Até agora, o cenário para o financiamento imobiliário estava mais que favorável, com preços estagnados e taxas de juros na mínima histórica. Mas na medida em que o Banco Central tenta segurar a inflação, aumentando a taxa referência de juros, a Selic, o ambiente começa a mudar. E a conquista da casa própria volta a se tornar um sonho ainda mais caro, quiça distante.
Já era esperado que o período de "oba oba'" fosse passageiro. Uma hora a forte demanda, a tendência de alta dos juros e a inflação bateriam à porta. E após a quarta alta da Selic, que saiu de 2% ao ano em janeiro para os atuais 5,25%, num ciclo de subida que parece longe de acabar, os bancos enfim iniciam o repasse do custo da captação de recursos para o tomador de crédito.
O Santander foi o primeiro a aumentar as taxas mínimas do financiamento imobiliário de 6,99% para 7,99% ao ano, antes mesmo da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). O Bradesco veio em seguida e saiu dos 6,70% para 6,90% ao ano.
Na terça-feira (3), a Caixa, que possui a maior fatia no mercado, anunciou que não tem intenção de aumentar as taxas no curto prazo. Isso não impede, entretanto, que os bancos dificultem o acesso às taxas mais baixas, mesmo que elas não sejam oficialmente aumentadas. Cabe a cada instituição financeira avaliar o perfil de risco do cliente e definir que taxa será aplicada para ele. Por isso, é importante recorrer a simulações e tentar negociar os juros.
Quem tem 'score' de crédito pior, com histórico de dívidas ou mau pagador, é mais penalizado durante este processo de concessão de crédito. Para o consumidor, juros mais caros significam uma das três coisas:
Pagar mais caro para ter a casa própria, do jeito que sonhou
Ter de escolher imóveis mais baratos (exemplo: com localização menos privilegiada, etc)
Desistir da compra
Em tempos de pandemia, isolamento e teletrabalho, a demanda por imóvel segue aquecida, mesmo que as taxas já dêem sinais de alta. Não à toa, a procura por financiamento e a concessão de crédito atingiu recordes este ano. Somente em junho, os empréstimos com recurso de poupança foram de R$ 19,66 bilhões, o maior volume mensal da série histórica, que vem desde 1994.
Custo de captação
No financiamento imobiliário, os juros futuros, que podem ser monitorados pela negociação de contratos de Depósito Interfinanceiro (DI), costumam ser mais significativos que a própria Selic. As taxas para daqui a cinco ou dez anos se tornam mais relevantes para os bancos quando eles tentam avaliar o cenário a longo prazo.
E assim como a Selic, elas vêm subindo desde o início do ano, na medida em que a inflação, o risco fiscal e incertezas políticas aumentam.
Ainda que não seja o principal termômetro para o longo prazo, existe uma correlação com a Selic e os juros do financiamento imobiliário, porque é ela que define o custo de captação de recursos que serão oferecidos ao tomador de crédito, principalmente quando a taxa básica de juros está abaixo de 8% ao ano.
A maior parte dos recursos para financiar imóveis vêm da poupança, pela qual os bancos pagam 70% da Selic para usar o dinheiro do investidor e repassam o empréstimo a taxas de 7% ao ano, atualmente. Quanto mais a Selic sobe, mais caro se torna arrecadar o dinheiro para repassar.
Por isso, a tendência é de que os bancos aumentem os juros, para compensar a perda nessa diferença entre taxas, o chamado "spread".
Para Bruno Gama, o presidente da plataforma de contração de crédito Credihome, até o fim de 2021 todos os bancos deverão fazer ajustes nas taxas, ainda que graduais e baixos.
"O que de fato a gente imagina é que a Selic ficando até a faixa de 6%, 6,5% ao ano em 2021, provavelmente os bancos vão manter taxas de financiamento entre 7,5% e 8%, o que ainda deve manter a demanda aquecida", afirma.
No entanto, já começam a pipocar projeções de Selic acima de 7% ainda este ano. Neste caso, Gama afirma que fica difícil prever onde vão parar os juros do crédito para compra de imóveis, que podem subir para acima dos 8,5% ao ano, na tentativa de manter um spread mínimo que cubra custos operacionais.
"Ainda há bastante estoque para queimar na poupança, que teve volume recordes de depósito em 2020. Os bancos precisam desovar o crédito imobiliário. Também mudou o valor que eles dão ao cliente desse produto. É visto como algo estratégico, por isso as instituições estão mais flexíveis para manter um spread mais baixo e conquistar o cliente", completa.
Ainda é tempo de comprar o imóvel?
