, sem nenhuma das regras aplicáveis ao financiamento. Foi concebido no auge da crise do auto financiamento em 1997 (quebra da Encol) para constituir uma fonte de recursos perene para o incorporador ter recursos para adquirir os terrenos, conceber os projetos, construí-los e entregá-los sem risco aos compradores. Os compradores, por suas vezes, teriam a opção de vários agentes para obterem o financiamento de um imóvel já pronto com liberdade de mercado de taxas, formas de amortização e garantias alternativas.
Destaco dois fatores travaram o crédito imobiliário no âmbito do SFI: fator econômico — com a Selic em dois dígitos, a bolha do Mapa 4 limitada a 12% foi a melhor alternativa até que a Selic consolidou nos atuais patamares; e o próprio DNA do crédito imobiliário – a sistemática de captação e desembolso dos recursos do SFI é praticamente a mesma do SBPE em matéria de aprovação de projeto, habilitação de crédito do comprador e fiscalização de performance de construção.
O processo de regularização de título de propriedade e aprovação de projeto dura, em média, três anos no caso de projetos de prédios em centro urbanos. Um loteamento dura mais que cinco anos. E é justamente durante este período que o empreendedor mais precisa de recursos.
Nesse contexto chegamos ao presente.
A Selic nunca esteve em níveis tão baixos como os atuais a ponto de os tradicionais investidores pequenos, médios e grandes estarem buscando por investimentos alternativas que melhor os remunerem com segurança. E nessa hora o que vem em mente como investimento mais seguro? Um bem de raiz, um bem que dure perpetuamente e um bem que gere receita direta ao investidor. Eu acho que um Volvo atende perfeitamente esses requisitos, mas as pessoas almejam um imóvel. E as incorporadoras “incorporaram” essa ideia.
Estaríamos diante de um novo pacto entre o incorporador, o comprador e o investidor imobiliários? Este pacto pode ser uma relação de suserania e vassalagem que levou a Idade Média a ser apelidada de idade das trevas ou o pacto entre a burguesia e o rei da Idade Moderna que resultou nas grandes navegações.
Os imóveis em oferta não têm raiz. A maioria é um stand de vendas resultado de uma ficção legal chamada incorporação imobiliária que permite a venda de imóveis que ainda serão construídos.
A perpetuidade oferecida mão é a perpetuidade almejada pelo investidor ou comprador. É outra ficção legal consistente em uma fração ideal de terreno correspondente à futura unidade imobiliária, geralmente está onerada ao vendedor do terreno ou banco financiador da aquisição e a um patrimônio de afetação que vincula os investimentos relacionados à construção da unidade imobiliária. Tanto em um caso como no outro: dívidas.
E o futuro?
A receita direta só vai ser gerada quando o prédio for entregue em 2023. Até lá, é incerta a tipologia do imóvel adquirido por conta da definição do home office como provisório ou definitivo.
Fora que que a dívida pública está se deteriorando diariamente. O Brasil de 9ª economia mundial já caiu para 12º e se o comprador está contando com as atuais taxas oferecidas para financiar o saldo do preço do seu imóvel quando lhe for entregue em 2023, pode ser surpreendido por um número multiplicado em função de um novo e adverso cenário macro econômico, seja pelas taxas de juros, seja pela inflação ascendente que afeta o preços das comodities globais pela fragilidade de nossa moeda (a construção civil é altamente afetada pelo preço global do cimento, ferro e cobre, minimamente considerando).
Estaríamos entrando em futuro de trevas mais sombrio do que vivemos hoje ou podemos estar diante de novas rotas comerciais que podem nos levar aos mercados globais tanto no financiamento quanto no crédito imobiliários?
Para sairmos do radicalismo geral, e no caso específico, as trevas em oposição aos mares nunca antes navegados, e vice versa, há alternativas que podem transformar ou converter a burocracia ficcional que temos hoje em instrumentos digitais (blockchain) que viabilizam a circulação de recursos, garantem a segurança dos compradores, investidores e incorporadores e viabilizam o reconhecimento dos direitos individuais por todos sejam por certificadores digitais, sejam pelos próprios tabeliães, cartórios registro de títulos e imóveis. E só entrar no site do banco do leitor e todos eles estão dispostos a explicar o PIX que é a essência do blockchain.
O blockchain é a caravela que vai nos levar a criar linhas de créditos aos incorporadores imobiliários para aquisição de terrenos e pré-desenvolvimento imobiliário; aos compradores a segurança das taxas de juros a que estarão sujeitos; e aos investidores a segurança de que os recursos investidos serão compatíveis com as taxas almejadas e a eficácia dos remédios em caso de inadimplemento dos devedores.