Os brasileiros pouparam mais de R$ 200 bilhões em 2021, considerando produtos bancários com cobertura do FGC (Fundo Garantidor de Créditos), como CDBs, cadernetas de poupança, depósitos a vista e letras de crédito imobiliário e do agronegócio. Essa economia adicional, no entanto, ficou concentrada em contas com saldo superior a R$ 20 mil.
Na faixa que inclui clientes com saldo inferior a esse patamar, houve saída de recursos ao longo do ano, embora os valores totais ainda estejam acima dos verificados no início da pandemia decretada em março de 2020.
Os dados do FGC também mostram que a capacidade de poupar perdeu força em relação ao primeiro ano da pandemia, quando houve crescimento de R$ 830 bilhões no saldo desses produtos.
O acúmulo de recursos em 2020 esteve relacionado a fatores como pagamento do auxílio emergencial a trabalhadores informais, precaução diante dos efeitos econômicos da pandemia e redução de consumo provocada por distanciamento social. Em 2021, tanto a ajuda do governo como as restrições impostas pela crise sanitária diminuíram. Além disso, a inflação aumentou o custo de vida, em um ambiente de desemprego ainda elevado.
Parte do crescimento de 6,6% no estoque desses recursos em 2021 também está relacionada à rentabilidade do CDI (3,95%), que serve de parâmetro para algumas dessas aplicações, e da caderneta (2,99%), embora o avanço tenha ficado abaixo da inflação, de mais de 10% do ano passado.
POUPANÇA É ÚNICA APLICAÇÃO CUJO SALDO ENCOLHEU EM 2021
A caderneta de poupança foi o único entre os principais produtos com garantia do Fundo cujo saldo encolheu em 2021 (-1%). A perda de recursos se deu nas aplicações com saldo de R$ 100,01 a R$ 50 mil e também nas 119 contas com mais de R$ 20 milhões.
Embora todos esses produtos sejam assegurados pelo FGC, no caso de insolvência da instituição financeira, a cobertura é de até R$ 250 mil por conta. Quem tem valores acima disso só tem parte do dinheiro garantido pelo Fundo —99,7% dos clientes estão totalmente cobertos.
Daniel Lima, diretor-executivo do FGC, afirma que grande parte do aumento na captação desses produtos está ligada a emissões de CDBs e RDBs em volumes maiores e com taxas mais atrativas para o investidor por instituições financeiras de médio e pequeno porte.
A participação desses depósitos a prazo nos produtos bancários ligados ao FGC passou de 43% para 52% ao longo dos últimos dois anos. A da caderneta caiu de 35% para 29% no mesmo período. Depósitos a vista (conta corrente) também avançaram, enquanto as letras financeiras, como LCI e LCA, perderam relevância.
"O que está crescendo mesmo são essas emissões de depósitos a prazo. Mesmo que a poupança tenha crescido com bastante vigor, outros produtos cresceram com vigor maior ainda. Então a participação da poupança se reduziu", afirma o executivo.
"Isso é reflexo também da elevação das taxas de juros. A gente viu uma migração de produtos mais voláteis para esse porto seguro da renda fixa em busca de taxas melhores."
Se forem consideradas também aplicações fora do âmbito do FGC, como fundos, Tesouro Direto e ações, o período de acumulação de recursos, que começou no segundo trimestre de 2020, se encerrou no terceiro trimestre de 2021.
Nos três meses encerrados em outubro do ano passado, o resultado da poupança financeira das famílias foi negativo, segundo dados coletados pelo Cemec-Fipe (Centro de Estudos de Mercado de Capitais da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas).
FAMÍLIAS SACAM RESERVAS PARA PAGAR LUZ E COMPRAR ALIMENTOS
O pesquisador Carlos Antonio Rocca, que coordena o Cemec-Fipe, aponta três fatores que contribuíram para esse movimento: redução da incerteza em relação à pandemia no segundo semestre do ano passado, reabertura de atividades e queda na renda real das famílias.
Rocca lembra que as aplicações em produtos ligados ao FGC que mais cresceram em 2020 foram aquelas com saldos menores, principalmente durante a fase de pagamento do auxílio emergencial. No ano passado, foram as que mais perderam recursos.
"Em 2020 teve um comportamento muito forte de poupança das pessoas de renda mais baixa. Em 2021, isso muda radicalmente. Praticamente toda [a poupança acumulada] nas faixas de saldos menores, portanto de menor renda, ou zeraram ou caíram fortemente", afirma.
"A partir de certo momento o pessoal começou a sacar para complementar o orçamento familiar, pagar supermercado, conta de luz. A renda média das pessoas caiu muito fortemente com essa aceleração inflacionária. E o segmento de renda mais baixa é o que sofre mais", diz o pesquisador.
Rocca afirma que as famílias brasileiras ainda têm uma poupança adicional equivalente a cerca de 8% do consumo anual de bens e serviços, mas que não é possível dizer em que prazo esse dinheiro voltará para a economia. Mudanças nos hábitos de poupança e consumo podem levar os brasileiros a manter parte dessa reserva extra por mais tempo.
Apesar da saída de recursos em algumas faixas de renda, o diretor-executivo do FGC, Daniel Lima, afirma que o cenário de juros mais altos em 2022 contribui para que os produtos atrelados ao Fundo continuem a captar parcela relevante da poupança.
"Com uma taxa de juros mais alta, os produtos continuam atrativos. A gente acredita que, como alternativa de investimento, o produto emitido pelos bancos e pelas financeiras continuará fazendo parte da cesta dos investidores em 2022."