Nem tudo está perdido, segundo Paulo Chebat, presidente do comparador de taxas de crédito Melhortaxa. O que se viu de alta até agora tem impacto ainda pequeno nas parcelas do financiamento. A janela de oportunidade pode estar só com uma fresta aberta, mas ainda não se fechou completamente.
Para quem quer financiar, a hora é esta, dizem especialistas. Se hoje a média de taxas praticadas pelo mercado gira em torno de 6,90% ao ano, ela pode ir para 8%, 8,5% ao ano até o fim de 2021, a depender do ritmo do ciclo de alta da Selic.
"No momento em que as taxas começam a passar dos dois dígitos, o impacto nas parcelas é mais significativo, fazendo com que o montante fique pesado no orçamento e dificultando a aprovação do crédito que só pode atingir o máximo 30% da renda mensal do cliente", afirma Chebat.
Embora o valor das parcelas sofra pouca alteração com os repasses que devem ser feitos pelos bancos, o impacto no total do financiamento, sobretudo por ser de longo prazo, pode doer no bolso, como mostra a simulação da Melhortaxa. Mesmo uma pequena diferença torna o financiamento bem mais caro para o tomador de crédito.
“Este é melhor momento para comprar um imóvel”, destaca a presidente da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), Cristiane Portella, em coletiva com jornalistas. A declaração considera um cenário de taxa de juros ainda baixo em relação a outros momentos da história e preços ainda depreciados dos imóveis.
De acordo com Portella, o que ainda segura as taxas em níveis atrativos é a concorrência pelo cliente do financiamento imobiliário. Com ele, os bancos estabelecem uma relação de longo prazo com pagamento de juros, mais baixos que outras linhas de crédito, mas constantes.
A avaliação da executiva é de que, mesmo que a Selic siga em alta, os juros do financiamento não devem chegar ao que se viu em 2017, acima dos 11% ao ano.
“É natural que tenhamos sim reajuste de taxas, mas não na magnitude de alta da Selic, até pelo ambiente de competição e o desejo dos bancos de manter relacionamentos de longo prazo com os clientes”, pondera.
Para o especialista em mercado imobiliário e professor na Finted Tech School, Rafael Sasso, não há como escapar da tendência de repassa das taxas de juros. Por isso, para quem já se programou, o ideal é agilizar a compra para garantir uma taxa melhor para o longo prazo antes que comecem as altas generalizadas.
"A expectativa é de subida e deve subir mais. Os bancos finalmente começaram o processo de subida de taxa. Isso torna o momento bom para comprar porque já trava a taxa do financiamento. E mesmo que essa taxa baixe depois você pode recorrer à portabilidade", afirma.
Por falar em portabilidade de crédito, ele alerta que aqueles que já possuem financiamento com taxas mais antigas e mais caras devem se apressar para negociar um crédito mais amigável. "O momento já está passando para fazer a portabilidade", diz.
Investimento e preços
Outro motivo que aponta para uma certa urgência na decisão de quem já queria financiar um imóvel é o preço dos empreendimentos. Embora o mercado tenha vivido os últimos anos com recuo no valor dos bens, agora apresenta avanço gradual de preços ainda que abaixo da inflação.
De acordo com o índice FipeZap, no caso dos imóveis residenciais, houve alta nominal 0,64% em julho. O levantamento mostra que os preços médios acumularam alta de 5,13% nos últimos 12 meses.
Também colabora para o aumento de custo da construção civil a alta do dólar e no preço das commodities usadas na indústria, como o aço. Além disso, a Abecip calcula que o volume de financiamento deve continuar a crescer, cerca de 57% este ano, com a demanda por imóveis ainda aquecida. Diante da iminência de imóveis mais caros, a recomendação é de se apressar se o objetivo for moradia.
"As pessoas que já identificaram o imóvel a ser adquirido e que já fizeram a lição de casa, considerando todos os custos envolvidos na aquisição (documentação, reforma, gastos com mudança), ainda podem considerar este um bom momento para a aquisição de um imóvel utilizando o financiamento", indica a assessora financeira Luciana Ikedo.
Mas se o objetivo ou parte dele for investimento, é preciso pensar com cuidado. Quanto mais caro ficam os imóveis, menos interessante é o retorno do aluguel, que é uma proporção entre o valor investido e a rentabilidade do preço de locação.
"É sempre importante considerar que, com a Selic subindo, a renda do aluguel pode ficar menos interessante do que o investimento em uma renda fixa ou ainda num fundo imobiliário, que tudo indica que seguirá com os proventos isentos de imposto de renda", pontua Ikedo.
Com novas altas da Selic, o retorno de aluguel também se torna menos atrativo, porque há uma volta de melhora na remuneração de aplicações de renda fixa que costumam ser mais fáceis e seguras que os investimentos em imóveis.