O Brasil deverá se tornar um dos principais mercados mundiais da cimenteira francesa Vicat, prevê Guy Sidos, presidente da companhia, e será uma plataforma para a expansão do grupo na América Latina, onde há planos de aquisições. A empresa, terceira maior do setor na França, finalizou em janeiro a compra de 66% da Ciplan, do Distrito Federal, por € 290 milhões. O primeiro passo no Brasil será adaptar o processo de produção para reduzir progressivamente a utilização de combustíveis fósseis.
"Estamos confiantes de que os negócios no Brasil vão se desenvolver e que o país representará uma parte significativa das nossas atividades", afirma Sidos, indicando que o Brasil poderia se situar entre os três principais mercados do grupo em razão de seu tamanho e potencial. Pouco antes, ele havia mostrado, sorridente, a foto da ponte Juscelino Kubitschek, em Brasília, construída com concreto da Ciplan, que ilustra a capa do balanço anual de 2018 da Vicat, sugerindo a importância estratégica da unidade brasileira.
A política do grupo francês, com receita anual de € 2,6 bilhões, é dar um passo de cada vez, ressalta seu presidente. "Quando tudo estiver sobre os trilhos no Brasil, pensaremos em outros movimentos na América Latina", diz Sidos se referindo a aquisições no continente. Elas também poderiam incluir empresas brasileiras. "Estudamos muita coisa. Temos em permanência dossiês que nos são apresentados", afirma, sem dar detalhes.
Segundo o executivo, a Vicat entrou no Brasil "em um momento interessante". Isso porque previsões indicam que as vendas de cimento no país devem voltar a crescer em 2019, na ordem de 3%, após quatro anos consecutivos de queda. O CEO destaca ainda o combate à corrupção e iniciativas para a simplificação administrativa e fiscal, em discussão, como importantes para favorecer o ambiente empresarial.
A lenta recuperação da atividade econômica no Brasil neste ano não interfere nos planos do grupo francês. "Somos uma indústria de longo prazo. Quando nos instalamos em um país, buscamos ter no mínimo um século de reservas minerais nas pedreiras."
Com a compra do controle da Ciplan, a Vicat - terceira maior fabricante de cimento da França - passou a atuar em 12 países. A companhia foi fundada há 165 anos e é a última cimenteira francesa independente, controlada pela sétima geração da família. O sobrenome Vicat é célebre nesse setor industrial na França: foi o engenheiro Louis Vicat quem inventou o cimento artificial há dois séculos.
O grupo francês possui cerca de 9 mil empregados e tem capacidade de produção de mais de 30 milhões de toneladas de cimento. No ano passado, vendeu 22,8 milhões de toneladas do material, equivalente a 51% da receita. O segmento de concreto e granulados representou 34%.
O processo de internacionalização foi iniciado nos anos 70, com a implantação nos Estados Unidos. Em 2010, foi a vez da Índia. Hoje, 63% do faturamento da Vicat é realizado fora da França. Os países emergentes representaram 33% da receita em 2018. Na Turquia, as vendas da empresa já caíram cerca de 40% em 2019 na comparação com o ano anterior.
Sidos diz que o objetivo inicial no Brasil é consolidar a operação, melhorar a rentabilidade e modernizar alguns aspectos, o que inclui o processo produtivo. A Ciplan terá instalações adaptadas para utilizar novos combustíveis alternativos. Na prática, são resíduos industriais e domésticos que serão valorizados e substituirão progressivamente as energias fósseis (coque) na fabricação do cimento, em um sistema de economia circular.
Para adaptar a produção no Brasil, serão investidos anualmente € 5 milhões no período de quatro anos. A Ciplan possui uma fábrica em Brasília, apta a produzir 3,2 milhões de toneladas de cimento, e nove unidades de concreto De acordo com Sidos, algumas cimenteiras no Brasil já valorizam resíduos no processo produtivo, mas ainda não é o caso da Ciplan.
Na França e na Suíça, a Vicat "está próxima de uma substituição total" dos combustíveis fósseis, diz ele. Recentemente, a indústria brasileira de cimento apresentou plano para reduzir em 33% as emissões de gás carbônico na produção do material até 2050.
O grupo também irá lançar no mercado brasileiro produtos com inovações tecnológicas, como concretos isolantes, drenantes (permeáveis), ou com alta resistência, além de "mousse de cimento" com isolação comparável à do poliestireno.
Mas mesmo em países como a França, esses materiais ainda têm pouca demanda, diz Sidos. Há também a impressão 3D em concreto. A Vicat acaba de criar recifes submarinos em 3D para a proteção da biodiversidade no litoral do Cap d'Agde, na França. O "concreto conectado" é um projeto em parceria com uma startup francesa: um dispositivo eletrônico no material permite acessar dados sobre o prédio com um simples smartphone.