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10/12/2021

Financiamento imobiliário problemático dobra desde 2018; BC monitora risco

BC monitora riscos das carteiras inadimplente e renegociada

O Banco Central (BC) está monitorando os riscos dos créditos imobiliários com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), um mercado dominado pela Caixa Econômica Federal, devido ao aumento dos ativos problemáticos - ou seja, operações inadimplentes ou que foram renegociadas depois que clientes atrasaram o pagamento de parcelas do financiamento.

As operações problemáticas saltaram de R$ 14,428 bilhões em dezembro de 2018, fim do governo Temer, para R$ 29,334 bilhões em setembro passado. Já a taxa de inadimplência das operações subiu de 1,47% para 2,45% no mesmo período.

Principal agente do FGTS, Caixa discute com o BC os critérios para a contabilização dos ativos problemáticos

O alerta do Banco Central foi dado no Relatório de Estabilidade Financeira (REF) do primeiro semestre, que notou que os ativos problemáticos do crédito imobiliário com recursos do FGTS continuaram a crescer, na contramão do que ocorreu com as carteiras de crédito total do conjunto dos bancos.

“Houve aumento relevante de materialização de risco para os empréstimos com recursos do FGTS”, afirma o documento, que faz um mapeamento de todos os riscos do sistema financeiro. “O maior aumento em termos de ativos problemáticos ocorre para os tomadores com renda inferior a dois salários mínimos. Mesmo com a melhoria do cenário econômico, o nível de ativos problemáticos dessa linha manteve-se em patamar elevado, e, portanto, essa é uma carteira a ser observada em termos de cenário prospectivo de risco.”

O Banco Central, no relatório, faz uma referência ao sistema de crédito imobiliário do FGTS como um todo, sem citar instituições financeiras em particular. Mas a Caixa detém 93,8% desse mercado. Sua carteira somava, em setembro, R$ 332 bilhões, ante uma carteira total de R$ 354 bilhões, incluindo instituições financeiras públicas e privadas.

Especialistas ouvidos pelo Valor afirmam que a alta dos ativos problemáticos pode estar ligada aos efeitos da pandemia. “As famílias de baixa renda são as mais afetadas pela perda de emprego e renda”, diz Bolivar Moura Neto, ex-secretário-executivo do Conselho Curador do FGTS. “A atividade econômica se recuperou num primeiro momento, mas agora se arrefeceu, e isso tem impacto na renda das famílias.”

O FGTS é a principal fonte de recursos dos programas habitacionais sociais.

Na primeira onda da pandemia, em 2020, os riscos de calote aumentaram para quase todas as operações, e os bancos tomaram iniciativas para renegociar as dívidas, amparadas por medidas criadas pelo próprio Banco Central. Essas renegociações fizeram os chamados ativos problemáticos dos bancos subirem. De lá para cá, porém, com a progressiva reabertura da economia, os volumes de ativos problemáticos tiveram trajetória de queda.

No crédito imobiliário, porém, há dois comportamentos diferentes. Os ativos problemáticos nos empréstimos com recursos da caderneta de poupança, voltados a famílias de renda mais alta, tiveram um pico de R$ 11,6 bilhões em junho de 2020, refletindo as renegociações durante a pandemia, mas caíram para R$ 10,4 bilhões em setembro passado. Já os ativos problemáticos do FGTS estão em continua trajetória de alta desde 2018.

A inadimplência de empréstimos feitos com recursos da caderneta de poupança, por sua vez, subiu a 1,69% em março de 2020, na primeira onda do coronavírus, mas depois recuou até o índice de 0,86% em setembro. Com isso, a inadimplência está mais baixa do que o índice de 0,99% de dezembro de 2018. Já inadimplência dos financiamentos do FGTS teve um pico de 3,23% em março de 2020. Depois, diminuiu para 2,45%, mas o índice segue mais alto que o 1,47% de dezembro de 2018.

O Valor apurou que, no banco federal, a piora no índice de inadimplência é atribuída, em parte, a uma mudança de estratégia. Até o governo Temer, a Caixa retomava imóveis com três prestações em atraso. Com isso, o banco deixava de ter empréstimos inadimplentes e, no seu balanço, passava a carregar os imóveis retomados. Isso reduzia a taxa de inadimplência, que é a relação entre as operações em atraso e o estoque de operações de crédito.

No governo Bolsonaro, o presidente da Caixa, Pedro Guimarães, passou a privilegiar a negociação com os clientes com prestações em atraso. Essa estratégia conteve o aumento do número de imóveis retomados, mas, de outro lado, aumentou a taxa de inadimplência.

De forma reservada, especialistas ouvidos pelo Valor dizem que o equilíbrio exato entre retomada de imóveis e renegociações não é algo trivial. Se o banco age com muita firmeza na retomada das garantias, pode acumular um estoque muito grande de imóveis no balanço - e sua venda maciça pode jogar preços para baixo e causar perdas. De outro lado, se a Caixa retoma poucos imóveis, crescem os ativos problemáticos e há um incentivo à inadimplência.

O Banco Central divulga estatísticas sobre os imóveis retomados, os chamados bens não de uso próprio. Eles encolheram de R$ 22,6 bilhões em dezembro de 2018 para R$ 18,8 bilhões em setembro de 2021. Esses números englobam todas as linhas de crédito habitacional, inclusive as com recursos livres e da caderneta, já que as estatísticas não discriminam esses dados apenas para o crédito do FGTS.

A Caixa registrou um aumento de 38,2% das provisões para devedores duvidosos do crédito imobiliário total (o balanço não discrimina valores específicos do FGTS) desde 2018, bem acima da expansão da sua carteira habitacional, de 22%. No mesmo período, o volume de créditos imobiliários totais da Caixa classificados com as notas mais baixas de nível de risco, de E a H, subiu pouco mais de 60%, para R$ 16,5 bilhões. Nessas faixas, são classificados empréstimos com pelo menos 90 dias de atraso.

Questionada pelo Valor, a Caixa afirma, por meio de sua assessoria de imprensa, que está debatendo com o Banco Central mudanças na classificação dos ativos problemáticos.

“Os ativos problemáticos se referem a qualquer problema de fluxo de pagamentos. Assim sendo, englobam todas as pausas e pagamentos parciais oferecidos aos clientes no ano de 2021 para auxiliar no enfrentamento à crise decorrente da pandemia da covid-19”, diz o banco, pontuando que essas renegociações foram amparadas por normativo do Conselho Monetário Nacional (CMN). “Essa forma de marcação está em debate junto ao Banco Central, pois a Caixa não entende a pausa ou o pagamento parcial como um ativo problemático”.

O banco estatal sustenta, ainda, que os índices de inadimplência, de ativos problemáticos, de provisões e de classificação de risco das operações “não oferecem riscos para os resultados e o equilíbrio patrimonial do banco”. Segundo a Caixa, a carteira de crédito apresenta uma baixa relação entre os valores dos empréstimos e das garantias (o chamado “loan to value”), de 49%. Além disso, sustenta, o banco está com um alto índice de capitalização em relação aos requerimentos mínimos de Basileia.

Bolivar explica que o aumento dos ativos problemáticos no crédito imobiliário não afeta diretamente o patrimônio do FGTS. Segundo ele, quem assume o risco nas operações de crédito é o agente financeiro. O FGTS está exposto ao risco dos bancos, dos quais o principal é a Caixa Econômica Federal, que é 100% controlada pelo Tesouro Nacional.

FONTE: VALOR ECONôMICO