Ernesto Zarzur, fundador e presidente do conselho de administração da EZTec, faleceu neste domingo, dia 12, aos 87 anos. O empresário encerrou mais cedo seu mandato à frente do colegiado da incorporadora de imóveis conhecida no mercado por apresentar as maiores margens do setor. Pelas regras de governança, ficaria pelo menos até a assembleia geral ordinária (AGO) de 2023. Mas Zarzur nunca foi de se pautar somente por regras.
Justamente por ele ter, há pouco mais de uma década, tomado algumas decisões de forma diferente ao esperado pelo mercado e sido bem sucedido é que o desempenho da companhia passou a ser observado, de perto, e admirado por investidores e analistas.
No primeiro semestre de 2008, quando crescimento era a palavra de ordem no setor de incorporação, a EZTec reduziu pela metade o que faria no ano. A principal razão foi a desapropriação pela Prefeitura de São Paulo, por decreto que acabou revisto meses depois, de um terreno onde seria desenvolvido projeto com participação da companhia. O pé no freio resultou também da crise financeira internacional. “Declarei, em 2008, que não ia fazer nada. Os concorrentes me chamaram de burro. Os minoritários disseram: ‘o senhor é louco. Demos dinheiro para o senhor construir, e o dinheiro está aplicado’”, relembrou Zarzur em entrevista ao Valor em 2014. Poucos dias após o principal marco da crise financeira internacional, a EZTec lançou um empreendimento, assim como em novembro de 2008, quando as incorporadoras deixaram de apresentar projetos, diante do acirramento das turbulências.
Em 2009, com o anúncio do programa Minha Casa, Minha Vida, várias companhias com atuação tradicional nos padrões médio e alto decidiram se expandir para o segmento de baixa renda, mas Zarzur manteve o foco da EZTec. Mais tarde, quando crescimento acentuado, expansão geográfica e diversificação de renda deixaram de ser considerados prioridades, no mercado, a companhia já estava ajustada.
O empresário não se contentava em traçar diretrizes para a incorporadora. Por quatro décadas, foi à sede da companhia, na Avenida República do Líbano, na Zona Sul de São Paulo. Acompanhou decisões de compra de terrenos, desenvolvimento de projetos e definições de prazos de lançamentos e de preços dos imóveis. Também fazia questão de visitar obras.
Conhecido por seu carisma, Zarzur recebia de filhos, netos e alguns colaboradores mais próximos — como o diretor financeiro e de relações com investidores, Emilio Fugazza, também tratado como filho — com um beijo no rosto, como cumprimento, enquanto circulava pela empresa. As idas à EZTec se tornaram menos frequentes e mais rápidas, quando a saúde do fundador foi agravando, mas ele seguiu marcando presença.
O filho de libaneses nascido e criado na capital paulista sempre misturou família e trabalho. Em 2006, criou sistema de rodízio para os quatro filhos homens ocuparem a presidência da incorporadora. Marcelo Ernesto Zarzur, está à frente da EZTec, mas o leme já foi conduzido por cada um dos demais filhos — Flávio Ernesto Zarzur, Silvio Ernesto Zarzur e Marcos Ernesto Zarzur. Os dois genros — Mauro Alberto e Roberto Mounir Maalouli — também fazem parte da gestão, respectivamente, como diretores administrativo e jurídico.
A mescla do lado pessoal com o profissional ficava clara nos almoços servidos, por muitos anos, às segundas e às sextas-feiras, na casa do patriarca da família Zarzur. Além do empresário, da esposa — dona Esther —, e de filhos e netos, alguns funcionários de todos os níveis da empresa eram convidados a cada encontro. Nessas ocasiões, confraternização era prioridade, mas também eram tratadas questões de trabalho.
Coordenados por dona Esther, os almoços reuniam até 40 pessoas na residência do casal, uma casa modernista projetada pelo urbanista Lucio Costa e comprada por Zarzur do empresário João Euclydes Bordon.
Firme em suas convicções, defendia suas crenças de forma, algumas vezes, bastante peculiar. Muito antes que se cogitasse a ideia de que o mundo viveria a pandemia de covid-19, um conselheiro da EZTec decidiu que não se vacinaria contra a gripe. Zarzur não se conformou. O conselheiro foi chamado à sede da companhia para uma reunião. Quando chegou ao suposto encontro de trabalho, se deu conta de que era esperado por uma pessoa contratada pelo fundador da EZTec para aplicar o imunizante em seu braço. Não houve como não tomar a vacina.
Zarzur contava que abandonou a escola, e aprendeu a ler e a escrever em casa. Certa vez, ao ser questionado pela reportagem do Valor se as escolhas feitas na contramão do que o mercado esperava estavam relacionadas a não ter se adaptado à escola, ter sido educado por professores particulares e protegido pela mãe, dona Adele, o empresário não titubeou na resposta sem modéstia: “minha inteligência é nata”.
Costumava dizer que sua atuação ia até onde a vista alcança: “só construo onde consigo ir a pé. Posso ir até Jundiaí, mas não até Manaus”. Em meados de novembro, fez a última visita à incorporadora que fundou em 1979.
Casado com dona Esther por 65 anos, “seu” Ernesto foi morar, agora, onde a vista não alcança. Do lado de cá da vida, ficam esposa, seis filhos, 17 netos, oito bisnetos e muitas histórias. “Seu” Ernesto deixou órfãos também os minoritários da EZTec. “Eu me preocupo mais com meus acionistas do que com meus filhos. Meus minoritários precisam de mim.”