A alta da Selic, a taxa básica de juros, deve impactar o volume de financiamentos imobiliários. Apesar da Econômica Federal ter anunciado uma nova taxa de crédito imobiliário, menor do que cobrava até então, o movimento que tem sido observado nos demais bancos é de aumento nas taxas ao longo dos últimos meses.
No Itaú, a taxa de juros pré-fixada na categoria começa hoje a partir de 8,3% ao ano, com atualização do saldo devedor pela TR (Taxa Referencial), chegando a 8,5%, no Bradesco, e a 8,9%, no caso do Santander. O percentual era de 6,9% em dezembro de 2020.
No Banco do Brasil, a taxa prefixada, que era de 6,39% mais TR no fim do ano passado, hoje está em 6,85%. Na Caixa, as taxas de juros prefixadas começavam em 7% ao ano, mais TR, segundo informações no site do banco, antes da revisão desta quinta-feira (16).
A nova modalidade da Caixa, que passará a cobrar juros de 2,95% ao ano mais a remuneração da poupança, irá aumentar se a Selic subir, já que a poupança rende um percentual da taxa básica de juros.
Alberto Ajzental, coordenador do curso de Desenvolvimento de Negócios Imobiliários da FGV (Fundação Getulio Vargas), avalia que o movimento de alta das taxas não só já era esperado, como necessário, ante o patamar artificial de 2% ao ano em que chegou a Selic no ano passado.
“Por ter uma das melhores garantias possíveis, a taxa do crédito imobiliário é a que mais se aproxima, e é a mais sensível às oscilações na Selic”, diz Ajzental.
Partindo de 2% em janeiro e hoje em 5,25% ao ano, a expectativa do mercado refletida no relatório Focus é que a Selic alcance 8% até dezembro. Mas há quem aposte em um número bem maior –o banco francês BNP Paribas projeta a Selic em 10% no fim do ano.
Vice-presidente de economia do Sinduscon-SP (Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo), Eduardo Zaidan aponta que, considerado um financiamento ao redor de R$ 250 mil, para cada 1 ponto percentual de aumento na taxa de juros da operação contratada, o valor da prestação no longo prazo tende a aumentar entre 9% e 10%, em média.
“Isso significa tirar de um bocado de gente a viabilidade de adquirir um imóvel e encolhe o mercado. É bastante preocupante”, diz Zaidan.
Ele acrescenta que, embora em São Paulo o mercado imobiliário esteja mais aquecido, esse não é um movimento que se espraiou por outras capitais ou pelo interior do país. “Não vemos grandes lançamentos nessas regiões, que necessitam de um planejamento de longo prazo para sair do chão”.
Segundo Ajzental, da FGV, para o horizonte de seis a doze meses à frente, a expectativa é mesmo de algum arrefecimento no ritmo de concessões imobiliárias, em meio à alta nos preços das commodities, que impacta o custo de construção, e dos juros cobrados dos tomadores.
“Nos próximos um a dois anos provavelmente não teremos uma demanda tão boa como nos últimos seis a 12 meses”, afirma o coordenador.
Dados da Abecip (Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança) mostram que os financiamentos imobiliários com recursos das cadernetas, pelo SBPE (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo) somaram R$ 18,79 bilhões em julho, alta de 73,6% em bases anuais, mas queda de 4,4% ante junho.
No acumulado do ano, o montante chega a R$ 115,83 bilhões, alta de 113,8% em relação a igual período de 2020.
Em um contexto macroeconômico delicado de alta da inflação e dos juros e com revisões para baixo do PIB (Produto Interno Bruto), Ajzental diz que, embora seja contra intuitivo, o movimento da Caixa pode trazer resultados positivos para a economia.
“Estamos em uma crise econômica, com quase 14 milhões de desempregados, eventualmente caminhado para uma estagflação. Se a Caixa quer queimar seu lucro, é uma política dela”, diz o especialista da FGV.
Ele acrescenta que a decisão do banco público deve acarretar em ganhos financeiros menores nas operações individuais, mas, por outro lado, tende a gerar um aumento de sua participação de mercado já relevante, ao redor de 70% no setor.
“Vejo a redução dos juros pela Caixa como um movimento muito positivo, já que vai ajudar a manter o sentimento de confiança das incorporadoras e dos consumidores”, diz Raul Grego, sócio e analista responsável por mercado imobiliário da Eleven Financial.
Grego assinala que, para os juros do financiamento imobiliário, os bancos levam em conta mais quais devem ser as taxas no longo prazo, do que a próxima decisão do Copom (Comitê de Política Monetária) do BC.
A alta em curso da Selic, portanto, que traz maior impacto para os juros de curto prazo, não deveria afetar na mesma proporção as taxas do crédito na modalidade imobiliária, diz o especialista da Eleven. “Não vejo os juros de financiamento indo muito acima de 9% ao ano, o que historicamente ainda é um patamar baixo”, afirma Grego.
Ao considerar a taxa média de juros praticada no mercado bancário de forma geral, um patamar ao redor de 9% ao ano não é caro, diz Marcia Dessen, planejadora financeira CFP e diretora da Planejar (Associação Brasileira de Planejadores Financeiros).
Segundo dados do BC (Banco Central), a taxa média de juros das novas contratações de crédito foi de 20,4% ao ano em julho, alta de 1,3 ponto percentual em doze meses. Já no crédito livre às famílias, a taxa situou-se em 39,8% em julho.
“Sempre faz sentido considerar a hipótese de um financiamento imobiliário, mas é preciso se planejar muito antes, já que se assume um compromisso que pode chegar a 10, 20, 30 anos”, diz a diretora da Planejar.
Pesquisa de Febraban divulgada nesta quinta-feira (16) reforçou a predileção do brasileiro pelo investimento em imóveis: 34% dos entrevistados expressaram ter a compra de um imóvel como alternativa preferencial de investimento, caso a situação financeira melhore.
Marcia acrescenta que, frente aos prazos extensos dos contratos imobiliários, o mais recomendado é que o interessado se volte para financiamentos com taxas prefixadas. Nos últimos anos, lembra ela, os bancos passaram a oferecer aos clientes a opção de pagar uma taxa prefixada menor que a média, mas acrescida da variação futura da poupança ou do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo).
No Itaú, por exemplo, a taxa do crédito imobiliário com juros da poupança chegou a cair, de 3,99%, em dezembro, para 2,99% agora, frente à perspectiva de alta da Selic e, consequentemente, do rendimento da caderneta.
“Ao optar por uma componente variável, você pode estar criando um problema para si mesmo, já que fica refém de um indicador que não controla”, afirma a especialista.